18/07/2006

Guerra

Faz hoje 70 anos. Não interessa discutir, neste espaço, se a guerra civil de Espanha foi apenas uma guerra civil ou, pelo contrário, foi o início real da II guerra mundial. Hoje não me interessa discutir; apenas lembrar. Lembrar os ódios que cegam os irmãos; lembrar o absurdo da mortandade gratuita; lembrar que, pela primeira vez, em vez de um exército de homens defrontar outro exército de homens, um exército de aviões defrontou uma cidade indefesa: a força da ciência e da técnica a abater-se sobre os braços desarmados de velhos, mulheres e crianças. Lembrar a ferocidade ilimitada, tão brutal que ultrapassa a selvajaria.

A guerra civil de Espanha está bem presente na memória dos espanhóis e dos portugueses raianos. O extraordinário é que, desse conflito medonho, sobrou para a eternidade uma obra maior da pintura de sempre: Guernica, de Pablo Picasso. Como resistir a fazer a comparação entre ela e Os Fuzilamentos de 3 de Maio, de Goya?



Em ambas, uma luz estranha de candeeiro. Essa luz não está lá para servir a pintura, porque não se projecta segundo as leis da óptica. Essa luz, por um lado, identifica os assassinos (em Goya, os soldados franceses a quem não vemos o rosto; em Picasso, o céu de onde caíram as bombas alemãs) e, por outro lado, faz sobressair do conjunto aquilo que mais importa: as vítimas da barbárie, umas tombadas já, outras no último instante antes da queda. Dos tombados resta o sangue e os despojos. Os rostos dos que vão morrer gritam de estupefacção, de dor e de medo. Nós somos capazes de lhes ouvir os gritos, tal é a intensidade que os dois pintores conseguiram conferir ao conjunto e esses gritos fazem de nós testemunhas do crime. Mais testemunhas, ainda, do que aqueles dois grupos que ladeiam a cena principal. Em Goya, horrorizados, os homens cobrem o rosto para não ver; em Picasso, desesperadas, as mulheres erguem o rosto identificando os assassinos. Ninguém pode dizer que não viu e ninguém tem o direito de esquecer.

Assim é a guerra e a maldade humana! Aquela luz são os olhos de quem se recusa a não ver!

1 comentário:

Jorge P. Guedes disse...

Sem comentários, mas com memória.