27/07/2006

Líbano


Para nos lembrarmos de que o Líbano não é só deserto e guerra, está aqui uma página que merece ser vista. Agradeço as indicações ao Human flower Project (com link aqui ao lado).

O Líbano, lembra-nos a Bíblia, forneceu a Salomão os cedros necessários para a construção do templo de Jerusalém. O ódio ainda se não tinha metido de permeio!

26/07/2006

André le Chapelin: palavras sábias


Il est évident et pour ma raison absolument clair que les hommes ne sont rien, qu'ils sont incapables de boire à la source du bien s'ils ne sont pas mus par les femmes. Toutefois, les femmes étant l'origine et la cause de tout bien, et Dieu leur ayant donné une si grande prérogative, il faut qu'elles se montrent telles que la vertu de ceux qui font le bien incite les autres à en faire autant; si leur lumière néclaire personne, elle sera comme la bougie dans les ténèbres, qui ne chasse ni n'attire personne. Ainsi, il est manifeste que chacun doit s'efforcer de servir les dames afin qu'il puisse être illuminé de leur grace; et elles doivent faire leur mieux por conserver les coeurs des bons dans les bonnes actions et honorer les bons pour leur mérite.

ANDRÉ LE CHAPELIN, Traité de l'amour (citado em: R. BEZZOLA, Les Origines et la Formation de la Littérature Courtoise en Occident)

Se as mulheres são a origem e a causa de todo o bem, faz sentido que, na guerra, elas sejam deixadas para trás. Foi preciso que um autor do séc. XII me explicasse isso. As mulheres, deixadas para trás, não podem iluminar ninguém! Que caminhos medonhos temos trilhado! E há quem continue a dizer que a Idade Média foi o tempo de trevas!

25/07/2006

Guerra

A mulher estava em prantos. O jornalista explicava: por ser pobre, não conseguiu comprar a passagem que lhe daria a fuga, a ela e aos filhos, do lugar da guerra: o sul do Líbano.

Que gente é esta que deixa mulheres e crianças para trás, por não terem dinheiro?
Onde está a caridade, o auxílio aos pobres, um dos cinco pilares do islão?
Onde estão os crentes?
Onde ficou a humanidade?

Será a guerra que nos põe assim?

22/07/2006

Movimento Apolíneo

Por estes dias, Sua Majestade tem-se retirado deste modo:


21/07/2006

Docas de Lisboa

O espaço entre as docas de Alcântara e da Rocha Conde d'Óbidos está lindíssimo. São veleiros e mais veleiros, grandes veleiros de numerosos países que se concentraram em Lisboa, local de pausa da regata comemorativa dos 50 anos do Tall Ships' Races. Deixarão Lisboa no próximo domindo, dia 23. Por volta do meio-dia desfilarão, em cruzeiro, frente à Torre de Belém, mas vê-los à saída da barra será espectáculo a não perder. Entretanto, as suas bandeiras vão enfeitando a zona ribeirinha de Lisboa.

A gare marítima da Rocha está, ainda, mais bonita, com o cordame da Sagres a sobressair-lhe por detrás.




A Sagres, vista da popa







Por estes dias, o Tejo mira-se assim.

Alguns navios franqueiam a entrada a quem queira visitá-los.

O passeio vale a pena!

19/07/2006

Rosa Casaco

Foi-se.
Foi-se, gozando da liberdade que negava aos outros;
acrescentado nos anos que roubou a tantos.
Foi-se.
Tarde!

18/07/2006

Guerra

Faz hoje 70 anos. Não interessa discutir, neste espaço, se a guerra civil de Espanha foi apenas uma guerra civil ou, pelo contrário, foi o início real da II guerra mundial. Hoje não me interessa discutir; apenas lembrar. Lembrar os ódios que cegam os irmãos; lembrar o absurdo da mortandade gratuita; lembrar que, pela primeira vez, em vez de um exército de homens defrontar outro exército de homens, um exército de aviões defrontou uma cidade indefesa: a força da ciência e da técnica a abater-se sobre os braços desarmados de velhos, mulheres e crianças. Lembrar a ferocidade ilimitada, tão brutal que ultrapassa a selvajaria.

