29/05/2006

SOSSEGO


Na terra do sossego, enquanto a urze declina, o giestal adona-se da paisagem.


Hoje apetece-me mostrar as giestas brancas, mais discretas mas igualmente belas. Onde as houver, amarelas ou brancas, o ar estará perfumado de frescura acre.


Noutros lugares, a roseira brava cresce, livre como tudo deveria ser! Os barrancos ficam assim, alegres e disfarçados .

Hoje foi dia de lançar a bênção pelos campos: o povo, em procissão, há-de ter percorrido os caminhos enquanto declinava ladaínhas, irmanando Deus e os homens na labuta da existência. Eu, que já não tive tempo de participar na cerimónia, pude comprovar que o sopro dos céus tem sido abundante. Assim seja!

22/05/2006

COMO SE ESPREITÁSSEMOS PELA JANELA...

Fotografias da sonda Cassini


O enquadramento é perfeito: Saturno, Titã e Epimeteu.
Epimeteu faz cama elástica dos anéis: salta, pula, brinca.
Titã prefere polir a superfície, sonhando vir a ser espelho.
A perspectiva da fotografia e a ausência da sensação de distância permitem-me fazer este jogo.
É como se o sistema solar fosse um brinquedo e eu pudesse voltar a ser criança, sem vergonha de me deslumbrar com as novidades.


A seguir vem a nossa necessidade de comparar e de dar destino às coisas. Este é um magnífico pote, trabalho das mãos do oleiro mais perfeito - não se vêem lá, tão finas, as marcas da roda?

Ah! Como eu queria ter em casa uma peça assim! Haveria de a colocar no lugar mais em evidência. Por baixo, um pano branco de linho bordado por mim. Discreto, para não desviar as atenções, mas branco, para lhe realçar a beleza. Sobre ela, nem um grama de pó.

Para que tudo fosse perfeito, as mãos macias de um gatinho fá-lo-iam girar sobre si.

Se as sondas entendessem, dir-lhes-ia obrigada!

21/05/2006

JUDAS

Há já muito tempo que me apetecia escrever sobre Judas. Como todos, aprendi a olhá-lo com desconfiança. "Judas" era insulto que ninguém gostava de ouvir e se o chamássemos a alguém, nunca mais queríamos ver-lhe a cara.

Lembrei-me, hoje, de escrever sobre ele, porque o P. Anselmo Borges, como que lendo o meu pensamento, se antecipou. Em nada, ou quase nada, diferem as nossas opiniões sobre o apóstolo de Cristo. Judas foi um discípulo chamado por Jesus, como cada um dos outros. O que o terá levado a entregar o amigo?

Essa foi a pergunta que, bem cedo, me fiz a mim mesma. Quando estudei a história do povo hebreu dei-me a resposta: Judas não entregou o amigo, entregou a pessoa que, podendo, se recusava a chefiar o povo de Israel na luta contra o opressor romano. Quando viu o destino do amigo, Judas não suportou a dor e acompanhou-o na morte.

A resposta que encontrei sossegava-me. Falei dela ao Sr. P. Francisco que me disse: "sossega, rapariga, eu rezo a Judas". E eu sosseguei porque, embora ignorante em teologia, a minha reflexão não provocara desagrado em quem sabia do assunto.

Surgiu, agora, a informação sobre a descoberta do "Evangelho de Judas". Gostaria de lê-lo e espero que venha a ser publicado (depois de devidamente traduzido, porque eu não leio copta). Tenho muita curiosidade em saber quais são, em relação aos evangelhos canónicos, as palavras de Cristo e as passagens da vida de Cristo que foram referidas: as mesmas; outras completamente novas; as mesmas mas com interpretação diferente?

O que vou dizer não passa de um alvitre sem qualquer valor, mas tenho para mim que, aqueles que escreveram o "Evangelho Segundo Judas", sentiram a mesma consternação e a mesma dúvida que eu, só não lhe deram a mesma resposta. No meio disto, Cristo mantém-se. Quem o ama é que o ama de modo distinto.

20/05/2006

PINTASSILGOS

Andam de namoro, os meus pintassilgos.

Chamo-lhes meus porque, no ano passado, fizeram o ninho quase encostado à minha varanda. Eu, se fosse ave, não escolheria aquele sítio para o ninho, pois está muito exposto e é constantemente zurzido pelo vento. Mas os meus pintassilgos quiseram criar ali a sua descendência e eu só tenho que lhes agradecer. Escolheram o pinheiro mais alto e, desse pinheiro, o ramo mais saliente, que é aquele que se encosta à minha varanda. Perdoe-se-me a imodéstia mas acredito, cá no fundo, que os pintassilgos me escolheram a mim. Não sei como, mas tenho a firme certeza que eles sabiam que eu lhes apreciaria o canto e a beleza e que a sua pequenez me inundaria de ternura.

Deslumbrei-me com o labor e a arte com que construiram o ninho (que pequenino!); cansei-me, eu, a contar as vezes que foram e voltaram com gravetos no bico, e eles só paravam quando o sol se punha!

Depois veio o tempo de chocar os ovos. Aquelas duas almas (que me importa a teologia!), ora um, ora outro, nunca deixaram o ninho sozinho. Se me viam menos discreta na observação, tratavam de se virar de bico para mim. Um dia nasceram aqueles quatro nadas - como poderiam ser mais do que nada, se cabiam todos debaixo daqueles corpos minúsculos? Nessa altura a azáfama multiplicou-se. Ao contrário dos pardais, que nunca páram de pedir, os quatro nadas não choravam por comida: só se ouviam quando sentiam o pai ou a mãe a pousar no ninho, com o bico recheado. E se a um não tocava nada, esperava, paciente pela próxima chegada.

O vento não cessava de balançar o ramo, fazendo-o desenhar círculos, e eu sobressaltava-me, com medo que o ninho se virasse e as quatro vidas caíssem no chão. Não sei por que artes mágicas, tal nunca aconteceu.

Ao fim de poucos dias, as penas começaram a substituir a penugem. Não tardaria nada, o debrum amarelo das asas seria aquilo que melhor se veria no ninho. Era o tempo de começarem a ficar sós mais vezes. Esse tempo era cada vez mais frequente, até que foram capazes de voar sozinhos.

Chegado o Outono desaparecem todos. Voltei a vê-los por estes dias. Têm que ser os mesmos! Têm que ser os meus! Há outros quatro que andam por aqui às voltas (devem ser os filhos!), mas só dois poisam na árvore que está encostada à minha varanda. Estão de namoro. Como ele canta bem! Parece que faz de propósito, e se vira de frente para mim.

Obrigada, pintassilgo!

AS ÁRVORES

-"Concordo inteiramente! Se as não cortarem completamente, pelo menos deviam cortar-lhes a parte de cima. Estão muito grandes!" - dizia a minha vizinha, em resposta à proposta do Presidente da Junta, de substituir os três pinheiros e a relva por calçada e árvores "mais adequadas"

-"Mas isto é um país de anões?! - zanguei-me eu - "Agora que as árvores estão bonitas é que as querem cortar?"

O meu (mau) feitio de gato ainda me levou a acrescentar:

-"Faça o favor de mandar cortar a sua cabeça, para ver se fica da minha altura!"

Sei que fui insolente. Sei que não devia ter dito aquilo, mas esta mania de arrasar com tudo o que se pareça com vida põe-me fora de mim. Árvores grandes de mais???? Há gente que devia ter nascido em Liliput!

E há o outro lado: o dos autarcas que querem mostrar obra, não importa qual. Ao serem eleitos, devem pensar-se imbuídos de um direito estranho: o direito de transformar as autarquias num puzzle, que só eles conhecem, e de disporem as peças ao sabor da sua vontade. O que nos vai valendo é que os recursos são escassos! Vá lá, vá lá, este ao menos perguntou!

Na minha resposta ao senhor Presidente disse-lhe que concordava com a substituição da relva, à uma porque anda sempre descuidada (não é regada nem aparada) e à outra, porque a relva consome demasiada água e devemos poupá-la. Mas a sua substituição por calçada está fora de cogitação! Há belos arbustos de jardim que precisam de pouca rega e, quanto mais frondosos, mais belos ficam. Pela sua altura e densidade impedem que os benditos cães lá entrem e façam daquele espaço latrina.

