20/05/2006

PINTASSILGOS

Andam de namoro, os meus pintassilgos.

Chamo-lhes meus porque, no ano passado, fizeram o ninho quase encostado à minha varanda. Eu, se fosse ave, não escolheria aquele sítio para o ninho, pois está muito exposto e é constantemente zurzido pelo vento. Mas os meus pintassilgos quiseram criar ali a sua descendência e eu só tenho que lhes agradecer. Escolheram o pinheiro mais alto e, desse pinheiro, o ramo mais saliente, que é aquele que se encosta à minha varanda. Perdoe-se-me a imodéstia mas acredito, cá no fundo, que os pintassilgos me escolheram a mim. Não sei como, mas tenho a firme certeza que eles sabiam que eu lhes apreciaria o canto e a beleza e que a sua pequenez me inundaria de ternura.

Deslumbrei-me com o labor e a arte com que construiram o ninho (que pequenino!); cansei-me, eu, a contar as vezes que foram e voltaram com gravetos no bico, e eles só paravam quando o sol se punha!

Depois veio o tempo de chocar os ovos. Aquelas duas almas (que me importa a teologia!), ora um, ora outro, nunca deixaram o ninho sozinho. Se me viam menos discreta na observação, tratavam de se virar de bico para mim. Um dia nasceram aqueles quatro nadas - como poderiam ser mais do que nada, se cabiam todos debaixo daqueles corpos minúsculos? Nessa altura a azáfama multiplicou-se. Ao contrário dos pardais, que nunca páram de pedir, os quatro nadas não choravam por comida: só se ouviam quando sentiam o pai ou a mãe a pousar no ninho, com o bico recheado. E se a um não tocava nada, esperava, paciente pela próxima chegada.

O vento não cessava de balançar o ramo, fazendo-o desenhar círculos, e eu sobressaltava-me, com medo que o ninho se virasse e as quatro vidas caíssem no chão. Não sei por que artes mágicas, tal nunca aconteceu.

Ao fim de poucos dias, as penas começaram a substituir a penugem. Não tardaria nada, o debrum amarelo das asas seria aquilo que melhor se veria no ninho. Era o tempo de começarem a ficar sós mais vezes. Esse tempo era cada vez mais frequente, até que foram capazes de voar sozinhos.

Chegado o Outono desaparecem todos. Voltei a vê-los por estes dias. Têm que ser os mesmos! Têm que ser os meus! Há outros quatro que andam por aqui às voltas (devem ser os filhos!), mas só dois poisam na árvore que está encostada à minha varanda. Estão de namoro. Como ele canta bem! Parece que faz de propósito, e se vira de frente para mim.

Obrigada, pintassilgo!

3 comentários:

Jorge P. Guedes disse...

Bela história de vida !
E que lente sensível tens tu nos olhos!

MPS disse...

Todos somos capazes de ver. Mas uns querem ver mais, e outros querem ver menos. "Que lente sensível tens tu" no entendimento!

juaorsi disse...

Quando guri meu pai me contava a história dos pintassilgos de Taquara, sua cidade natal, das várzeas e dos campos onde eles viviam. Não sei se porisso, mas naqueles tempos a gurizada não tinha televisão, nem sequer um rádio, e a gente se divertia com a natureza, porque nossos olhos olhavam das portas para fora e via as árvores e o canto, o colorido dos passarinhos em meio às frutas. A gente olhava mais para a chuva e o sol, ouvia mais o vento.A gente brincava com as cascas das bergamotas, subia em árvores com uma faca no bolso e ficava descascando as laranjas do céu, as de umbigo, e comendo em cima da árvore. Os sabiás sempre saltitando pelo chão atrás de laranjas caídas e talvez mais doces.