Embora o tempo seja de semear, vou falar aqui de tempos de colheita.
O trabalho da segada (ceifa), por ser tão árduo, era acompanhado por cantigas que, mais do que animarem os segadores, serviam para marcar o ritmo da labuta. São as cantigas da segada cujo poema, de temas muito muito variados, pode adequar-se às horas do dia e constitui o rimance. A música é, quase invariavelmente, a mesma para todos os poemas. Meu pai ensinou-me umas quantas, algumas no meio de muitos risos por serem tão marotas!
Os rimances podem organizar-se por grandes temas de que destaco, por exemplo, o de Santa Helena (outra, que não a mãe de Constantino). Tal como acontecia na Idade Média (grande parte delas vem, precisamente, desses tempos), uma cantiga tem sempre muitos autores e, numa, misturam-se versos de outras, sendo difícil discernir qual delas é a primeira.
Vem tudo a propósito dos resalgares cujo veneno é sobejamente conhecido dos transmontanos.
Santa Helena era a filha mais nova de um pai abastado (ela bordava em seda). Um cavaleiro, depois de receber pousada em casa do pai de Santa Helena, rapta-a e assassina-a. Sobre a sepultura da vítima alguém constrói uma capela. Passados sete anos, o cavaleiro regressa e pede perdão a Santa Helena. O desenlace da cantiga é eloquente:
- Perdoa-me ó Santa Helena serei eu o teu romeiro
domingos e quintas-feiras durante um ano inteiro.
- Como te hei-de perdoar, meu lobo, meu carniceiro
fizeste-me a mim como o lobo faz ao carneiro!
O tema de Santa Helena foi colado à cantiga que se segue, mas de cujo início meu pai se não recordava já. Ei-la, tal e qual ele ma ensinou, afirmando que se cantava à hora da merenda:
- Apeia-te ó cavaleiro, que te darei de merendar.
- Que tens tu ó D. Eugénia, que tens tu para me dar?
- Tenho queijo de sete anos para te dar a provar.
Tenho vinho d'outros sete para te dar a fartar.
Cavaleiro bebeu o vinho e começou-se a agoniar:
- Que fizeste ao teu vinho que me fez tanto mal?
- Deitei-lhe cobrinhas vivas e o sumo do resalgar.
Arrebenta, arrebenta cavaleiro, acaba de arrebentar!
Cavaleiro arrebentou, ela cobriu-o com folhas do mato
(...)
Perdoa-me ó Santa Helena, serei eu o teu romeiro
Domingos e quintas-feiras durante um ano inteiro.
O resalgar, pode ver-se, tem má fama e bom proveito dela.
Nota: para evitar consulta constante do "Brègancês" escrevi os poemas de acordo com a norma do Português corrente.
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8 comentários:
Ora aí está,
Ainda não tinha acabado!
Dizia eu que, agora que o Blogger permitiu, viemos conhecer uma cantiga de ternura.
Gostei das palavras e do que elas sugerem!
Foi remédio...santo!
Eh pá, eu não escrevi só "Ora aí está,"!
Agora já não me lembro, mas isso só não foi de certeza!
Este "Blogger" anda mesmo maluco de todo!
O resalgar é mesmo bonito!
A cantiga... é um pedaço de História!
Também me parece que o tipo anda com comportamentos esquizofrénicos!
Olha, há que ter paciência!
Luísa
Minha discípula? É honra que não mereço, seguramente! Mas será um prazer partilhar a minha paixão pela História, embora, aqui, lhe não dedique tanto espaço como ela merece.
Já visitei os "Ecos do Tempo". Bela página, a desmentir a modéstia com que foi referido.
Obrigada pela simpatia.
Jorge
Eu bem digo que o blogger está esquizofrénico... então não é que me apareceram hoje, em catadupa, mas com a devida data, os teus comentários que tinham levado sumiço? Ora bolas, ficou isto para aqui sem pés nem cabeça! Concordo contigo: os poemas são um encanto.
Luísa
Intelectual é aquele que sabe pensar. Não te (vos) menosprezes.
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