13/10/2006

Sexta-feira 13


Sexta-feira, madrugada de treze de Outubro de 1307: por toda a França, e por ordem de seu soberano Filipe, o Belo, as residências dos Cavaleiros do Templo são arrombadas e os seus membros capturados. Entre eles está Jacques de Molay, seu derradeiro grão-mestre. Submetidos a tortura, quase todos confessarão práticas hediondas, desde o cuspir na cruz à idolatria e à sodomia. À prisão suceder-se-ia inquérito e julgamento. Muitos seriam condenados à morte pelo fogo. Desde então, a sexta-feira 13 está associada a dia de azar.

Os Templários foram a vítima provável de um tempo melindroso. O século começara trágico por toda a Europa, com os maus anos agrícolas a sucederem-se e, com eles, a inevitável fome e a morte por inanição. Os monarcas europeus andavam em palpos de aranha, sem saberem o que fazer para deitar mãos a tamanha miséria e, se às vezes tinham sucesso, outras vezes acrescentavam-na. Dos campos fugia-se para as cidades pois acreditava-se que os seus ares eram benéficos, mas tamanho afluxo amontoou multidões que, por isso mesmo, morriam mais e revoltavam-se mais. Qualquer boato era verdade certa, inflamavam-se os ânimos e qualquer coisa servia de rastilho neste barril de pólvora.

Devido à sua dedicação a actividades lucrativas, os cavaleiros templários foram alvo da cobiça dos monarcas em aflição: cobiçavam-lhes as riquezas, embora se devessem preocupar em aprender com eles. Talvez seja este o motivo que levou Filipe, o Belo, a ordenar a sua prisão, mas todo o processo é tão obscuro que nada nos parece convencer. O facto é que os Templários são acusados de heresia num século recheado delas e acabarão tão vítimas da inquisição como os cátaros e outros que tal.

O processo movido pela Cúria Romana não foi bastante para convencer os monarcas peninsulares que, entre si, combinaram comum actuação e, apesar de todos acatarem a decisão de extinção da Ordem, decidiram que os seus bens reverteriam para as respectivas coroas. Além disso, pelo menos em Portugal e Aragão, esses bens seriam usados para a fundação de ordens religiosas nacionais cujos primeiros membros seriam antigos templários. Em Portugal, seria a Ordem de Cristo, ornada com a mesma cruz templária, aquela que identificará as caravelas e as naus dos Descobrimentos.

Em Portugal, o primeiro Grão-Mestre foi Gualdim Pais, companheiro de D. Afonso Henriques na batalha de Ourique. Foi nele que o nosso fundador depositou a responsabilidade, nunca desmerecida, de defender as terras conquistadas para Sul. Na luta contra os sarracenos, os Templários estavam sempre na linha da frente. A Gualdim Pais devemos a fundação de Tomar (está aí sepultado na igreja de Santa Maria do Olival) e a construção do castelo de Almourol e os seus cavaleiros são os responsáveis por nunca, depois de conquistada, termos perdido a linha do Tejo. Ao recusar entregá-los à fogueira, inocentando-os de todas as acusações, D. Dinis soube reconhecer o seu enorme contributo para a nacionalidade. Desse acto lúcido nasceu a possibilidade da epopeia. Bem-hajam todos eles!

12 comentários:

Jorge P. Guedes disse...

"NEKAN, ADONAI !!! CHOL-BEGOAL!!! PAPA CLEMENTE... CAVALEIRO GUILHERME DE NOGARET... REI FILIPE: INTIMO-OS A COMPARECER PERANTE O TRIBUNAL DE DEUS DENTRO DE UM ANO PARA RECEBEREM O JUSTO CASTIGO. MALDITOS! MALDITOS! TODOS MALDITOS ATÉ A DÉCIMA TERCEIRA GERAÇÃO DE VOSSAS RAÇAS!!!"

Foram essas as derradeiras palavras que Jacques de Monay, o 22º e último Grão-Mestre da Ordem dos Templários, proferiu antes das chamas lhe levarem a vida. Acesa a fogueira no pelourinho nos fundos da catedral de Notre-Dame em Paris, ali expiou ao anoitecer do dia 18 de março de 1314, imprecando contra o Papa, o Guarda-selos do rei, e o próprio soberano da França. E tinha toda a razão em lançar o anátema contra os três. Sete anos antes, um sórdido conluio entre o rei Filipe IV, o belo, e o Papa Clemente V, tendo o fiel Nogaret como executor, selara-lhe o destino.

Até então a ordem dos monges guerreiros de manto branco e cruz vermelha fora um colosso militar e financeiro. Na noite do dia 12 para 13 de outubro de 1307, as suas instalações, por todas as partes do reino, viram-se invadidas pelos oficiais de Filipe IV,inclusive os seus edifícios em Paris, denominados Ville Neuve du Temple.
Para suprema infâmia dos cavaleiros aprisionados, os seus últimos dirigentes, além de terem perdido tudo, foram arrastados aos tribunais reais denunciados por Nogaret, o jurista do rei, pelas práticas de heresia e de pederastia.

Filipe, o belo, atiçado pelas intrigas de um traidor, um ex-cavaleiro chamado Esquiseu de Floyran, o Judas dos Templários, não se conformara em desmantelar-lhes as instalações e confiscar-lhes os valores, quis também desonrá-los para sempre. Por isso, acusou-os de sodomitas. Denúncia estendida a De Monay e a outros 140 cavaleiros postos a ferros (54 deles expiaram pelo fogo).

Belo artigo com magníficas imagens e explicação esclarecedora.
Enfim, a qualidade a que nos habituaste!