Mas às árvores, não lhes toque! Não é que eu goste muito de pinheiros, mormente não sendo dos nossos, mas já estão cá vai para 15 anos! No ano passado, as suas folhas deram abrigo a um ninho de pintassilgos! Faz ideia do que nos fará perder se insistir na ideia? Mais valia perguntar no singular porque, pelos vistos, só eu é que vejo essas coisas.

-"Isso diz a senhora, porque não tem uma casa aberta" - retorquia a pispineta do café.
-"Mas tenho uma varanda e, acredite, prefiro apanhar a caruma do que a terra que vem com o vento e, mais ainda, do que o lixo que os seus fregueses deitam fora e que o vento também me traz!

Ai este meu feitio de gato!

Ainda continuo à espera da decisão do senhor Presidente.

18/05/2006

LÁ ESTIVE

Pois lá estive: a horas e ao ritmo da lesma, a ler o que me mandaram ler.

"Fui claro(a)? Querem perguntar alguma coisa?"

Que aquela pessegada não contará para nada nas suas vidas, já eles todos sabiam, porque os directores de turma tinham cumprido o seu dever de informar. As dúvidas, poucas, viriam lá mais para diante:
-"que quer dizer 'dista'? e 'determina'?
- "Não, meus queridos, não posso esclarecer-vos!"- respondia-lhes enquanto me remoía por dentro. Então não querem ver que aos catraios, na prova de Matemática, não se pede que saibam calcular (é autorizado o uso da calculadora!) mas exigem-se competências linguísticas?! Se 'determina' pode ser considerado vocabulário da disciplina, o mesmo não se pode dizer do verbo distar! Por esta altura lembrei-me bastante do artigo que V. Graça Moura escreveu ontem, no DN, a propósito do ensino e do que se pede, nos exames, aos alunos. Tudo se conjuga!
A meio da prova vinha a bizarria. Não fosse o diabo tecê-las, e a gaiatada não saber o significado de "pára aqui", o "Pára aqui" aparecia ao lado de um belo "stop" em tons de cinza, na sua magnífica forma hexagonal. Não, meninos, o stop é para parar: poisem lápis e canetas, borrachas e afia-lápis, réguas e calculadoras. Durmam uma sesta, apeteceu-me dizer! Se o não disse foi por não querer que a minha rebeldia fosse confundida com insurreição.
Não sei se o tempo lhes sobrou porque não responderam (por não perceberem o que lhes era pedido?), ou se lhes sobrou porque a prova era fácil ou, ainda, porque a prova era pequena. Mas sobrou-lhes tanto tempo! Dispunham de 50 min. para cada parte; gastaram, em cada uma, 20 min. E eles sem poderem conversar! E nós a termos de gramar o conhecimento empírico da relatividade do tempo!

Ah! é verdade, para não estarmos a pastar no tempo, enquanto lhes era vedada a observação da prova (embora a tivessem à frente por terem de preencher o cabeçalho), ensinei-lhes o que é um octógono! Também aprenderam o que é a ironia, enquanto me ouviam ler, de forma expressiva, a palha que não me apetecia servir-lhes.
"Fui claro(a)?"
"Siiiiiim! E de que maneira!!!!"

P.S.

À tarde eu não tinha aulas. As minhas turmas também não. Mas uma turma inteira foi à escola, porque eu queria que visse "O Grande Ditador" de Chaplin. Ofereci o meu tempo aos meus alunos, porque as benditas provas da manhã nos tinham comido os 90 minutos a que o horário nos dá direito. A notícia do muito tempo que os professores oferecem aos alunos nunca chega aos responsáveis. Quem diz que não sabe, sempre pode afirmar o contrário como a verdade.

17/05/2006

O APLICADOR

Amanhã vou ser "aplicador". Como não me deixam interpretar as instruções, para além da estranheza do nome, lá terei que me amanhar com o género do dito (conf. pág. 10 "Manual do Aplicador")!

O Manual é um monumento! Como já disse, trata os professores vigilantes da prova por "aplicadores" e, depois, manda-os ler em voz alta, aos alunos que respondem à prova, um certo número de recomendações. Começa assim:
Como já foi dito, hoje há alguns alunos e algumas alunas que frequentam o 6.º ano de escolaridade e que vão, à mesma hora, realizar esta prova (p. 21)

Para além do disparte, politicamente correcto, de referir "alunos e alunas", nesta frase há um erro de palmatória: "e que vão..." que faz ali a conjunção?

Mais abaixo, na mesma página, está escrito, para ser lido aos alunos:

Passo agora a ler os cuidados a terem ao longo da prova.

Em primeiro lugar, chamo a atenção para o facto de não poderem falar com os vossos colegas, durante todo o tempo de realização da prova. (...)

Esta moda de construir as frases sempre me deixou perplexa. Cuidados a terem? Não deveria ser "cuidados a ter"?


A mania do tratamento por você dá origem a construções estranhíssimas e erradas: não poderem falar com os vossos colegas. Eles, os alunos (sujeito subentendido tendo em conta a 3.ª pessoa usada no predicado), não podem falar com os vossos colegas???? Francamente!

Se querem continuar a perder a 2.ª pessoa do plural, façam o favor, mas pelo menos escrevam de modo a não cometer erros tamanhos!


Os mesmos erros repetem-se ao longo de todo o Manual, pelo que me abstenho de continuar a enumerá-los.

Da página 22, o "aplicador" deve ler em voz alta:

Uma outra coisa que eu tenho de vos dizer é que esta prova é muito importante, ainda que dela não dependa a vossa transição para o 3.º ciclo - 7.º ano de escolaridade. De facto, as informações que forem obtidas com esta prova vão permitir adequar cada vez mais o trabalho dos professores aos vossos conhecimentos e necessidades. Por isso, é muito importante que dêem o melhor, respondendo com calma e ponderação a todas as questões. (...)

Dizemos coisas ou dizemos, simplesmente?

Quem escreveu este arrazoado não faz a mínima ideia da competência vocabular dos garotos que vão responder à prova. De que outra forma se justifica a escolha de palavras como transição; adequação; obtenção e ponderação.

Vão ter cinquenta minutos para responderem(...),

lê-se na pág 24

(...) em caso de engano, podem sempre apagar o desenho e voltar a desenhá-lo.

Lê-se na pág. 26. Desenha-se o desenho, com certeza!

Embora houvesse mais para dizer, fico-me por aqui no que toca à Língua Portuguesa.

Vejamos outros aspectos:

  1. Os garotos não podem copiar, mas nada se diz acerca do procedimento a ter com quem o faça!
  2. Os miúdos não podem conversar, etc. mas não se refere o que deve fazer o "aplicador" nessas circunstâncias. E se o gaiato for um malcriado e começar a bater nos colegas e a insultar o "aplicador"? Lembro que o "aplicador" não pode sair da sala onde está sozinho!
  3. Diz-se que os alunos devem conferir se o material está utilizável. Onde verificarão se a caneta escreve, se têm que o fazer antes de lhes ser fornecido qualquer papel? Na mão ou na secretária?
  4. As duas partes da prova são fornecidas, em simultâneo, aos alunos que não podem, durante a 1.ª parte, ver as páginas da segunda e vice-versa, embora as tenham à frente. Que fazer com quem, num gesto de simples curiosidade, folhear toda a prova? E se, após o intervalo, corrigir uma resposta da primeira parte? Que faz o aplicador?
  5. O "aplicador", já o disse, não pode interpretar as recomendações que deve ler alto aos alunos, mas quase todas elas terminam assim: Querem perguntar alguma coisa? Estou a ser claro(a)? Confesso, na minha honestidade intelectual, que fico perplexa. Se não posso interpretar, como posso esclarecer dúvidas? Volto a ler a mesma xaropada?

Só uma nota final: Serei "aplicadora", mas o meu nível de ensino não é este. Os meus alunos é que ficam sem aulas por causa destas provas. Hoje e amanhã. Não seria mais honesto que houvesse exames a sério, depois de terminadas as aulas? Assim é uma brincadeira e eu sou a aplicadora.

Se fossem pastar grilos!

