21/05/2006

JUDAS

Há já muito tempo que me apetecia escrever sobre Judas. Como todos, aprendi a olhá-lo com desconfiança. "Judas" era insulto que ninguém gostava de ouvir e se o chamássemos a alguém, nunca mais queríamos ver-lhe a cara.

Lembrei-me, hoje, de escrever sobre ele, porque o P. Anselmo Borges, como que lendo o meu pensamento, se antecipou. Em nada, ou quase nada, diferem as nossas opiniões sobre o apóstolo de Cristo. Judas foi um discípulo chamado por Jesus, como cada um dos outros. O que o terá levado a entregar o amigo?

Essa foi a pergunta que, bem cedo, me fiz a mim mesma. Quando estudei a história do povo hebreu dei-me a resposta: Judas não entregou o amigo, entregou a pessoa que, podendo, se recusava a chefiar o povo de Israel na luta contra o opressor romano. Quando viu o destino do amigo, Judas não suportou a dor e acompanhou-o na morte.

A resposta que encontrei sossegava-me. Falei dela ao Sr. P. Francisco que me disse: "sossega, rapariga, eu rezo a Judas". E eu sosseguei porque, embora ignorante em teologia, a minha reflexão não provocara desagrado em quem sabia do assunto.

Surgiu, agora, a informação sobre a descoberta do "Evangelho de Judas". Gostaria de lê-lo e espero que venha a ser publicado (depois de devidamente traduzido, porque eu não leio copta). Tenho muita curiosidade em saber quais são, em relação aos evangelhos canónicos, as palavras de Cristo e as passagens da vida de Cristo que foram referidas: as mesmas; outras completamente novas; as mesmas mas com interpretação diferente?

O que vou dizer não passa de um alvitre sem qualquer valor, mas tenho para mim que, aqueles que escreveram o "Evangelho Segundo Judas", sentiram a mesma consternação e a mesma dúvida que eu, só não lhe deram a mesma resposta. No meio disto, Cristo mantém-se. Quem o ama é que o ama de modo distinto.

12 comentários:

MeMyself&I disse...

E é o amor distinto de Cristo que faz com que o seu pensamento perdure e a sua obra esteja em constante construção.

MPS disse...

... porque cada um de nós é a boca com que Ele fala, as mãos com que Ele constrói e os pés que O levam a toda a parte. Nisso estamos de acordo, " ___" (aqui devia estar o teu nome, mas não posso nomear-te porque, caso o faça, fica disparate!)

MeMyself&I disse...

Estamos de acordo em muitas outras coisas, certamente. As palavras escritas não passam de símbolos gráficos que, apesar de obedecerem a um sistema convencional, acabam por ser descodificadas de várias formas possíveis, tão variadas quanto a complexidade da mente que as descodifica. Daí compreenderás, decerto, que o meu Cristo assuma a forma que necessito, quando necessito. Acho que nem mesmo os mais descrentes podem afirmar a pés juntos que nunca precisaram da Sua companhia, do Seu reconforto.

Lembro-me de quando miúdo, quando voltava da escola para casa à noite... o autocarro deixava-me na paragem cerca das 19:30. No Inverno já a noite ia larga. Da paragem a casa ainda tinha fazer um percurso de cerca de 1km a pé, entre vinha e árvores. Nunca me amedrontei com acções humanas mas, contudo, por ridículo que pareça, em determinados períodos, que nunca consegui compreender, sentia um medo irracional, um medo gélido que entrava imediatamente em conflito com a razão! De tal forma que muitas vezes me obriguei a correr por aquele carreiro acima para abrandar a velocidade do pensamento. Nessas alturas, era Ele que acompanhava os meus passos, e que me empurrava gentilmente para a porta do lar.

MPS disse...

Àquilo que tu sentias chama-se medo que, por definição, se opõe à racionalidade. O medo, creio que lhe posso chamar instinto, obriga-nos a estar alerta e, em muitos casos, é factor de sobrevivência.

Mas... para uma ateu, não está mal a interpretação que dás ao que te "guiava os passos!"
Um abraço

MeMyself&I disse...

Ateísmo, num sentido lato, refere-se à descrença em qualquer deus, deuses ou entidade divinas. Não será fielmente o meu caso. Penso que ainda não me fiz entender muito bem, mas, basicamente, o meu cartão vermelho vai para as Igrejas e as diversas formas como a religião tem aproveitado a Fé para subverter a mente humana.

Abraço
Miguel

Jorge P. Guedes disse...

Talvez, só podemos especular sobre os motivos de Judas.
Também estou curioso sobre o "Evangelho segundo Judas".
Quem o terá escrito?
Que filtragem sofrerá antes da sua divulgação pública ?
E se ele contrariar a versão dos evangelhos canónicos?
Se...talvez...que podemos mais dizer de razoavelmente sensato?

MeMyself&I disse...

Se contrariasse os evangelhos canónicos, a Igreja não o deixaria sequer vir a público. Acredito que o poder religioso constitua, ainda, um dos maiores lobbies do mundo.

Seja como for, se não concordarem, provavelmente acontecer-lhes-á o mesmo que aos Livros apócrifos.

Abraços

PS. Jorge, o mundo gira à volta dos "ses", portanto serão esses "ses" que deverão servir-nos de apoio na fundamentação de várias teses.