A guerra civil de Espanha está bem presente na memória dos espanhóis e dos portugueses raianos. O extraordinário é que, desse conflito medonho, sobrou para a eternidade uma obra maior da pintura de sempre: Guernica, de Pablo Picasso. Como resistir a fazer a comparação entre ela e Os Fuzilamentos de 3 de Maio, de Goya?



Em ambas, uma luz estranha de candeeiro. Essa luz não está lá para servir a pintura, porque não se projecta segundo as leis da óptica. Essa luz, por um lado, identifica os assassinos (em Goya, os soldados franceses a quem não vemos o rosto; em Picasso, o céu de onde caíram as bombas alemãs) e, por outro lado, faz sobressair do conjunto aquilo que mais importa: as vítimas da barbárie, umas tombadas já, outras no último instante antes da queda. Dos tombados resta o sangue e os despojos. Os rostos dos que vão morrer gritam de estupefacção, de dor e de medo. Nós somos capazes de lhes ouvir os gritos, tal é a intensidade que os dois pintores conseguiram conferir ao conjunto e esses gritos fazem de nós testemunhas do crime. Mais testemunhas, ainda, do que aqueles dois grupos que ladeiam a cena principal. Em Goya, horrorizados, os homens cobrem o rosto para não ver; em Picasso, desesperadas, as mulheres erguem o rosto identificando os assassinos. Ninguém pode dizer que não viu e ninguém tem o direito de esquecer.

Assim é a guerra e a maldade humana! Aquela luz são os olhos de quem se recusa a não ver!

17/07/2006

"Bodas de Sangue"


Não poderia esquecer o Lorca autor de textos dramáticos. Referirei Bodas de Sangue, texto de grande intensidade emocional. As personagens vivem num mundo rural apresentado como sendo de grande violência e em que o recurso ao assassinato faz parte do quotidiano daquela gente. Nesse mundo, qualquer migalha de chão é quanto basta para distinguir o nível social das pessoas e os casamentos fazem-se a partir dessa distinção e da noção de que devem somar partes equivalentes e não distintas. Não sei até que ponto este texto ilustra a realidade mas com ele, certamente, Lorca quis denunciar práticas que considera injustas e desadequadas.

O enredo é, mais ou menos, este: uma rapariga vai-se casar. Já estivera noiva de outro (Leonardo) mas, tudo indica, fora ela a romper o noivado, apesar do forte sentimento que nutrem um pelo outro. No dia do casamento da rapariga, os dois não resistem e fogem. Naquele momento são os dois casados, e a humilhação feita paga-se com sangue. O excerto que se segue é o diálogo entre ambos, uma vez consumada a fuga. É Lorca a deitar a sociedade espanhola no divã do Dr. Freud.

LEONARDO

Que vidros cravam minha língua presa!
Porque eu quis-te esquecer,
e pus um muro de pedra
entre a tua casa e a minha.
É verdade. - Não te lembras?
E quando te vi de longe,
enchi meus olhos de areia.
Mas, se montava a cavalo,
em tua porta me achava -
Tornou-se-me o sangue negro,
com alfinetes de prata.
E o sonho foi-me cobrindo
as carnes de erva daninha.
Pois a culpa não é minha.
A culpa, a culpa é da terra
e do cheiro que desprendem
teus peitos e tuas tranças.

NOIVA

Ai que loucura! Não quero
contigo cama nem ceia,
e o dia não tem minuto
que estar contigo não queira.
Porque me arrastas, e sigo
e se me dizes que venha,
eu te acompanho nos ares
como um fiapinho de erva.
Deixei um homem austero
mais a sua descendência,
no meio da nossa boda,
de coroa na cabeça.
Receberás o castigo
e não quero que o recebas.
Deixa-me sozinha, foge!
Que não tens quem te defenda.