16/05/2006

PERPLEXIDADE

Fiquei perplexa. Parecia o anúncio a um filme pornográfico: imagens de sexo a dois (vá lá, dois e de dois sexos!) ; nas primeiras referia-se que era para principiantes; nas segintes que era para entusiastas. A seguir vinha a graçola:

que, para os principiantes, as embalagens de preservativos se vendem em conjuntos de dois (? não tenho a certeza do número): um para o sábado e outro para o domingo; conjuntos de quatro (?) para os entusiastas: dois para o sábado e dois para o domingo. Ah! que era verdade, que se vendiam conjuntos de doze... para os casados: um para cada mês do ano. As imagens associadas a estas palavras eram as de um casal deitado, lendo... o marido terminou a leitura e seviu-se da tira, intacta, dos doze preservativos como marcador do livro. Voltou-se de lado para dormir.

No fim vinha a identificação da entidade responsável por este anúncio: a "Liga Poruguesa Contra a Sida" .

Eu fiquei sem ilusões: os responsáveis pela propaganda não querem combater a sida, querem combater o matrimónio. Não me lembro de ter visto, jamais, tamanha aleivosia contra o casamento. O que a torna mais grave é que vem mascarada de boas intenções. Eu não sei se a "Liga" paga o tempo televisivo destes anúncios. Se o não fizer, eu casada, pagadora de impostos, estou a pagar duplamente para ser insultada.

Vi este lixo no segundo canal (deve ser por isso que passou a chamar-se "a dois"!!!) logo a seguir ao noticiário das 22h. Nem queria acreditar!

Nota: afinal os conjuntos são, respectivamente, de três, seis e doze, doseados do mesmo modo, acrescidos da sexta-feira para os dois primeiros grupos. Conferi ontem à noite, no mesmo canal, depois de um documentário intitulado: Do dia D a Berlim. (20 de Maio de 2006)

14/05/2006

DESLUMBRAMENTO

1 - Quinta-feira, à entrada da sala de aula:

- "Stora, trouxemos o poema. Já percebemos porque é que no-lo mandou ler!"
Eu já nem me lembrava. Fora na aula anterior, a propósito do Iluminismo e da importância do saber científico. Interpretávamos a Lição de Anatomia de Rembrandt e os sons enojados e cada vez mais audíveis daqules dois, vindos da mesa do fundo, não me deixaram fingir que não dera conta.

- "Vá, parem com isso!"
- "Então, que quer, isto faz impressão!"
- "Queira Deus que o médico que vos vai operar ao estômago seja menos sensível!
- "Tem razão, mas isto é mesmo horrível!"
- "Tenho um trabalho de casa especial para os dois: na próxima aula trazem, para ler alto, o poema As Pessoas Sensíveis" de Sophia de Melo Breyner. Arranjem-se como quiserem. Eu tenho o livro, mas não o empresto. Não vos digo, sequer, o título do livro em que o poema está incluído, e também não sei se existe na biblioteca da Escola!"

Quando saí daquela aula já me tinha esquecido do trabalho que lhes marcara. Confesso que o fizera na brincadeira e, conhecendo a aversão dos jovens pela leitura, sobretudo de poesia, jamais contei que me levassem a sério. Mas levaram e cumpriram. Leram o poema à turma...
As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas..."

(Ai este Livro Sexto tão belo!)

... e eu li-lho também, e comentámo-lo e eles deram o braço a torcer, já com outros modos:
- Ó stora, é verdade, mas custa muito ver estas coisas"
E então pudemos conversar sobre algo bem diferente: o pesar perante a morte e as preferências de cada um. E os meus miseráveis 45 minutos de aula voaram e os vendilhões do tempo poderão pedir-me conta deles!

Estes garotos deslumbraram-me porque souberam pedir-me desculpa cumprindo um desejo meu e porque me ensinaram que dão importância às coisas.

2 - Sexta-feira, numa passagem esconsa, sentado a uma mesa, de frente para a parede

-"Estás mal disposto?"
-"Não, estou de castigo!"
-"Então porquê?"
-"Porque disse palavrões à 'contina'!"
-"Vejo que estás a desenhar. Tu desenhas muito bem!"
(baixou os olhos, à espera do que vinha a seguir.)
-"E fizeste um origami!"
-"Não! Isto é um coelho feito com dobragens!..."
-"E desenhaste muito bem! O coelho gosta tanto de cenouras, que até parece que é a cenoura que lhe está a pedir para a comer!"
-"Pois é! E o céu também está lindo!", acrescentou o garoto, ajudando-me sem querer.
-"Tu achas que uma coisa bonita fica bem ao pé de uma coisa feia?"
-"Não! As coisas bonitas só ficam bem ao pé das que são bonitas!"- exclamou em tom que não deixava margens para dúvidas sobre a inteligência da minha pergunta.
-"Tu és um rapaz bonito, sabias? Desta vez o seu olhar enfentou o meu e sorriu quando me ouviu concluir:
-"Então, na tua boca, as palavras feias ficam muito mal. Já pediste desculpa à funcionária?
-"Não, e não me deixam sair daqui para ir à procura dela!
-"Mas tu estás arrependido? "
-"Estou!"
-Vem aí o sr. N., fala com ele e pede-lhe que a procure por ti."

Este garoto de oito anos deslumbrou-me: pela desenvoltura com que falava, porque foi capaz de reconhecer que fez mal e porque me não pediu que intercedesse por ele. Provavelmente, o castigo a que foi sujeito feria-me mais a mim do que ao próprio, mas ninguém gosta de estar com o rosto colado à parede enquanto os amigos brincam. Numa escola não concebo um castigo que não tenha em vista o reconhecimento do erro, condição essencial à sua resolução. Este tipo de castigos é violento e é estúpido; revolta em vez de corrigir. Eu tentei que alguém não se revoltasse, pelo menos daquela vez.

3 - Sábado, na via-sacra da luz, às 9.30 da noite, no adro da igreja

As noites de Maio são frescas. As noites de Maio de Sintra são frias. A cerimónia decorria. Um garoto de calções e manga curta, sem disso ser incumbido, desempenhava o papel de mestre de cerimónias: ora erguia muito a vela, ora a baixava. Mas os espaços litúrgicos para esses movimentos são escassos, e a certa altura o garota cansou-se de estar parado e de ter frio. Começou, então, a subir e a descer as escadas e a circular por entre a assembleia. A dado momento chegou ao pé de mim:
-"A senhora não tem vela?"
-"Não!"
-"Então tome lá esta!"
-"Mas essa é tua e precisas dela. Obrigada, na mesma!"
Depois de um "Ai é verdade!" escapuliu-se por entre os presentes. Voltei a vê-lo, meia hora depois, sobre um torreão encostado às escadas e que serve de floreira. Do seu posto mirava a paisagem possível. A certa altura reparou num homem que se encostara à base do torreão. A cabeça do homem estava ao nível dos pés do garoto que, curvando-se, chamava baixinho:
-"Ó senhor!"
- ...
-"Ó senhor!"
- ...
Como o "senhor" não o ouvia, e, não podendo gritar, debruçou-se e... com a base da vela, cuidadosamente.... bateu-lhe na cabeça como quem bate a uma porta. A cara do homem demonstrava bem a estranheza da situação, mas o garoto (teria oito ou nove anos) nem lhe deu tempo de falar:
_"O senhor daí não vê! Chegue-se para ali, que vê melhor!"

Só a noção das conveniências me impediu de soltar duas boas gargalhadas. Mas ri a bom rir; o sacudir dos ombros a denunciar-me.

Este garoto deslumbrou-me porque, no meio de toda a sua agitação, foi capaz de prestar atenção aos outros. Tal nível de atenção, muito poucos são capazes de o ter, porque implica um modo de ser que inclui os outros na nossa vida. Em algumas salas de aula, este rapaz passaria o tempo de castigo. Eu dei graças a Deus por ele que, mais do que qualquer vela, iluminou a minha noite.

13/05/2006

HOJE


Hoje queria-me assim!
Aqui e assim,
remetida à essência primordial.

12/05/2006

EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS, ONOMATOPEIAS, NOMEADAS...

