06/07/2006

Dr. Baptista de Castro: uma decisão notável

A conversa é como as cerejas... Quem diria que, a propósito do 4 de Julho, iria chegar ao tema da condição feminina! Nos comentários ao post sobre o 4 de Julho referi o caso da Dr.ª Carolina Beatriz Ângelo, membro da "comissão sufragista" da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas. Perante a Lei eleitoral de 1911, Beatriz Ângelo tentou inscrever-se nos cadernos eleitorais, mas o administrador do seu bairro eleitoral negou-lho e remeteu o assunto para o Ministro do Interior que manteve a proibição. A sufragista levou o caso a tribunal e a sentença foi dada pelo juíz Baptista de Castro, nos termos que se seguem. O texto da sentença, aqui transcrito com cortes, está incluído em: Oliveira Marques, História de Portugal, vol. III, Palas Ed. 1983.

Considerando que o referido decreto, com força de lei, de cinco de Abril corrente, publicado no Diário do Governo do dia imediato, diz terminante e simplesmente que são eleitores e elegíveis os portugueses maiores de vinte e um anos, residentes em territórios nacionais e que souberem ler e escrever e forem chefes de família; e assim inclusive não só os homens mas também as mulheres, no significado natural e rigoroso da nossa língua, pois quando se diz Portugal tem seis milhões de habitantes entende-se que são homens e mulheres, aliás ter-se-ia de dizer, por exemplo, que são três milhões e meio de homens, o que seria até ridículo ou impróprio; e especialmente, Considerando que o texto legal que ainda hoje regula o assunto é o Código Civil, art.º 18.º e seguintes, em que corrente e terminantemente se diz que são cidadãos portugueses tanto homens como mulheres. (...)

Considerando que também está em erro evidente, perante os factos e a lei, querendo que não haja mulheres que sejam chefes de família, como a reclamente que, vivendo com sua filha menor e criados, é realmente chefe de família e, como tal, não podia ser excluída do recenseamento eleitoral sem disposição terminante que o ordenasse , porquanto a linguagem do n.º 2, do artigo do referido decreto de 5 de Abril corrente é manifestamente explicativa e taxativa, por isso:

Considerando que o legislador, se quisesse excluir as mulheres do recenseamneto eleitoral expressamente o podia e devia dizer tapando a porta que havia aberto com tanta franqueza e justiça; assim, considerando que o legislador da última república proclamada no Mundo, correcta e dignamente se colocou a par dos governos mais civilizados, como alguns da América, Austrália e Escandinávia, verdadeiros precursores na cruzada da civilização; (...)

Julgo procedente e provada a presente reclamação e mando que a reclamante seja incluída no recenseamento eleitoral em preparação no lugar e com os requisitos precisos. Intime-se.

2 comentários:

Jorge P. Guedes disse...

Grande Juíz!

Só que, no ano seguinte, o Governo de Salazar proibiu expressamente às mulheres o direito de voto, segundo creio. Ou estarei enganado?

MPS disse...

A proibição é real, mas foi do governo / Congresso da República. Em 1911 Salazar ainda andava por Coimbra, mastigando o integralismo.