A construção psicológica das personagens é notável, como pode constatar-se. A violência que, de início, sentimos apenas latente, vai crescendo ao longo do enredo, ganhando forma para, finalmente, se materializar no desenlace. A estrutura emocional da peça é, de facto, a da tragédia, e o seu clímax é arrepiante.

Mas há outro aspecto importante a focar em relação às personagens: apenas Leonardo tem nome; todas as outras são designadas pela função: o noivo e a mãe (do noivo); a noiva e o pai (da noiva); a mulher (de Leonardo) e a sogra (de Leonardo). Apesar disso, Leonardo não é o protagonista, pois esse papel é desempenhado, claramente, pela noiva. Se as personagens não têm nome, é porque se quer que elas representem grupos.

Nenhuma personagem é verdadeiramente livre: os três núcleos familiares apresentados formam uma espécie de triângulo de ódio, ciúme e morte. E a terra andaluza vai sendo lavrada por estas raivas e regada pelo sangue vertido.

16/07/2006

"Depois de Passar"

Depois de Passar

Os meninos fitam
Um ponto distante.

Os candis se apagam.
Umas moças cegas
Interrogam a lua,
E pelo ar ascendem
Espirais de pranto.

As montanhas olham
Um ponto distante.


Lorca, membro da primeira geração modernista espanhola, tinha das artes uma visão unitária, ou seja, rejeitava a ideia de que um poeta é um poeta e não um encenador de teatro ou um pintor. Além dele, Dali e Buñuel (Picasso de um outro modo) seriam os praticantes maiores deste ponto de vista.Os modernistas interiorizaram as informações sobre o ser humano que as novas ciências divulgaram, mostrando-o como o ser complexo que hoje assumimos que é.

O assassinato de Lorca, cobardemente arrancado da casa onde se refugiara, interrompe uma vida que, tendo já dado muito, prometia imenso.

Lorca está só e com os olhos vendados, mas são as suas costas que recebem os tiros que o fazem tombar. Afinal, são os assassinos que têm medo! Apagaram-se os candis e só as montanhas sabem olhar a distância!

15/07/2006

"Canção Tonta"


Canção Tonta

Mãe,
Eu quero ser de prata.

Filho,
Terás muito frio.

Mãe,
Eu quero ser de água.

Filho,
Terás muito frio.

Mãe,
Borda-me em teu travesseiro.

Isso sim!
Agora mesmo!

A simplicidade da forma; a escolha exacta das palavras e o despojamento do texto; a importância da essência; tudo isso está aqui. Feita a depuração, sobra a beleza.

14/07/2006

"Se as minhas mãos pudessem..."

Se as minhas mãos pudessem desfolhar

Eu pronuncio teu nome
nas noites escuras,
quando vêm os astros
beber na lua
e dormem nas ramagens
das frondes ocultas.
E eu me sinto oco
de paixão e de música.
Louco relógio que canta
mortas horas antigas.

Eu pronuncio teu nome,
nesta noite escura,
e teu nome me soa
mais distante que nunca.
Mais distante que todas as estrelas
e mais dolente que a mansa chuva.

Amar-te-ei como então
alguma vez? Que culpa
tem meu coração?
Se a névoa se esfuma,
que outra paixão me espera?
Será tranquila e pura?
Se meus dedos pudessem
desfolhar a lua!

Tantas as leituras, tão belo o poema!

13/07/2006

Lorca


Lorca foi das primeiras vítimas dos "nacionalistas". Inicio aqui uma sequência dedicada ao poeta que foi fuzilado no dia 19 de Julho de 1933. Ao escolher Lorca estou, sem ingenuidade, a colocar-me de um dos lados do conflito. Mas, porque a História não pode tolerar a parcialidade dos pontos de vista, porei termo a essa sequência no dia 17 porque no dia 18 fará 70 anos que teve início a guerra civil de Espanha. Imunda, cruel, tenebrosa!