MPS disse...

Caro Jorge (e Miguel):

Quem o terá escrito? Sabemos quem não o fez: o próprio Judas. Duvido que alguma vez venhamos a conhecer o nome do autor, presumindo que foi só um. Sabemos, no entanto, que faz parte da lista de vários evangelhos que foram banidos por Santo Ireneu, no fim do séc. II, por serem considerados heréticos. Conhecia-se parte da lista, mas só no séc. XX é que alguns deles vieram a ser descobertos, sendo o último, o de Judas.

Quem está a estudar o texto é uma equipa plural - não, não é a Santa Sé! - que conta com as mais reputadas personalidades dento das áreas da língua Copta e do restauro. Do fundo do coração, espero que o traduzam porque, como já disse, gostaria muito de o ler.

O Evangelho de Judas, forçosamente, contradiz os evangelhos canónicos, único motivo (forte motivo!) que levou Ireneu a bani-lo. A minha curiosidade é, pois, de outra ordem: a que palavras e a que acontecimentos da vida de Cristo se dá importância? O teor geral é conhecido e vem-lhe da sua classificação como gnóstico, mas isso não me basta.

A concepção cristã de Jesus está formada, estruturando-se a partir dos evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João. Se novas correntes se vierem a desenvolver a partir da releitura das descobertas recentes, nada tenho a obstar (o que não significa que as venha a considerar legítimas); a Igreja Católica cumprirá o seu papel, afirmando-lhes a heresia e mais nada, porque mais não pode (e não sei se quereria: afinal, todos os anos faz cumprir o oitavário de oração pela unidade das igrejas).

A pergunta que surge é a seguinte: qual das leituras de Cristo é mais legítima? Tu conheces a minha resposta actual: Cristo é Deus e é Homem e a divindade comprova-se pela ressurreição. Se não tem ressuscitado, Cristo seria um profeta e nada mais; o cristianismo não existiria, da mesma forma que não existe o "Elianismo" ou o "Samuelismo".

O problema dos criadores nunca é a própria criação, é aquilo que os discípulos fazem com a criação. Pensa, por exemplo, que o idealismo Hegeliano está na base do materialismo marxista e e do nazismo! Mas Hegel escreveu o seu pensamento com as próprias mãos, o que nos permite ver a dimensão da deturpação feita às suas ideias. Cristo não fez nada disso, pelo que a sua verdadeira face é um mistério.

O que levou Santo Ireneu a escolher daquela forma? Para mim, foi a sua convicção de que era essa a verdade. As outras correntes eram, forçosamente, de expressão ínfima pois, de outro modo, teriam sobrevivido (lembro-te que, no séc. III não existia "a igreja", havia comunidades de cristãos e os cristãos ainda eram perseguidos)!

A escolha de Santo Ireneu é acolhida, sem excepção, por todos os cristãos: ortodoxos, católicos e protestantes.

Só mais uma nota: a Bíblia católica é a mais completa entre as cristãs, por ser aquela que mais livros comporta e, por exemplo, dentro dos "Salmos", aquela que os integra a todos.

Uma vez perguntei a um padre: a Igreja não devia repensar a inclusão do "Livro dos Números" e do Apocalipse na Bíblia? Que não, respondeu-me, "mesmo que nos causem engulhos, é preferível conhecê-los e dá-los a conhecer porque representam uma maneira de ver a Deus e ao mundo". E eu dei-lhe razão.

Não; Jorge, não, Miguel: a igreja não mexerá uma palha para esconder nem para "deturpar" os textos descobertos. Explicará a sua posição e pronto, os crentes devem segui-la. Mas isto sou eu que digo, porque gosto de acreditar na bondade humana e na lisura das intenções. Deixo a tessitura das conspirações para os desconfiados.

MeMyself&I disse...

Olá MPS

Gostei do texto e tocaste alguns pontos que me despertaram o interesse. Concordo com o que disseste e talvez tenhas razão.

Mas, deixemos as "cerejas" para mais tarde! Diz-me só, o Livro do Apocalipse não faz parte da Bíblia?! Então não faz?!.
Abraço

MPS disse...

Caro Miguel

Claro que o "Livro dos Números" e o "Apocalipse" integram a Bíblia (O "Apocalipse é o último livro do Novo Testamento)! Por achar que destoam do conjunto, sobretudo o "Apocalipse" é que eu perguntei ao padre com quem falei se a sua integração não devia ser repensada, ou seja: se não seria de excluí-los. Expliquei-me mal, concerteza.

As cerejas, aí estão e prometem ser doces, este ano. Partilharemos algumas, certamente.

Um abraço, Miguel.

MPS disse...

Lá tinha que sair gralha: além de me esquecer de fechar umas aspas, pus uma vírgula entre sujeito e predicado no último parágrafo.

MeMyself&I disse...

Ah, ok. Eu é que entendi mal. Quando mencionaste o "repensar a inclusão" presumi que estivesses a "incluir" o que ainda estava "excluído"! Consegui explicar-me?! eheheheheh
Deixa lá, já compreendi. Quanto às cerejas, é verdade!

Não me lembro muito bem do livro dos números, mas em relação ao Apocalipse, não me parece que destoe assim tanto. Digamos que serve os propósitos.

Abraço