09/05/2006

DIREITO À NATURALIDADE

Eu nasci em casa e a minha parteira fez nascer todos os irmãos que me antecederam, assim como todas as crianças entre as nossas idades, pelo menos. Sou, de facto, natural do local indicado no bilhete de identidade.

O primeiro parto que ela fez, há-de ter sido experimentando os gestos que outra mulher, antes dela, terá feito nela. Todos os outros foram, certamente, mais fáceis. Quando chegou a minha vez, o único suspiro dado foi, concerteza, de cansaço.

"A minha mãe - confidenciou-me a filha - quando o menino não queria nascer, metia as mãos pelo corpo da mulher, rentes às paredes, e, com muito cuidado, ia puxando devagarinho até que, por fim, o chagouro vinha ao mundo."

Não sei se foi assim que nasci, mas as mãos da ti Carolina foram as primeiras a ampararem-me.

Há mais de quarenta anos nascia-se assim por não haver maternidades.
Hoje ninguém nascerá assim, mas à mulher grávida vai-lhe ser exigido que se desloque dezenas de quilómetros (às vezes, mais de uma centena!), e que tenha o seu filho em terra estranha, provavelmente só porque, àquela distância, o marido não pode acompanhá-la, por ter que marcar presença no trabalho. Neste ponto, que ninguém se atreva a falar-me dos direitos legais de paternidade porque, quem tal invocar, prova que desconhece o país em que vive. Aliás, deve ser esse desconhecimento que explica tanta decisão tão mal tomada, como é esta de encerrar maternidades a torto e a direito.

A decisão, assumida como irrevogável pelo Sr. Ministro da Saúde, de encerrar maternidades, retira a alguns cidadãos nacionais o direito à naturalidade (nem que seja a do distrito!) e trata esses mesmos cidadãos de forma desigual. É dever do País promover a igualdade de direitos; o contrário disso não é democrático! Dito de outro modo: estamos a assistir a uma divisão do País em duas partes: a dos cidadãos que contam e a dos outros. Para uns, a democracia e o bem-estar; para os outros, o abandono à sua sorte, com autorização de deslocação para para o inferno das Amadoras e dos Cacéns.


Em vez de se promover a fixação das gentes nas suas terras, estimula-se o contrário. Os nossos governantes só me provarão que estou errada no dia em que a escola e a maternidade encerradas forem substituídas por espaços de apoio aos idosos. Se isso não for feito (e não será!) alguém tem que os convencer a voltar à escola para aprenderem o que é a democracia, já que os seus corações não sabem o que é a equidade.

Geograficamente, os outros são a maior parte de Portugal, terras de que, quem sabe, alguém quererá fazer coutada.
Que ninguém conte com a minha parte!

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