Lorca era um peta que escrevia assim:

E Depois

Os labirintos
que cria o tempo
se desvanecem

(Só fica
o deserto.)

O coração
fonte do desejo
se desvanece.

(Só fica
o deserto.)

A ilusão da aurora
e dos beijos
se desvanece

Só fica
o deserto.
Um ondulado deserto.


(Francisco Fanhais musicou e interpretou este poema com uma qualidade enorme e uma sensibilidade arrepiante.)

Ao saber da sua morte o, então jovem, poeta José Gomes Ferreira dedicou-lhe este poema:

Terra:
endurece mais!

Recusa a abrir-te em cova
para esconder o Poeta
no silêncio das raízes.

Deixa-o apodrecer no chão
como uma bandeira de carne de remorsos.

11/07/2006

Rainha Santa

José Gomes Ferreira tem um poema que começa assim:

Procurei, em vão, um pássaro morto na floresta para, depois de profunda meditação, concluir: as aves quando morrem caem no céu.

Lembrei-me deste poema a propósito dos meus trabalhos em busca da imagem da rainha Santa Isabel da autoria de Teixeira Lopes. É a imagem que é usada na procissão solene que, cada dois anos, se faz em Coimbra e a ela é dedicada. Procurei em vão. Talvez porque Santa Isabel tenha pousado no céu. Valeu-me este blog, com fotografias belíssimas da procissão deste ano.

O calendário litúrgico estabelece o dia 4 de Julho como o dia da Rainha Santa e, próximo desse dia, a cidade de Coimbra organiza a procissão, num ritual que faz sair a sua padroeira de Santa Clara, estabelecendo-lhe pousada, por dois dias, na Graça.

A Rainha Santa, no dizer do P. António Vieira, fez dos míseros e enfermos a sua côrte. Não admira que o povo aflua e queira agradecer as bênçãos recebidas!

Por ordem de D. João III datada de 1556, a Universidade é obrigada a participar das comemorações, ordem que ainda não foi desacatada e que se traduz no 'cortejo dos Capelos'.

Estaria D. João III a ordenar que coubesse à ciência a expiação dos pecados políticos e de fé? Expiação tamanha! Tenebrosa inquisição!



São inúmeras as imagens de Isabel de Porugal. Até Goya, como podemos ver na pintura ao lado, lhe dedicou a sua atenção e a sua arte. É D. Isabel assistindo os enfermos. Segundo a lenda, apesar de ter falecido no Alentejo, num 4 de Julho escaldante, o seu corpo chegou a Coimbra a exalar um doce aroma.



A faceta da pacificadora está exemplarmente demonstrada nesta ilustração existente na Biblioteca Nacional.
Lá vai ela, interrompendo a batalha que opõe pai e filho, pedir a concórdia entre os dois. Historicamente podemos entender a guerra civil de D. Dinis contra Afonso IV como uma luta do feudalismo, mas em termos humanos representa a cobiça do filho que não quer esperar a morte do pai para herdar o que é dele. É também inveja do irmão, D. Pedro, Conde de Barcelos, estimado pelo pai. D. Afonso teme aquilo que considera ser a preferência de D. Dinis. No meio, sofre o povo e D. Isabel tenta a paz.

Mas D. Isabel era uma rainha, senhora da corte de D. Dinis, quiçá o mais sábio dos nossos monarcas. Se não o mais sábio, pelo menos o maior poeta. Ela aí está, interpretando bem o papel, compenetrada nos seus deveres de rainha (pintura de Zurbaran - séc. XVII.

Quer'eu en maneira de proençal
fazer agora um cantar d'amor
e querrei muit'i loar mia senhor,
a que prez nen fremusura non fal


Estaria D. Dinis a escrer para a sua rainha?


P.S. Mais tarde, o Dias com Árvores publicou estas fotografias belíssimas da procissão deste ano.