PARA IR CONSTRUINDO
EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS / DITOS
À arrebunhana, peido apanha: diz-se a quem, com sofreguidão, quer apanhar tudo para si.
A ordem é rica e os frades são poucos!: Esta expressão utiliza-se sempre em sentido irónico. Diz-se acerca de alguém que, não tendo, gasta como se tivesse, ou sobre alguém a quem é pedido que dê o que não pode dar.
Às mãos ambas: com sofreguidão
Bai pastar grilos: vai chatear outro!
Bai-te emboligar no linho como os cães: vai passear! Mais propriamente: vai-te f...
Bara de berde berdasco: expressão para ameaçar tareia com a vara fina e maleável da verga. Há as alternativas bestido ou camisa de berde berdasca: Queres um bestido de berde berdasca, queres!
Boca aberta: que está sem fazer nada. Ele é um boca aberta! Que fazes aí, de boca aberta?
Carro roussão: carro de bois que se manobra com dificuldade. Diz-se, também, da pessoa que anda devagar, atrasando as outras.
Casamento das nobas: ritual celebrado a meio da Quaresma, uma brincadeira de rapazes que pode incluir-se nas "festas dos rapazes" e considerar-se um prolongamento do Carnaval. É celebração nocturna e opõe-se à celebração diurna, no mesmo dia da "serra das velhas".
Correr o cão: andar sempre de um lado para o outro; que está sempre na casa dos outros
Cheirar mal como a boubela: cheirar muito mal, a esterco. A boubela faz o seu ninho a partir de excrementos.
Cu entre nalgas: pessoa muito medrosa
Desfechar os dentes: comer, pela primeira vez no dia (çfichar os dentes)
Diabo de baltelhas: Pessoa sempre em movimento; aquele ou aquela que passa muito depressa
Doutor da mula ruça: aquele que não presta para nada
Estar/ andar de menino: estar grávida (a mulher séria)
Estar/ andar prinhada: estar grávida (a galdéria)
Gaba-te cesto!: Diz-se a alguém que se gaba de ter feito coisa má como sendo coisa boa
Ir ao sino: alguém ir ao sino. Expressão que se usa quando se quer mostrar surpresa perante uma acção inusitada de alguém. Se ele me desse os parabéns, eu até ia ao sino!
Ir no birgo: tradição que consiste em os rapazes irem buscar a filha casadoura dos donos da malha, sentá-la no birgo (último moio da meda) e içá-la até à malhadeira.
Lebar no birgo: (lubar...) ter actividade sexual
Lebar uma andaina; lebar uma tosa; lebar ua inxúndia:(lubar...) apanhar uma valente tareia
Mais ca pouco: muito (Isso aconteceu há mais ca pouco tempo!)
Olha que tu chupitas!: Olha que levas tareia!
Olhos de carneiro mal-morto (ter ou andar de): andar de olhos semi-cerrados; alternativa à piscadela
Olhos de gato: olhos de cor clara e grandes
Pôr caniças: encher excessivamente algum recipiente. Diz-se sempre em tom irónico: pusesses-le caniças! (por exemplo, à malga do caldo)
O zorro chama mentiroso ao pai! Se o bastardo se parece sempre com o pai biológico, então o pai que lhe deu o nome...
Queres chula, tu!: Diz-se, em tom irónico, à criança / jovem que, comportando-se mal, é ameaçada de tareia.
Quintos dos infernos: lugar distante e mau (Veio de lá dos quintos dos infernos!)
Serra das belhas: Celebração de encerramento do ano velho natural e que se realiza durante a Quaresma. Opõe-se ao "casamento das novas".
Ter o cu a apanhar guiços: ter muito medo
Ter os olhos nos dedos como os galegos: Diz-se de alguém que não é capaz de ver sem mexer.
NOMEADAS
Atilano
Cornecho
Galandum
Perrincha
Renhonhó
Talhó
Zarrunga
EUFEMISMOS (DE PALAVRÕES)
Caralha / Carbalho
Carbalhos t'a cosam
Cosido /a
Púscara
LENGA-LENGAS INFANTIS
Se tens friu, bota-te ó riu, que stá lá o tou tiu c'ua manta cagada pra te dar ua lambada.
(Variante da anterior) se tens frio bota-te ó rio que está lá o tou tio c'ua manta de ferro pra te cobrir no Imberno
*
Ana badana, roca de cana, mêja ó lume e caga na cama!
*
Quem mêja ò lume caga na cama"
*
Rou-rou que já lá bou: chave da contagem que a criança faz antes de ir à procura das outrras que estão escondidas no jogo do rou-rou (escondidas). Aquele que chega sem ser descoberto diz: "Rou -rou que já lá bou, fora ou que já cá estou!"
*
Está a chover e a nevar
a raposa atrás do lar
a fazer um casaquinho
para amanhã se casar!
*
Chobe, chobe
no cu do pobre
chobisca, chobisca
no cu do francisca!
*
Abé Maria cheia de graça
tenho a barriga cheia de massa.
*
Padre Nosso
caldo grosso
rói-o tu
que ou já num posso..
*
Pelo sinal
bico real
comi toucinho
fez-me mal
se mais me dessem
mais comia
adeus compadre
até outro dia!
ADIVINHAS
Um zingarelho de zingarelhar
entre as pernas lhe foi dar
disse que dali não saía
sem fazer o que ele queria?
(a chave na fechadura)
Dois redondos e um comprido
entre as pernas vai metido?
(a bicicleta)
Peludo por fora
peludo por dentro
alça-lhe a perna
mete-lho dentro?
É teso e direito
e vermelho na ponta?
(o cigarro aceso)
ONOMATOPEIAS
Pchinha, pchinha! (para chamar as galinhas)
Reco, reco... (para chamar os porcos)
Ei cá, baca! (para andar)
! Xó baca! Xó burro! (para parar)

NOÇÕES DE FONÉTICA ("BRAGANCÊS")

Esta página será actualizada à medida que me for lembrando, ou se alguém me vier a corrigir

Sem qualquer veleidade científica, aqui vão algumas noções de fonética bragançana:

1 - O Bragançano desconhece o som 'v'. Quem diz que ele troca os 'b' pelos 'v' não sabe o que diz! É "baca" como é boi!

2 - Os 'r' iniciais ou dobrados são sempre rolados.

3 - Os 's' pronunciam-se sempre (mesmo dobrados) como o 's' final de membros. Exceptua-se o sapato que, na Idade Média, já se escreveu "çapato".

4 - O 'ch' não corresponde a 'tch'; é pronunciado de uma só vez, com a língua totalmente colada ao céu da boca.

5 - Os ditondos "eu" dos pronomes "eu", "meu" "teu", seu" e de algumas pessoas verbais (deu) pronunciam-se como 'ou', em que o 'o' é dito como os 'a' de "cada"

6 - Nunca se faz ditongo em palavras como "rio", "tio" "frio". Diz-se 'ri-o'; 'ti-o'; 'fri-o'.

(norma a ser confirmada)


7 -
Os 's' do verbo dizer (dezer), no pretérito perfeito do indicativo, pronuncia-se 'x': dixe, dixeste, dixe, dixemos, dixestes, dixeram (dixêmos; dixerum).

8 - Em 'uma' faz-se a nasalção do 'm', pronunciando-se ua (lamento, mas não consigo pôr o til sobre o 'u')

9 - Plurais das palavras com 'o': se a palavra é pronunciada, no singular, com o 'o' aberto, ele mantem-se aberto no plural. O mesmo para o 'o' fechado. Assim: é ólho e são ólhos; mórto e mórtos, tórto e tórtos, etc. da mesma forma que é côrpo e são côrpos; tôrdo e tôrdos; bôlso e bôlsos, etc. Há uma palavra derivada de 'olho' que faz excepção, não no plural, mas na pronúncia: Birolho, que se pronuncia birôlho.

10 - O pronome pessoal lhe diz-se sempre le: ou dixe-lo; tu dixeste-lo, dize-lo tu, etc.

11 - O 'z' final pronuncia-se sempre 'ze': narize; perdize, fize, etc.

12 - O imperativo plural faz-se sempre de acordo com a desinência latina: amaide (amate); fazeide (facite); andaide (andate), etc.

13 - É frequente a comutação do 'a' mudo em 'e' aberto: Brègança; èrgueiro



DICIONÁRIO ("BRAGANCÊS")

ELABORADO COM A AJUDA PRECIOSA DE AMÂNDIO E. PEREIRA


Abesourar: (absourar-se) sentar-se e quedar-se sem movimento. Quietude (deprec.)

Abiaca: aiveca

Abochicar: salpicar

Abolacrado: amolgado

Abolacrar: amolgar

Abondar: chegar, alcançar. "Abonda-me aí o pão!" (abôndar)

Acarreja: transporte do pão segado, desde a terra até à eira (acarrêja).