Um abraço
Jorge

MPS disse...

Obrigada pelas tuas palavras.
Só um pequeno reparo: o senhor gostaria muito e saberia muito bem lidar com dinheiro, mas o seu apelido era MOLAY e não 'Monay'! É um daqueles lapsos engraçados!

Quanto às últimas palavras proferidas, elas pertencem ao domínio da lenda, existindo várias versões, sendo esta a mais comum: "Pape Clément ! Roi Philippe ! Avant un an, je vous cite à paraître au tribunal de Dieu pour y recevoir votre juste chatîment ! Maudits ! Maudits ! Tous maudits jusqu'à la treizième génération de vos races !" A lenda nasceu, certamente, das mortes consecutivas e dramáticas do Papa, do rei de França e do chanceler régio, Guillaume de Nogaret. Ao rei de França sucederam no trono os seus três filhos, e os três morreram em plena juventude, com eles terminando a dinastia dos Capetos. A seguinte, dinastia dos Valois, viria de ser contestada pelos ingleses, começando assim a Guerra dos Cem Anos.

O curioso, no meio deste processo tão estranho, é que nem Boccaccio nem Dante se lhe referiaram!

Um abraço

Palavra Alada disse...

Parabéns por tão interessante blog! Voltarei mais vezes.

Jorge P. Guedes disse...

Não se lhe referiaram, porque eram amigos do Senhor de Monay!

Vês...vês como eu sei de História?

Ahahahahahahahahahahah!..............................................................................................................Jorge manca um abruço. Ahahahahah!.......

MPS disse...

Obrigada pela sua visita. Blogues interessantes são os seus que, de certeza, me farão voltar.

MPS disse...

Jorge

Pois é, refrearam-se e o freio serviu-lhes de mordaça, não se referindo ao assunto!

Uma vez chabasco, chabasco toda a vida!

MeMyself&I disse...

Penso que muito pouca gente saberá a verdadeira origem do mito da sexta-feira 13.

A propósito de templários, sabes decerto, muito melhor que eu, as variadissímas histórias que se contam a propósito dos motivos que terão levado à chacina dos templários. Que achas que originou a lenda de que guardariam um tesouro incalculável?

MPS disse...

A Ordem do Templo era, de facto, muito rica, embora, provavelmente, não suficientemente rica para, com todos os seus bens em França, acabar com a ruína económica provocada pela desastrosa adeministração dos monarcas franceses. Daí ao boato de que esconderam fortunas incalculáveis foi um passo que, com o correr do tempo, acrescido do gosto humano pela fantasia e pelo mistério, se tornou nisto que, nós hoje, sabemos. Há quem dedique a vida inteira à procura das ditas riquezas. O D. quixote também via gigantes onde só havia moinhos! Que poder teve Sancho Pança sobre ele?

MeMyself&I disse...

Boa questão...
Mas, de onde veio essa riqueza imensa?

MPS disse...

Ai que vergonha, que valente calinada escrevi!!!! :-((((( ADMINISTRAÇÃO, obviamente!

A riqueza dos templários cresceu devido à sua acção:
primeiro na Terra Santa, na defesa física do percurso dos peregrinos (os Hospitalários - o nosso Crato -dedicavam-se, sobretudo, a cuidar das maleitas dos peregrinos). Os reis europeus, todos eles cristãos, ofereciam-lhes boas terras em reconhecimento da sua obra, e muitas pessoas, a título individual, presenteavam-nos com outras coisas;
em segundo lugar, desde que a Península Ibérica foi definida como terra de cruzada, a sua presença entre nós foi essencial para a reconquista e defesa das terras conquistadas, sendo-lhes oferecidas - com a condição de as defenderem - as terras próximas da linha da frente (houve alturas em que o mesmo aconteceu em Itália devido aos ataques muçulmanos);
em terceiro lugar, e devido à sua dispersão por todas estas regiões, era normal que precisassem de deslocar dinheiro de uns lugares para outros e que muitos mercadores pedissem os seus serviços. Tinham, pois, uma escrituração organizadíssima e inovadora, sendo eles pioneiros da "letra de câmbio"(há quem os afirme inventores, mas não há certezas, sobretudo por causa do dinamismo dos mercadores venezianos e genoveses). O facto é que começaram a cobrar por esses serviços, alargando a sua actividade à finaça. Enriqueceram pelo seu trabalho e pela sua diligência. Outros poderiam ter-lhes seguido o exemplo, mas não o fizeram. Quem enriquece enquanto outros empobrecem (mormente as casas reais...) gera invejas. Imagina quantas vezes se terá ouvido: "têm pacto com o diabo!"
Claro que o pacto deles era com o trabalho e com a inteligência, mas a invídia é senhora de muitas "malas artes"!

MeMyself&I disse...

Percebo; um pouco como os judeus, nesse aspecto. Em relação à letra de câmbio, relmente, a literatura que tenho lido atribui-lhes a criação do sistema bancário (meio rudimentar, claro).

MPS disse...

Escolheste bem o exemplo: organização e contactos por todo o lado.

O sistema bancário FOI SENDO criado e teve início nas feiras medievais, que renasceram no séc. XI, com o papel desempenhado pelos cambistas que se sentavam num banco em vez de estrem de pé a apregoarem as mercadorias (daí a designação e banco e banca, mas também de bancarrota, ou seja, sem fundos, falida). Os cambistas foram os primeiros banqueiros e as primeiras grandes famílias de banqueiros foram italianas e alemãs, todas de origem burguesa e sem ligação com os templários. É provável, no entanto, que houvesse transmissão de práticas, mas resta saber quem transmitiu a quem.