10/07/2006

Papel Papel Papel Papel Papel Papel Papel Papel Papel Papel Papel
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Papel Papel Papel Papel Papel Papel Papel Papel Papel Papel Papel
Papel Papel Papel Papel Papel Papel Papel Papel Papel Papel Papel
Papel Papel Papel Papel Papel Papel Papel Papel Papel Papel Papel
Papel Papel Papel Papel Papel Papel eu Papel Papel Papel Papel Papel
S O C O OOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOORRRROOO

09/07/2006

Lua

Êsta noute neum (debia haber um til em cima do u mas num sou capaze de o lá pôr!) bicho careto me bai impedir de olhar pró céu e ber a lua, redonda e tamanha como os olhos dum gato mioto!

06/07/2006

A Lição de Salazar (cont.)

Não sei o que se passou com o blogger que me não deixou introduzir todos os cartazes no artigo anterior. Aqui ficam os restantes.

É de salientar que o conteúdo dos cartazes, assumido como realizações do ditador é, ao tempo, totalmente falso. Em 1938 pouco mais estava feito do que o saneamento fianceiro do País, e olha lá!





Estes cartazes seriam, pois, uma espécie de programa que Salazar se propunha cumprir. A política de fomento das obras públicas é posterior; verdadeiro é o Estado corporativo que alcançou legitimidade com a Constituição de 1933.















Pouco depois, Salazar poderia acrescentar mais uma lição. Esta:






a lição da morte testemunhada pelo cadáver de Militão Ribeiro, morto por inanição, em 1950, no campo de concentração do Tarrafal.



NOTA: fiquei a saber hoje, dia 7 de Julho, que há um polaco que está firmemente convencido de que só doem as bordoadas dadas por mãos comunistas. Não sei se é senilidade, ignorância ou pura maldade, mas esse senhor, que é deputado ao Parlamento Europeu, teceu encómios a Salazar e a Franco. Sublinhe-se a elegância da atitude, tendo em conta que faz este ano 70 anos que se iniciou a sangrenta, malvada, pérfida... guerra civil de Espanha. Alguém que o leve a visitar a Guernica, por favor, e responda como Picasso respondeu aos nazis que lhe perguntaram:
_"Foi o senhor que fez isto?"
_"Não, foram os senhores!"

A Lição de Salazar


Cumpriram-se ontem, dia 5 de Julho, 74 anos sobre a tomada de posse de Salazar como Primeiro Ministro, Presidente do Conselho (de Ministros) como viria a ser designado pela Constituição de 1933. A data nunca mereceria a distinção de ser celebrada da forma como aquela outra que marcou a sua ascensão ao poder: 27 de Abril de 1928. Poderia ter sido, apenas, mais um ministro das finanças mas, pelas condições por si impostas e superiormente aceites, seria Salazar, de facto, a determinar a política do governo da ditadura militar.


Em 1938, o Ministério da Educação Nacional decide superiormente que todas as escolas do País deverão comemorar o décimo aniversário de tão solene data, encomendando uma série de sete cartazes intitulados A Lição de Salazar, que mandou litografar na Bertrand & Irmão Lda., a mais importante
empresa do ramo. Por orientação ministerial, os cartazes teriam de servir de base à lição do dia e todos os assuntos seriam leccionados a partir deles, que seriam colocados sobre o quadro preto. O cuidado chegou ao ponto de os cartazes medirem 1,12m x 0,78m e as dimensões oficiais dos quadros pretos serem de 1,20m x 0,9m!


Adoptou-se a mesma estrutura para os seis primeiros cartazes: no canto superior esquerdo, em tons esbatidos, imagens daquilo que é apresentado como o 'antes' de Salazar, que todos identificam como a I República, mas ninguém quer nomear (aliás, o estudo desse tempo foi banido dos programas de História). Em baixo, um pequeno texto explicativo do que foram as realizações do ditador e, a dominar o conjunto, imagem harmoniosa e bastamente colorida que ilustra a legenda. O último cartaz da série, síntese notável da trilogia do ditador, é o único que escapa a esta estrutura e é o mais colorido do conjunto.