Acarrejar: fazer a acarreja

Afonsear: matar, destruir. "Afonsiou-me o galo!" (afunsiar)

Agreixó: planta herbácea, espontânea, com pequeno tubérculo comestível. Por ser tão pequeno, o tubérculo serve de termo de comparação: "pequeno como um agreixó"

Almoço: pequeno-almoço

Aloquete: cadeado

Alumiar: iluminar (alumêo, alumêas, alumêa; alumiamos, alumiais, alumêam)

Alustrar: relampejar

Alustro: relâmpago

Amarrar: baixar

Amázio: amante

Ameroso: suave, calmo. "O pano é mesmo amerosinho!" "O dia está ameroso!" (ameròso)

Amigar: (amigar-se): amantizar-se

Amigo: namorado; amante

Amorrinhado: o mesmo que morrinhoso

Amorrinhar: ficar mole e dengoso

Amouchar: baixar-se em sinal de submissão.

Amuber: abortar (só para animais)

Aplausadeira: que fala muito; que tem sempre que dizer(deprec.)

Aplausar: falar muito; ter sempre que dizer

Aranhão: aranha

Argueiro: cisco, poeira, pessoa pequena e sem importância

Arrã: rã

Arramar: entornar: "Arramei a água!"

Arrebunhadela: arranhadela

Arrebunhar: arranhar

Arremangar: arregaçar (as mangas)

Arrochar: apertar (arruchar)

Arrocho: aperto (arrôcho)

Ater-se: confiar esperando; fintar-se. "Atem-te nisso e depois queixa-te!

Atido: confiado; fintado

Atrecer: ficar hirto com o frio, incapaz de fazer movimentos

Auga: água

Augado: (ser ou estar) mostrar desejo, salivando, de algum alimento. O mesmo que in-augado

Baca-loura: verme venenoso listrado de preto e vermelho

Baixo: lugar de arrecadação de produtos e alfaias agrícolas, normalmente no rés-do-chão da casa

Balancé: baloiço, normalmente feito com um bancelho ou uma corda atravessando uma trave

Bancelho: corda entrançada feita de palha para atar os feixes com que se leva a palha ao medeiro. O mesmo que bincelho (bancêlho)

Baraço: qualquer fio de pouca espessura

Barrinhão: recipiente grande de cerâmica, próprio para conter líquidos. O m. que alguidar

Barzabu: belzebu, demónio

Belada: serão passado junto à lareira, nas noitas de Inverno. A família e os vizinhos reunem-se na casa de um. Contam-se histórias e jogam-se jogos infantis; as mulheres fiam ou dobam o linho ou a lã; debaga-se o milho; o homem da casa "pisa o unto"; assam-se castanhas, etc. Termeina, frequentemente, oferecendo-se o terço.

Belancia: melancia

Belouro: excremento humano

Bem-decerto: certamente

Benairo: farrapo

Berde: (o verde) o sangue do porco acabado de recolher na matança. Chouriço berde: o chouriço, doce ou amargo, feito com o berde.

Bertoldo: pessoa tonta, sem modos (bertôldo)

Berrão: porco inteiro; 2 - (fig.) chorão (fem. berrona, apenas para 2)

Bianda: comida dos porcos

Biborão: espécie de víbora, venonoso e de pequeno tamanho, que vive junto a nascentes de água.

Bicha-cadela: insecto temido por ter fama de entrar nos ouvidos e provocar a surdez

Bigote: bigode

Bilharda: jogo de rapazes que consiste em acertar num pequena pau (bilharda) com outros paus maiores

Biqueiro: pessoa de má boca; esquisita com a comida.

Birgo: 1 - ponto inicial da construção da meda e, por conseguinte, o último a ser desfeito durante a malha. 2 - A virgindade

Birolho: vesgo, que entorta os olhos (birôlho / birôlha)

Bo: 1 - bom. 2 - Bo jeira: que estopada!

: Interj. Usa-se para tudo. A dobrar: ora, ora

Bonda: basta, chega. "Bem bonda o que já fizeste!"

Boubela: 1 - poupa (ave); 2 - pessoa atoleimada, cabeça no ar (boubèla)

Boixe: Uma das formas possíveis de enquistamento do carvalho

Botar: deitar; atirar (butar. Bôto, bôtas, bôta, butamos, butais, bôtum / que ou bôte, bôtes, bôte, butêmos, butêis, bôtim)

Boto: pessoa muito gorda. "Está gordo com'um boto!" (bòto)

Bregança: Bragança (Brègança)

Brocha: pregos de cabeça redonda com que se protegeem os socos (brôcha)

Buba: ferida (ling. infantil)

Bulharaco: uma das formas possíveis de enquistamento do carvalho (v. maçacuca; boixe; dança-palhinha)

Bulho: o estômago das

Bulideira: diz-se da pessoa ou da coisa que não param de se mexer. Pedra bulideira é sinónimo de pedra do embanadouro.

Bulir: mexer

Burra: bolha (de água que se forma na pele por fricção)

Cabaço: o mesmo que cesto 2

Caçarelho: tacho ou panela de pouca qualidade

Cacharoz: pessoa muito grande e forte (chacharòze)

Cacharro: púcaro

Cachinho: pedacinho, bocadinho

Cacho: pedaço, bocado. Dim: cachinho, cacheco

Cachola: cabeça. "Ficou cá c'ua cachola!"

Caçoulo: os tachos e as panelas. Por analogia, qualquer recipiente

Cajata: cajado, bengala

Calças: cuecas das mulheres, além das propriamente ditas

Caldeira: recipiente redondo de cobre em que se preparam as alheiras

Caldeireiro: aquele que faz caldeiros e outros utensílios em folha de flandres. O m. que latoeiro
Caldeiro: recipiente cilíndrico de lata em que se coze a bianda dos porcos

Caldo: qualquer sopa

Caleiro: telhas da beira do telhado por onde escorre a água da chuva ou gricholo (càleiro)

Calineiro: sabugueiro

Canada: 1 - caminho murado de ligação entre as aldeias, os campos agrícolas e terras adjacentes. Vem da Idade Média devendo-se a sua abertura à prática da transumância. 2 - Medida de capacidade.

Canalha: a canalha: criançada

Canalhada: a canalhada: a garotada

Cancelas: vedacção de madeira que os pastores usam no monte para recolher o gado

Cancelo: meia porta anteposta à porta da rua para que esta possa permanecer aberta, impedindo a entrada dos animais. Pequeno portão, normalmente em ferro, por onde se entra na propriedade.

Candeolo: 1 - estalactites de gelo formadas pelo derreter da neve nos telhados; 2 - fig. muco que as crianças deixam cair do nariz e não assoam

Canhona: ovelha

Caniças: protecção lateral dos carros de bois, feita de madeira, para altear a caixa e aumentar a capacidade do carro. As caniças usam-se para o transporte de estrume em alternativa às engarelas. Nos tractores as caniças têm a designação de taipais.

Cântaro: recipiente alto, em lata ou barro que serve para transportar líquidos e como medida de capacidade (c. 12 canadas ou 16l)

Cantarola: cada uma das ventosas do polvo. qualquer ventosa

Carabelho: aldraba; trinco (carabêlho)

Carabunha: caroço, normalmente o da azeitona mas também se diz das sementes de outros frutos.

Carambelo: gelo

Carambina: geada

Carneira: roquelho picante e que é comestível

Carocha: a parte de cima do pão constituída, sobretudo, por côdea

Carolo: grande pedaço de pão, normalmente cortado a toda a volta dos grandes pães de centeio ou trigo. (caròlo)

Carrelo: pilha de objectos (carrèlo)

Carrichas: (ir ou levar alguém às): cavalitas

Castanhola: Batidela na cabeça com as nozes dos dedos. O mesmo que nozada.

Casulas: feijão sem fio que, depois de seco, é cozido para alimentação humana

Cebado: porco devidamente engordado, pronto para a matança.

Ceia: jantar

Cerdeiro: cerejeira

Cerrar: fechar, a porta ou o cancelo

Cesta: cesto pequeno com asa

Cesto: 1 - recipiente grande de verga para transporte de sólidos; 2 - levar um cesto: ouvir não ao pedido de namoro

Chabasco: doido; estouvado (chabàçco)

Chãero: chão plano (ãe é ditongo)

Chagouro: criança recém-nascida ou de colo. Diz-se "o chagouro", independentemente do género

Chambladeira: graxista

Chedre: pequena ave: o mesmo que carriço ou carriça

Chibo: bode

Chicha: carne

Chicha rijada: toucinho frito

Chícharo: feijão frade

Chiscar: atear (chiscar fogo). Excepção à regra da pronúncia do s. Diz-se chizcar

Coanhos: o que resta da espiga do cereal depois de malhado. Servem de alimento aos animais de estábulo e de capoeira.

