23/10/2006

A castanha


Em ano de pouca bolota de carvalho, o porco montês faz pela vida e atira-se às castanhas. Os ratos encontram nelas refasto abundante, os esquilos roubam-nas... enfim, o tempo da castanha é de festança para a bicharada e o dono dos castanheiros tem que competir com os seus irmãos bravios, para ter acesso ao seu quinhão. Por isso, faça chuva ou sol, esteja a temperatura amena ou o aço da geada tolha os movimentos, não há dia inicial de Novembro em que, debaixo da copa de um castanheiro, se não veja alguém ajoujado, depenicando com os dedos cada uma das castanhas. Uma soma-se a outra, enche-se uma cesta que se despeja na saca que, quando puder ser, há-de carregar-se até abrigo seguro.


É árduo o trabalho da apanha da castanha. No chão, os ouriços escondem algumas por baixo da sua carne de espinhos, e há que afastá-los; outros caem fechados e há que desouriçar. Ferem-se as mãos e cada músculo do corpo sofre do esforço de estar submetido, por tempo tão longo, a posição tão pouco natural. Mas ver encher a cesta e reconhecer em cada castanha apanhada o toque das nossas mãos dá tamanha satisfação, que a toda a dor se ultrapassa e todo o desconforto se justifica!

O ouriço é a flor feminina do castanheiro. A masculina ainda lá está (seg.ª fotografia), discreta, por detrás das folhas, esperando que o vento a transporte até ao chão.

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Muitas castanhas não chegam a desenvolver-se. Chamamos-lhes "folecras" (vêem-se algumas na primeira fotografia); os negociantes intermediários servem-se disso e descontam 2% no peso final que têm que pagar. Ou seja, por cada 1000Kg, o produtor recebe o dinheiro de menos 20Kg. Os consumidores fiquem alerta e peçam, no quilo que compram, os vinte gramas a mais a que têm direito. É tudo uma questão de equidade, pois o intermediário já lucra de sobejo com a desproporção entre o preço a que compra e o preço a que vende. Só para se fazer uma ideia: no ano passado, o produtor vendeu a colheita a preços que oscilaram entre os noventa cêntimos e um euro por quilo, mas o consumidor pagou o mesmo quilo a mais de quatro euros!

13 comentários:

Jorge P. Guedes disse...

São estas verdades que as gentes nas cidades desconhecem, enquanto os intermediários "engordam".
Gostaria que uma entidade oficial seriamente tratasse desta clara especulação e terminasse com ela.
A bem da distribuição mais equitativa das mais-valias!
Pelo menos é o que me parece, embora não entenda nada desses e doutros negócios!

MPS disse...

Também eu não entendo nada de negócios, mas o meu senso de justiça indigna-se perante aquilo que vê: não acredito que as despesas de armazenamento e transporte que os intermediários têm seja superior aos custos do tratamento dos soutos e ao preço do trabalho de quem lhes recolhe os frutos. Este sistema valoriza quem nada produz e desvaloriza o trabalho, mas isto é um espírito nada capitalista a falar e que, talvez por isso mesmo, entenda muito bem ao que te referes quando usas o conceito de mais-valia saído da safra suada de Marx.

Um abraço

Jorge P. Guedes disse...

Peço desculpa mas gostaria de referir que a minha referência às "mais-valias" apenas pretendia dar a minha opinião sobre o tema, sem me lembrar de Marx e da sua "safra suada".
De resto, concordo que tal sistema só desvaloriza o trabalho e, repito,"engorda" quem pouco faz.

Um abraço

MPS disse...

Pedir desculpas pelo quê? Eu é que agradeço que tenhas usado o conceito e se lembrei que foi criação marxista foi, tão-só, para reforçar aquilo que, ele próprio, denuncia: ao sistema capitalista só importa o lucro e serve-se do trabalho como mero instrumento para a criação de mais-valias, não se importando se o salário que paga permite a sobrevivência das famílias que tem obrigação de sustentar.

Entende, Jorge, sublinhei a tua afirmação porque vai de encontro àquilo que penso!

Um abraço

Jorge P. Guedes disse...

Eu havia entendido assim.
Só quis fazer realçar que não foi baseado no conceito marxista que disse o que disse. Bastou-me um conceito humanista de mera justiça social. O que,no presente, vem a dar no mesmo!
Em resumo, não rejeitando Marx,nem será necessário recorrer aos seus conceitos para verificarmos que uma tão desigual distribuição das riquezas geradas pelo trabalho, é injusta e inadmissível.
Estaremos, pois, em sintonia!

Um abraço

Jorge P. Guedes disse...

Eu havia entendido assim.
Só quis fazer realçar que não foi baseado no conceito marxista que disse o que disse. Bastou-me um conceito humanista de mera justiça social. O que,no presente, vem a dar no mesmo!
Em resumo, não rejeitando Marx,nem será necessário recorrer aos seus conceitos para verificarmos que uma tão desigual distribuição das riquezas geradas pelo trabalho, é injusta e inadmissível.
Estaremos, pois, em sintonia!

Um abraço

MPS disse...

Inteiramente de acordo!

Anónimo disse...

A blogosfera é um mundo que partilhamos com objectivos marcados e sólidos, e que nos entra pela casa dentro.Neste blogue entro para a sala como convidado bem recebido e assisto, satisfeito e prazenteiro ao quanto de bom e belo se faz, sobretudo aqui. Ao despedi-me satisfeito desejo bom fim-de-semana.

MPS disse...

São os convidados que dão brilho à sala. Que gentileza a sua, Jofre!Bom fim-de-semana para si também.

Chanesco disse...

Os intermediários são uns oportunistas que só sabem fazer as contas deles.
Se fizessem as contas ao que custa estercar, lavrar e podar os castanheiros. Se fizessem as contas às jeiras que têm de se pagar a quem apanha, ensaca e carrega as castanhas, talvez lhes roesse a consciência e fossem mais justos, permitindo ao produtor fixar o preço da castanha.

Cumprimentos raianos e votos de um bom fim de semana.

MPS disse...

Para que a consciência pese, é preciso que exista. Francamente, creio que a única forma de consciência que a maioria dos intermediários tem, está no bolso fundo de cada um.

Bom fim-de-semana também para si, Chanesco.

Maria Lua disse...

Obrigado pela partilha de tão valiosa informação e Bom Magusto (em 2007!).
:-)

MPS disse...

Obrigada, eu!

Este ano estão tardegas, a abundância deve ser só para o S. Martinho.