Hoje, olho para esse cartaz e surpreendo-me com as incoerências: a mãe serve a refeição feita num lume que não existe; o pai que entra, asseadíssimo depois de passar a manhã a cavar a terra; objectos e alfaias agrícolas, imaculados, pendurados na parede; a filha que brinca com brinquedos acessíveis a poucos; a abundância mentirosa presente naquela cozinha revestida de panos brancos. Hoje, pergunto-me como é que as crianças das aldeias beirãs, transmontanas e alentejanas ouviam a prelecção do professor.

Dr. Baptista de Castro: uma decisão notável

A conversa é como as cerejas... Quem diria que, a propósito do 4 de Julho, iria chegar ao tema da condição feminina! Nos comentários ao post sobre o 4 de Julho referi o caso da Dr.ª Carolina Beatriz Ângelo, membro da "comissão sufragista" da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas. Perante a Lei eleitoral de 1911, Beatriz Ângelo tentou inscrever-se nos cadernos eleitorais, mas o administrador do seu bairro eleitoral negou-lho e remeteu o assunto para o Ministro do Interior que manteve a proibição. A sufragista levou o caso a tribunal e a sentença foi dada pelo juíz Baptista de Castro, nos termos que se seguem. O texto da sentença, aqui transcrito com cortes, está incluído em: Oliveira Marques, História de Portugal, vol. III, Palas Ed. 1983.

Considerando que o referido decreto, com força de lei, de cinco de Abril corrente, publicado no Diário do Governo do dia imediato, diz terminante e simplesmente que são eleitores e elegíveis os portugueses maiores de vinte e um anos, residentes em territórios nacionais e que souberem ler e escrever e forem chefes de família; e assim inclusive não só os homens mas também as mulheres, no significado natural e rigoroso da nossa língua, pois quando se diz Portugal tem seis milhões de habitantes entende-se que são homens e mulheres, aliás ter-se-ia de dizer, por exemplo, que são três milhões e meio de homens, o que seria até ridículo ou impróprio; e especialmente, Considerando que o texto legal que ainda hoje regula o assunto é o Código Civil, art.º 18.º e seguintes, em que corrente e terminantemente se diz que são cidadãos portugueses tanto homens como mulheres. (...)

Considerando que também está em erro evidente, perante os factos e a lei, querendo que não haja mulheres que sejam chefes de família, como a reclamente que, vivendo com sua filha menor e criados, é realmente chefe de família e, como tal, não podia ser excluída do recenseamento eleitoral sem disposição terminante que o ordenasse , porquanto a linguagem do n.º 2, do artigo do referido decreto de 5 de Abril corrente é manifestamente explicativa e taxativa, por isso:

Considerando que o legislador, se quisesse excluir as mulheres do recenseamneto eleitoral expressamente o podia e devia dizer tapando a porta que havia aberto com tanta franqueza e justiça; assim, considerando que o legislador da última república proclamada no Mundo, correcta e dignamente se colocou a par dos governos mais civilizados, como alguns da América, Austrália e Escandinávia, verdadeiros precursores na cruzada da civilização; (...)

Julgo procedente e provada a presente reclamação e mando que a reclamante seja incluída no recenseamento eleitoral em preparação no lugar e com os requisitos precisos. Intime-se.

05/07/2006

A propósito ...


Muito se tem falado da Senhora de Fátima. Até a mim me parecia mal não falar do assunto, mas como sou incapaz de ligar a divindade ao futebol, apresento outra perspectiva do tema.


Todos conhecemos a imagem que lhe conferiu o ar seráfico dos seres que nunca pisaram a Terra. A escolha da imagem, tanto quanto sei, fez-se entre duas alternativas, sendo preterida a de Teixeira Lopes. Tenho pena porque, baseado na mesma descrição feita pelos videntes, o escultor Teixeira Lopes apresentou uma escultura de pessoa viva, longe de estereotipos serôdios acerca do que é a santidade. O seio evidenciado; a perna que sobressai, moldada pelo manto fino; os braços com carne, tudo isto apela à ideia de Maria que foi mulher. No rosto está estampada a dor verdadeira, a dor que as pessoas são capazes de sentir. Esta imagem aproxima Nossa Senhora dos homens, porque recorda a humanidade da mãe de Jesus.

