06/07/2006

A Lição de Salazar


Cumpriram-se ontem, dia 5 de Julho, 74 anos sobre a tomada de posse de Salazar como Primeiro Ministro, Presidente do Conselho (de Ministros) como viria a ser designado pela Constituição de 1933. A data nunca mereceria a distinção de ser celebrada da forma como aquela outra que marcou a sua ascensão ao poder: 27 de Abril de 1928. Poderia ter sido, apenas, mais um ministro das finanças mas, pelas condições por si impostas e superiormente aceites, seria Salazar, de facto, a determinar a política do governo da ditadura militar.


Em 1938, o Ministério da Educação Nacional decide superiormente que todas as escolas do País deverão comemorar o décimo aniversário de tão solene data, encomendando uma série de sete cartazes intitulados A Lição de Salazar, que mandou litografar na Bertrand & Irmão Lda., a mais importante
empresa do ramo. Por orientação ministerial, os cartazes teriam de servir de base à lição do dia e todos os assuntos seriam leccionados a partir deles, que seriam colocados sobre o quadro preto. O cuidado chegou ao ponto de os cartazes medirem 1,12m x 0,78m e as dimensões oficiais dos quadros pretos serem de 1,20m x 0,9m!


Adoptou-se a mesma estrutura para os seis primeiros cartazes: no canto superior esquerdo, em tons esbatidos, imagens daquilo que é apresentado como o 'antes' de Salazar, que todos identificam como a I República, mas ninguém quer nomear (aliás, o estudo desse tempo foi banido dos programas de História). Em baixo, um pequeno texto explicativo do que foram as realizações do ditador e, a dominar o conjunto, imagem harmoniosa e bastamente colorida que ilustra a legenda. O último cartaz da série, síntese notável da trilogia do ditador, é o único que escapa a esta estrutura e é o mais colorido do conjunto.

Hoje, olho para esse cartaz e surpreendo-me com as incoerências: a mãe serve a refeição feita num lume que não existe; o pai que entra, asseadíssimo depois de passar a manhã a cavar a terra; objectos e alfaias agrícolas, imaculados, pendurados na parede; a filha que brinca com brinquedos acessíveis a poucos; a abundância mentirosa presente naquela cozinha revestida de panos brancos. Hoje, pergunto-me como é que as crianças das aldeias beirãs, transmontanas e alentejanas ouviam a prelecção do professor.

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