Chocho : estouvado, maluco (chôcho)

Chorinhas: aquele que está sempre a lastimar-se (chòrinhas)

Chuclijar: abanar energicamente

Chuclijão: abanão. Do chuclijão resulta o ruído característico do conteúdo dentro do recipiente

Chupão: chaminé

Chupitar: apanhar uma tareia

Çobar: atiçar. Çobar os cães a alguém (çubar, mas çôba-l'os cães!)

Cibaco: o mesmo que cibo, cibinho, cibeco, cachico

Cibo: pedaço dim: cibinho, cibeco

Cibouco: que ouve mal

Cisco: argueiro

Cócecas: cócegas. dim: cocequinhas (cóçcas; còçquinhas)

Çocos: botins feitos de cabedal e de madeira de amieiro, bons para a neve e o tempo frio (çòcos)

Comenência: grande coisa, coisa importante. Utiliza-se sempre em sentido irónico: "deste-me cá uma comenência!" (cumnência)

Companha: as companhias; grupo de trabalhadores. "Companha de segadores" (Cumpanha)

Conchouso: sítio estreito e apertado, cubículo (cunchouso)

Cornais: correias com que se ata o jugo aos cornos das vacas

Corneixó: cravagem do centeio. Excrescência da espiga do centeio de cor quase preta e provocada por um fungo. Durante a II guerra mundial era colhido e vendido separadamente a bom preço. Tem propriedades hemostáticas, abortivas e, provavelmente, alucinogénias (curneixó)

Corneicholo: o mesmo que corneixó (corneichòlo)

Cortinha: terreno de cultivo, de pequenas dimensões e murado

Cousa: coisa

Coxo: irritação cutânea, frequentemente resultante da mordidela de algum bicho

Cria: (col. a cria) os bois e as vacas

Criqueiro: efeminado; aquele que prefere a companhia feminina

Crucho: carrapito

Cuchino: porco, labrego

Cuecas: peça de roupa interior masculina, de perna curta

Cueiro: panal, fralda

Curgidade: qualidade do que é diligente

Curgidoso: que tem curgidade

Curriça: curral fora da aldeia, para guardar o gado

Dança-palhinha: uma das formas possíveis de enquistamento do carvalho, com que as crianças, soprando, brincam

Decerto: certamente. Com o mesmo sentido: bem-decerto

Decrua: a primeira lavra da terra

Desfechar: abrir, descerrar (çfichar). "Çfichar os dentes": meter qualquer coisa à boca, quebrar o jejum. "hoje 'inda num çfichei os dentes": hoje ainda não comi nada

Desinjuar: desjejuar, comer pela manhã

Dezinço: razia; decréscimo, o contrário de inço: "a escarabana deu cá um desinço no pão!" (optei por esta grafia, apesar do prefixo "des" porque o 's' é pronunciado como 'z').

Dianho: diabo

Embanadouro: balanceamento; pedra do embanadouro: pedra bulideira

Embanar: fazer mexer, abanar

Embelga: tira cultivada, a todo o comprimento de um terreno, dentro desse terreno

Emboligar: rebolar (imbuligar)

Embolta: ligadura; panos com que se embrulhavam as crianças de tenra idade (imbolta)

Embude: funil muito grande para envasilhar o vinho. É utilizado pelos rapazes, na festa do "casamento das novas", como uma espécie de megafone.

Empeçar: começar (impeçar)

Encarrapitar: Pôr-se num sítio alto (incarrapitar)

Encertar: abrir

Enconchar: pôr as mãos em concha para ajudar a subir: "inconcha-me aí!"

Engaço: ancinho (ingaço)

Engaranhado: a tremer com frio, incapaz de segurar com as mãos

Engaranhido: o mesmo que engaranhado

Engaranhar: atrecer com o frio

Engarelas: paus grandes pregados em grade e que se colocam dos lados dos carros de bois para lhes aumentar a capacidade. As engarelas são usadas, nomeadamente, para o transporte do feno (ingarèlas)

Engatar: subir às árvores; por um poste, etc. (ingatar)

Entremoço: tremoço

Enxergão: colchão de palha

Enxúndia: 1 - gordura encostada aos intestinos, unto. 2 - grande tareia. 3 - grande porcaria "Isto está cá ua enxúndia!" (inxúndia)

Erbanço: grão-de-bico (èrbanço)

Esbarar: escorregar

Esbulhar: tirar a pele. Diz-se especificamente: esbulhar as batatas

Escabar: cavar

Escachar: quebrar

Escalão: degrau

Escaleira: escada

Escancha: espaço alcançado pela abertura máxima das pernas, sem cair no chão

Escaneta: escano pequeno

Escano: banco grande de madeira encostado à lareira e ao qual está, frequentemente, associada uma mesa de dobrar

Escarabana: granizo

Escarabanada: granizada

Escarambunheiro: espinheiro

Escarnancha: abertura máxima das pernas

Escarnanchado (a): aquele que se senta com as pernas excessivamente abertas; descomposto
Escochar: esgaçar

Escogitar: mexer onde não é chamado; querer saber

Escogiteiro: aquele que escugita, coscuvilheiro

Escouracho: nu. "Escouracho de todo": completamente nu

Escunfiado: desconfiado

Escunfiança: confiança

Escunfiar: desconfiar

Esfanicar: fazer em fanicos, destruir.

Esforgalhar: esmigalhar

Esfoura: diarreia

Esgodar: encostar esfregando

Espadela: espátula com a qual se espadeira o linho (espadèla)

Espadelar: espadeirar, bater o linho para separar a estopa

Espiga: (fig.) maçada, trabalheira

Espigado: 1 - aquele que está crescido; 2 - irritado

Estampilha: bofetada

Espigo: rebento de couve antes de estar florido, excelentes para coomer cozidos

Estadulho: fueiro, pau grande.

Estrampalhar: descompor, estragar

Estrugido: refogado

Fanicos: pedaços pequenos. Estar com os fanicos: estar com um ataque de histeria. Dar um fanico: estragar-se (as coisas); ficar apopléptico

Ferranha: cereal que se sega verde para alimentar o gado

Figo: além do fruto, os excrementos do burro

Fino: esperto, inteligente

Fito: jogo de homens, semelhante à malha, que consiste em, a certa distância, acertar num pequeno alvo com pedras chatas e lisas.

Fintar-se: deixar-se enganar; acreditar em mentiras

Fluge: fuligem

Focinheira: açaimo de rede que se põe às vacas quando vão lavrar, para não comerem o renovo

Fojo: buraco fundo, natural ou não (fôjo)

Fouce: foice

Forgalho: migalha. "o forgalho", para os dois géneros, se usado fig. como coisa pequena

Franga: namorada

Frincha: ranhura, abertura estreita

Fumelga: faísca

Fungar: 1 - inspirar ou expirar com força de modo a absorver / expelir o muco. 2-Choramingar
Furco: a amplitude gerada pela extensão máxima dos dedos polegar e indicador

Gabela: feixe

Gaiolo: estrutura de madeira em forma de gaiola sem cobertura para manter as crianças quietas (gaiòlo)

Ganapada: 1 - grupo de rapazes; 2 - isto é uma/ isto é uma garotice

Ganapo: rapaz novo

Ganchas: sacho grande com dois bicos. São utilizadas para arrancar batatas ou tirar o estrume da loje. O mesmo que guinchas.

Gandulagem:(colect.) acções dos gandulos ou o conjunto dos gandulos: "Isto é tudo uma gandulagem!" (gandulage)

Gandulo: má rês, que pratica actos reprováveis

Garabito: 1 - ferrolho. 2 - haste comprida que alguns objectos têm para serem dependurados. "O garabito da candeia" (candêa)

Gaspacho: comida mal confeccionada (gaçpàcho)

Gateira: 1 - pequena abertura circular feita nas portas e cancelos para permitir a livre passagem dos gatos. 2 - Posição do corpo em jogos infantis em que as crianças, de pé e em fila, abrem as pernas para outras passarem. diz-se passar gateirinhas.