04/07/2006

4 de Julho

Hoje é o dia 4 de Julho. Os americanos celebram o seu dia nacional; a Humanidade deveria celebrar o momento em que alguém, agarrando na teoria, arregaçou mangas e pô-la em prática: a igualdade entre as nações e entre os homens.


Declaração de Independência dos EUA (1776)
(O texto completo pode ser lido aqui.)

Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade. Que a fim de assegurar esses direitos, governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados; que, sempre que qualquer forma de governo se torne destrutiva de tais fins, cabe ao povo o direito de alterá-la ou aboli-la e instituir novo governo, baseando-o em tais princípios e organizando-lhe os poderes pela forma que lhe pareça mais conveniente para realizar-lhe a segurança e a felicidade.

As palavras de Th. Jefferson inspiram-se, directamente, nos textos dos filósofos iluministas que, com as suas ideias de liberdade - revolucionárias numa Europa dominada pelo absolutismo e pelo despotismo - minaram a ordem estabelecida e, sem que os soberanos e os poderosos (que viviam de lhes servir de tapete e de escova de lustro das cabeleiras) se apercebessem disso, tornaram-se bandeira das revoluções que chegariam pouco depois. A independência dos EUA foi a primeira delas.

Será interessante comparar o texto da Declaração de Independência com o seguinte excerto do artigo Liberdade, de Diderot, incluído na "Enciclopédia" (1751) :

Todos os homens são naturalmente livres. (...) Nenhum homem recebeu da Natureza o direito de dirigir os outros. A liberdade é um presente do céu, e cada indivíduo tem o direito de a utilizar como entender, tal como utiliza a razão. (...) O poder que se baseia na violência não é mais do que uma usurpação e só durará enquanto durar a força do usurpador e a submissão dos dominados. Quando estes sacodem o jugo e expulsam o tirano fazem uso de um direito legítimo. O poder que deriva do consentimento do povo pressupõe regras que o tornam legítimo. (...) O príncipe recebe dos seus súbditos a autoridade que exerce sobre eles.

Montesquieu, Condorcet, o próprio Rousseau etc. são os pais destas novas ideias sobre o indivíduo, os povos e o poder. Sobretudo Montesquieu a quem se ficou a dever, pelo "Espírito das Leis", a formulação prática do modo como os poderes devem estar separados e ser independentes. São dele as palavras: Quando, na mesma pessoa ou na mesma instituição se reúnem o poder legislativo e o poder executivo, não existe o mínimo de liberdade, pois que quem faz as leis é o mesmo que as aplica. E, se as leis são tirânicas, serão aplicadas de forma tirânica. Igualmente não existirá liberdade se o poder de julgar não estiver separado dos outros poderes. Se olharmos para a constituição americana, praticamente intocada desde as origens, vemos o modo como estes princípios ganharam vida.

É provável que muitas pessoas, recordando-se da guerra-civil americana e da luta pelos direitos cívicos dos negros durante os anos 60 do séc. XX, se questionem acerca da honestidade da Declaração de Independência e do texto constitucional americano. É verdade que esses textos conviveram com a escravatura e com o segregacionismo racial e sexual, mas também é verdade que não precisaram de ser emendados quando a escravatura foi abolida, quando se deu direito de voto às mulheres e quando foram reconhecidos os direitos cívicos dos negros. Mulheres e homens como Luther King exigiam o cumprimento integral da lei! É verdade que G. Washington tinha escravos, mas isso não faz dele um hipócrita! À luz do tempo pensava-se a igualdade nestes termos: homem e branco! E já era muito, se nos lembrarmos que, também ao tempo, a desigualdade norteava a condição social e que, de acordo com o nascimento, assim se era detentor de direitos ou de deveres, porque se nascia privilegiado ou sem direitos nenhuns, a não ser o direito ao trabalho (o tal que, agora, começam a querer negar-nos!). Alguém, pois, que imagine igualdade neste quadro de desigualdades é profundamente revolucionário, mesmo que aos nossos olhos (transcorridos 230 anos) nos pareça e saiba a pouco. Mas, aqueles que ousam criticar os outros são capaz de olhar à sua volta e contentar-se com o mundo em que vivem e que ajudam a construir?

