11/07/2006

Rainha Santa

José Gomes Ferreira tem um poema que começa assim:

Procurei, em vão, um pássaro morto na floresta para, depois de profunda meditação, concluir: as aves quando morrem caem no céu.

Lembrei-me deste poema a propósito dos meus trabalhos em busca da imagem da rainha Santa Isabel da autoria de Teixeira Lopes. É a imagem que é usada na procissão solene que, cada dois anos, se faz em Coimbra e a ela é dedicada. Procurei em vão. Talvez porque Santa Isabel tenha pousado no céu. Valeu-me este blog, com fotografias belíssimas da procissão deste ano.

O calendário litúrgico estabelece o dia 4 de Julho como o dia da Rainha Santa e, próximo desse dia, a cidade de Coimbra organiza a procissão, num ritual que faz sair a sua padroeira de Santa Clara, estabelecendo-lhe pousada, por dois dias, na Graça.

A Rainha Santa, no dizer do P. António Vieira, fez dos míseros e enfermos a sua côrte. Não admira que o povo aflua e queira agradecer as bênçãos recebidas!

Por ordem de D. João III datada de 1556, a Universidade é obrigada a participar das comemorações, ordem que ainda não foi desacatada e que se traduz no 'cortejo dos Capelos'.

Estaria D. João III a ordenar que coubesse à ciência a expiação dos pecados políticos e de fé? Expiação tamanha! Tenebrosa inquisição!



São inúmeras as imagens de Isabel de Porugal. Até Goya, como podemos ver na pintura ao lado, lhe dedicou a sua atenção e a sua arte. É D. Isabel assistindo os enfermos. Segundo a lenda, apesar de ter falecido no Alentejo, num 4 de Julho escaldante, o seu corpo chegou a Coimbra a exalar um doce aroma.



A faceta da pacificadora está exemplarmente demonstrada nesta ilustração existente na Biblioteca Nacional.
Lá vai ela, interrompendo a batalha que opõe pai e filho, pedir a concórdia entre os dois. Historicamente podemos entender a guerra civil de D. Dinis contra Afonso IV como uma luta do feudalismo, mas em termos humanos representa a cobiça do filho que não quer esperar a morte do pai para herdar o que é dele. É também inveja do irmão, D. Pedro, Conde de Barcelos, estimado pelo pai. D. Afonso teme aquilo que considera ser a preferência de D. Dinis. No meio, sofre o povo e D. Isabel tenta a paz.

Mas D. Isabel era uma rainha, senhora da corte de D. Dinis, quiçá o mais sábio dos nossos monarcas. Se não o mais sábio, pelo menos o maior poeta. Ela aí está, interpretando bem o papel, compenetrada nos seus deveres de rainha (pintura de Zurbaran - séc. XVII.

Quer'eu en maneira de proençal
fazer agora um cantar d'amor
e querrei muit'i loar mia senhor,
a que prez nen fremusura non fal


Estaria D. Dinis a escrer para a sua rainha?


P.S. Mais tarde, o Dias com Árvores publicou estas fotografias belíssimas da procissão deste ano.

2 comentários:

Jorge P. Guedes disse...

Escrevendo "estaria D.Dinis a escrer para a sua rainha" queres insinuar que talvez estivesse, antes, a escrer para a sua amásia?
Para uma delas?
Chambladeira d'El-Rei,primeiro, e agora escogiteira ?!

MPS disse...

Tu tens, por força que me fazer rir! Ainda por cima dei-te eu as munições, mas vou querer ouvir-te a pronunciá-las!

Com que então, chambladeira e escogiteira! De D. Dinis sempre. Mas é por bem-querer!