Guinchas: ver ganchas

Grolo: mal cozido

Gricha: bica de água

Gricholo: a água da chuva que cai, em bica, dos caleiros (grichòlo)

Guicho: arguto, esperto

Guiço: graveto

Home:1 - homem. 2 - marido

Impeçar: começar: "impeçou a chover"

Inaugado: augado (in-augado)

Inçar: crecer (as plantas); fazer subir alguma coisa: "inça-me cá isso!"

Incerrar: fechar dentro. Incerra-se a cria na loje; as pitas no poleiro; as obelhas na curriça, etc.

Inço: crescimento

Incruado: (estar incruado) prisão de ventre

Indez: ovo que fica no ninho (indêze). Diz-se do filho que nasceu por último.

Inticar: implicar, aborrecer alguém (inticar com)

Intourar: emperrar, por aperto ou inchaço. Intouram-se as alfaias agrícolas, para que não desencabem, metendo-as adentro de água.

Jantar: almoço

Jaqueta: casaco de fora, de abas largas, ajustado na cintura

Jinela: janela

Jineloco: guarita

Ladeira: encosta

Ladeiro: terreno inclinado, íngreme

Lafrau: maroto

Lambada: bofetada

Lambão: comilão

Lameiro: prado; pasto

Lançadouro: móvel da cozinha onde se arruma a louça e de onde se serve a comida

Lançar: tirar os líquidos de dentro do recipiente. "Lançar o caldo"

Lapada: pedrada

Laparoto: coelho (laparôto)

Lapouço: pessoa que se apresenta muito suja, enlameada. Expressão apenas usada sobre os homens.

Larego: porco novo, ainda por cevar

Larota: mentira (laròta)

Larpar: comer excessivamente. Fig. levar uma tareia

Latoeiro: aquele que faz ou conserta utensílios de lata

Lazeira: fome

Lãzeira: preguiça

Loba-cã: (lobacã?) comer à loba-cã: comer descontroladamente

Loje: lugar onde se recolhem os animais domésticos, porcos, vacas cou coelhos, frequentemente no piso térreo das casas de habitação

Maçacuca: uma das formas possíveis de enquistamento do carvalho

Maçadura: nódoa negra

Maçãera: macieira (ãe é ditongo)

Maião: rapaz (ou rapariga) crescido e que quer tratamento de criança: "Olha o maião, inda quer colo!"; "Vai aquele maião às carrichas do mais pequeno!"

Malha: o acto de malhar o cereal (trigo e centeio) na eira. Manteve-se a designação mesmo após o abandono dos malhos e a adopção da máquina malhadeira.

Malhadeira: máquina que faz a malha, fazendo sair por aberturas diferentes, o grão, a palha e os coanhos.

Malhar: desgranar o cereal, separando o grão da palha e dos coanhos.

Mangação: (fazer mangação) mofar; imitar desdenhosamente, arremedar

Manhuço: braçada: "trago aqui um manhuço de couves!"

Marchanta: doidivanas

Mata-bicho: desjejum; o que se come antes do almoço

Meda: Monte de moios de cereal prontos para serem malhados (mêda)

Medeiro: Monte de palha depois de malhada

Meja: mijo (mêja .V mijar: mêjo, mêjas, mêja, mijamos, mijais, mêjam; que ou mije, mijes, mije, mijêmos, mijêis, míjim)

Meotes: meias de lã e de cano curto dos homens

Merenda: merenda. Coloca-se aqui porque o vernáculo português foi substituído pelo barbarismo 'lanche'

Merujar: chover chuva miudinha

Merujes: (diz-se sempre no plural): ervas pequenas que nascem em água corrente, na Primavera e com as quais se faz salada.

Milhor: melhor

Miotar: aquilo que faz o mioto

Mioto: que segue os outros com os olhos quando estão a comer (miòto; miòta), o m.que pirongo
Moixe: uma das formas possíveis de enquistamento do carvalho

Molete: pão pequeno de trigo

Molidas: peças de couro franjado nas pontas que se colocam sobre a cabeça das vacas para servir de assento ao jugo

Moncas: monco, ranho

Mornal: criança ao colo

Morraça: Coisa miúda e sem préstimo; resto que se deita fora

Morrão: 1 - lagarta; 2 - a cinza do cigarro antes de ser sacudida

Morrinha: 1 - moleza, lassidão; 2 - chuva miúda (o m. que merujar)

Morrinhoso: 1 - aquele que é mole e lasso; 2 - diz-se do dia de chuva miúda

Mouco: surdo

Nacho: nariz grande e feio. "Tem cá um nacho!"

Nalga: nádega

Neum: nenhum (nium; fem:niua, sendo este u nasalado)

Nim: nem

Nomeada: alcunha

Noute: noite (também se diz nòite)

Nozada: Batidela na cabeça com os nós dos dedos. O mesmo que castanhola (nòzada)

Núbio: diz-se do céu coberto de nuvens, nublado

Num: não (num te fintes nisso)

Omentar: aumentar, acrescentar àquilo que se diz; inventar. "Isso são cousas que l'omentum" (òmentar; eles omentum; bós omentêis)

Onte: ontem

Onteonte: anteontem (ont'onte).

Ou: eu (éu, em algumas aldeias)

Palaio: intestino grosso. O palaio do porco é enchido com a massa das alheiras, sendo um enchido de sabor ácido

Panal: fralda, cueiro

Pantalonas: calças mal feitas ou muito sujas. As calças, se vestidas por mulheres

Pão: o cereal semeado: terra de pão

Papo: queixo

Parreco: pato (parrèco)

Passado manhã: depois de amanhã

Pedrisca: jogo da macaca

Penacho: Coisa de vestir sem nenhuma utilidade

Penca: 1 - couve que se come depois de geada, é a couve do Natal por excelência; 2 - grande nariz

Picheleiro: canalizador

Piceperno: chama-se ao osso ainda com algum presunto agarrado e que serve para cozer

Pilhar: roubar. Atirar ó pilha: atirar coisas ao ar para que, caídas no chão, cada um apanhe as mais que puder

Pincha-carneira: cambalhota

Pinchar: tombar

Pingo: a gordura resultante do fazer dos rijões que é conservada e utilizada como tempero, assim como para barrar o pão.

Pita: galinha

Pito: pintainho

Pirongar: aquilo que faz o pirongo

Pirongo: que pede de comer com os olhos. O mesmo que mioto

Porco montês: javali

Pote: panela de ferro com três pés para cozinhar à lareira. Tapa-se com testo.

Porreta: a folha da cebola

Precura: pergunta (prècura)

Precurar: perguntar (prècurar)

Proa: vaidade (prôa)

Proento: vaidoso (pruento)

Puri: talvez

Quedo: quieto

Ranhadouro: grande pau com que se ranha o forno

Ranhar: 1 - coçar; 2 - varrer o forno, afastando as brasas, para que o pão não assente nelas.

Raparigo: criança do sexo masculino. "O raparigo"

Rascanhar: arranhar. "As silvas rascanharam-me toda!"

Rebusco: livre apanha das castanhas depois de passado o tempo de os respectivos donos as terem apanhado. "Ir ao rebusco"; "tempo de rebusco"

Reco: porco. Reco, reco, reco : forma de chamar o porco (rèco)

Rei: alheira pequena

Reichiquito: (desd.) pessoa que se julga muito importante (reichequito)

Remeia: recipiente e medida que é a terça parte do cântaro

Renovo: plantas recém-nascidas

Repolga: roquelhos que crescem no tronco, em decomposição, de algumas árvores, particularmente dos olmos. São excelentes para fazer um arroz delas.

Resalgar: roquelho de cor vermelha e muito venenoso. A sua cor serve de comparação: "pôs-se vermelho como um resalgar!"

Rijar: fritar

Roca: variedade de cogumelo comestível, muito saboroso se assado sobre a brasa.