03/07/2006

A Tarde



A tarde cai repousada
Como rainha parida
Varejada, vindimada,
Já cumpriu a sua vida.

No travesseiro de folhas
Há manchas tintas de mosto
E o povo baila com gosto
Por ter o pão que merece
Mas nada perturba o rosto
Da rainha que adormece
Magnífica e sozinha


Miguel Torga

O Torga que me perdoe se houver enganos nesta transcrição, mas cito-o de cor. De memória sim, mas também do cor que é o coração!

A memória funciona, para mim, como instrumento de preguiça: sei que sei e não me dou ao trabalho de ir verificar, mesmo que me baste levantar da cadeira e esticar o braço. Nem preciso de olhar, porque sei qual é o lugar dos amigos mais queridos; conheço-os pelo tacto e pela espessura da lombada.

Há, neste poema, uma ironia enorme, na comparação inicial que determina o desfecho: a rainha parida que já cumpriu a sua vida: acabaram-se-lhe as dores e a função; pode descansar ela e sossegar o reino, que a descendência está assegurada como o pão para a boca e o vinho para o deleite.

A tarde desemboca na noite. Será a noite da rainha sinal de fim? Ou será, cumprido o dever, a possibilidade de descansar dele e de destinar o resto do tempo ao sonho?

02/07/2006

Mais surpresas

Primeiro, o barulho de um vaso a cair no chão; depois, o som inconfundível de algo a esvoaçar; a seguir o silêncio e a consciência de que aquela agitação teria de ser provocada por ave de algum porte.

Os meus passos sorrateiros fizeram-me demorar a descoberta. No chão, o vaso pequeno do rebento da begónia que insisto em que há-de crescer: a terra espalhada, o rebento intacto, haja Deus. Por toda a parte, penas castanhas com bolinhas brancas. Sobre os ladrilhos, a mancha clara dos raios de sol é interrompida pelo contorno da sombra do armário... e de algo mais. A suspeita confirmava-se. Receei que o movimento da minha cabeça o assustasse, mas eu tinha que ver. Erecto, impávido, soberano, o mocho castanho fizera poleiro em minha casa. Seja bem-vindo! Que fique ou que saia, seja feita a sua vontade!

Não pode ser o mesmo mocho, porque já se passaram muitos anos (embora não saiba quanto tempo vive Minerva!) mas este acontecimento trouxe-me outro à memória. Um rapaz meu vizinho viera pedir-me fio de pesca porque, de regresso do Alentejo, achara magoado, na berma da estrada, um mocho jovem. Queria o fio para lhe atar a pata, para o impedir de voar. Fui ver o animal e, aliviando a mãe do rapaz, trouxe-o para minha casa. Por alguns dias, as portas e as janelas da varanda mantiveram-se fechadas porque, naquele tempo, a soberana do lar era uma gata tão curiosa quanto doce.

Foi muito fácil tratar da ave ferida: ligaduras e soro fisiológico na pata, carninha para o bico. Nunca se mostrou hostil e também nunca me pareceu assustada. Ao fim de alguns dias achei-a capaz de se manter em liberdade. Peguei nela, que se agarrou ao meu dedo com toda a força, e levei-a ao eucaliptal que existe por detrás do prédio em que habito. Lá, elevei o braço e incentivei-a a voar. Ela voou. Deu uma volta de reconhecimento e voltou, em voo rasante sobre a minha cabeça, como que a despedir-se.

Nunca mais vi o mocho que habitou a minha casa, mas hoje lembrei-me dele. Como não?