Roçadoura: fouce de cabo comprido em casa de quem é fouce de nomeada

Roquelho: cogumelo

Rou-rou: jogo da apanhada

Roussão: perro, difícil de manobrar

Ruço: 1 - louro, que tem os cabelos claros. 2 - desbotado, sem cor

Rufado: franzido

Rufar: franzir

Samelo: pessoa que não pronuncia bem os 's'

Segada: ceifa

Segador: ceifeiro

Seitoura: foice

Senisga: órgão genital feminino

Sequeiro: a lenha, posta em monte, em lugar perto de casa para uso domésticoSertã: frigideira. O mesmo que sartã

Sobrado:1 - o primeiro andar da casa, onde vivem as pessoas. A casa é constituída, no rés-do-chão, pelas lojes e pelos baixos; no primeiro andar, pelo sobrado e, frequentemente, por um segundo andar, que são os terceiros. 2 - Soalho

Sobradar: assoalhar

Solheiro: lugar exposto ao sol (sòlheiro)

Sombreiro: chapéu-de-chuva (sumbreiro)

Taipal: o mesmo que caniças, mas usado nos tractores e camionetas.

Tampa: serve para cobrir a panela

Tantinho: pouquinho. "Dê-me tantinho pão!"; "Só quero tantinho caldo!"

Terceiro: espécie de sótão

Testo: tampa com que se cobre o pote (tèsto)

Tição: 1 - pau em brasa ou já ardido; 2 - fig. pessoa muito escura

Tiçoeiro: base para apoio dos tições na lareira

Touça: mata (touça de carvalhos)

Trás d'onte: Anteontem

Trás de onteonte: Antes de anteontem (trás d'ont'onte)

Trocho: haste da couve, talo (trôcho)

Trupeça: tripeça, banco de três pés feito de madeira (trupêça)

Ua: uma (o u é nasalado)

Umbela: Chapéu de chuva

Unto: a gordura do porco junto às tripas e que é usado em substituição do azeite. "Pisar o unto": bater o unto com martelo de madeira, adicionando-lhe sal e azeite. No fim de estar pisado, o unto é enrolado em bola e envolvido na película que envolve a enxúndia para se manter impermeável e melhor se conservar.

Upar: crescer, subir

Urnear: zurrar

Urreta: vale muito fundo (urrêta)

Xudairo: 1 - pessoa desprezível; 2 - trastes velhos

Zãeno: malandro, brincalhão (ãe é ditongo).

Zarrunga: resmungona

Zarrungar: resmungar

Zingarelho: uma coisa qualquer (que zingarelho é esse que trazes nas orelhas?)

Zorro (a): filho bastardo

Zurbada: chuva com grande intensidade: está a cair ua zurbada d'auga!

Zúbio: de cor roxa

10/05/2006

LIBERDADE

É o silêncio que oiço quando pergunto assim:

- "Que vos falta aqui?"

Hoje resolvi perguntar de outra forma:

-"Sois os empreiteiros que vão à Câmara apresentar e defender um projecto para o espaço que a nossa urbanização ocupa. Que cada um pense naquilo que gostaria que nascesse aqui, em vez daquilo que está.

E nasceram desenhos com legendas. Em todos havia prédios de habitação, poucos ou muitos, mas encostados a um canto. Em todos havia lugares de convívio e de comércio, espaços para a prática de desporto, escolas de todos os níveis, centros de saúde e polícia. Um deles até contemplava o cemitério, porque "é um despautério as pessoas morarem aqui e terem de caminhar distâncias para visitar os seus, sepultados em cascos de rolha!"

Mas o que predominava em todos os desenhos eram os espaços desocupados.

Que belos projectos! Alguém, nas Câmaras Municipais, deveria ter a incumbência de perguntar às pessoas!

Estes garotos, entre os 11 e os 15 anos, transformaram os seus projectos em manifestos contra os espaços prisionais que são estes bairros(?) a que chamamos urbanizações(!!!). A experiência física da falta de liberdade é a primeira a constatar-se e, embora a não nomeiem, é de liberdade que os garotos sentem falta. Porque nestes bairros há falta de liberdade! Liberdade de correr sem ser pelas ruas cheias de carros! Liberdade de conviver ao ar livre, nos jardins que não existem! Liberdade de respirar ar em vez de monóxido de carbono! Liberdade de olhar e ver a lonjura! Liberdade de estar em casa sossegado! Liberdade de estar na rua em segurança ("sim, porque nós temos medo de andar na rua!")...

Eu só encontrei uma falha nos anseios dos meus garotos: ninguém sugeriu uma biblioteca, um teatro, um cinema. Eles baixaram o olhar e sorriram, envergonhados, perante o meu reparo. "Disso não precisamos todos os dias", concluíram em jeito de quem se desculpa.

O DICIONÁRIO DA ACADEMIA

Detesto concordar com ele, mas no que toca à Língua Portuguesa, Vasco Graça Moura costuma ter razão.

09/05/2006

DIREITO À NATURALIDADE

Eu nasci em casa e a minha parteira fez nascer todos os irmãos que me antecederam, assim como todas as crianças entre as nossas idades, pelo menos. Sou, de facto, natural do local indicado no bilhete de identidade.

O primeiro parto que ela fez, há-de ter sido experimentando os gestos que outra mulher, antes dela, terá feito nela. Todos os outros foram, certamente, mais fáceis. Quando chegou a minha vez, o único suspiro dado foi, concerteza, de cansaço.

"A minha mãe - confidenciou-me a filha - quando o menino não queria nascer, metia as mãos pelo corpo da mulher, rentes às paredes, e, com muito cuidado, ia puxando devagarinho até que, por fim, o chagouro vinha ao mundo."

Não sei se foi assim que nasci, mas as mãos da ti Carolina foram as primeiras a ampararem-me.

Há mais de quarenta anos nascia-se assim por não haver maternidades.
Hoje ninguém nascerá assim, mas à mulher grávida vai-lhe ser exigido que se desloque dezenas de quilómetros (às vezes, mais de uma centena!), e que tenha o seu filho em terra estranha, provavelmente só porque, àquela distância, o marido não pode acompanhá-la, por ter que marcar presença no trabalho. Neste ponto, que ninguém se atreva a falar-me dos direitos legais de paternidade porque, quem tal invocar, prova que desconhece o país em que vive. Aliás, deve ser esse desconhecimento que explica tanta decisão tão mal tomada, como é esta de encerrar maternidades a torto e a direito.

A decisão, assumida como irrevogável pelo Sr. Ministro da Saúde, de encerrar maternidades, retira a alguns cidadãos nacionais o direito à naturalidade (nem que seja a do distrito!) e trata esses mesmos cidadãos de forma desigual. É dever do País promover a igualdade de direitos; o contrário disso não é democrático! Dito de outro modo: estamos a assistir a uma divisão do País em duas partes: a dos cidadãos que contam e a dos outros. Para uns, a democracia e o bem-estar; para os outros, o abandono à sua sorte, com autorização de deslocação para para o inferno das Amadoras e dos Cacéns.


Em vez de se promover a fixação das gentes nas suas terras, estimula-se o contrário. Os nossos governantes só me provarão que estou errada no dia em que a escola e a maternidade encerradas forem substituídas por espaços de apoio aos idosos. Se isso não for feito (e não será!) alguém tem que os convencer a voltar à escola para aprenderem o que é a democracia, já que os seus corações não sabem o que é a equidade.

Geograficamente, os outros são a maior parte de Portugal, terras de que, quem sabe, alguém quererá fazer coutada.
Que ninguém conte com a minha parte!

08/05/2006

EIS A URZE




Eis a urze!

Delicada na aparência,
soando a violino quando a brisa lhe sopra os ramos,
tão suavemente perfumada, que só quem a conhece lhe identifica o aroma!

A urze estende as suas flores por campos e campos que tinge de roxo, lilás, rosa e branco.

Se tocada por nossas mãos, percebemos-lhe a aspereza que explica a sua resistência tenaz contra as inclemências do tempo.


Se tocada por nós, solta sons de guizos: as sementes que deixa escapar para que amadureçam no chão quente e criem vida nova.

A urze cresce conforme pode: altíssima se a terra é funda; rasteira se logo encontra rocha.

A raíz da urze é retorcida; magnífica para esculpir à navalha; excelente para lançar ao lume e dar muito calor.

A urzeira, por ser tão densa e arejada, é abrigo escolhido pela passarada. O chedre nidifica nela, regressando todos os anos.




07/05/2006

MÃE



Hoje é dia da mãe.

O primeiro dia da mãe que passo sem si,
aquele em que apenas me é permitido pensar em si.

Neste dia não posso acariciar a beleza perfeita do seu rosto
nem sentir as suas mãos miúdas a a passearem-se pelos meus cabelos.

Hoje a sua ausência, não pesando mais, pesa de forma diferente.