09/09/2006

Jornais

Não integro o grupo daqueles seres especiais que, antes de nascerem já liam jornais e, no fim da infância, já tinham digerido todos os clássicos. Como me custa chamar-lhes mentirosos, imagino-os para mim mesma como imensas e devoradoras gargantas sempre abertas, insaciáveis.

Associo as minhas primeiras leituras de jornal ao acto de lavar a loiça, vejam bem! Eu, infanta minúscula, implorava à minha mãe que ma deixasse lavar. Que não, eu era muito pequena e deixava-a mal lavada eram os argumentos habituais. Mas, de quando em vez, perdia o amor por malgas e pratos e lá me dizia que sim. Para que a parede não ficasse salpicada, forrava-se de jornal o bocado em que se encostava a selha. Não sei se foi o aspecto gráfico ou se foi a beleza das letras semeadas em código que despertou a minha atenção, o que sei é que, em vez de poupar tempo à minha mãe, constantemente a chamava para que me lesse as que tinham a cor vermelha, ou as que vinham destacadas de algum modo (aprendi depois que se chamava itálico). Aos poucos, fui querendo identificar as letras que ouvia repetidas nas lições de meus irmãos até que, certo dia, perguntei a minha mãe se aquelas letras escritas ali, no lugar que o meu dedo apontava, se liam assim. Que sim! Depois desse dia, os livros da escola passaram a abrir-se para que eu também aprendesse, com minha mãe por mestra. Desde então, associo o acto de ler a esses momentos de ternura que eram as horas debruçada sobre a mesa com o cabelo de minha mãe a acariciar-me o rosto enquanto o seu abraço me conduzia a mão e o olhar e a sua voz me corrigia a leitura.

Vem isto a propósito de jornais. Fechou O Independente que de independente só tinha o nome, vai ser lançado o Sol, título que não parece de jornal e o Expresso foi remodelado. Para que se compreenda o primeiro parágrafo, eu não leio o Expresso desde o seu início, porque em 1973 começava eu a entrar na adolescência, embora haja gente mais nova do que eu que jura a pés juntos que o leu desde o primeiro número. Comigo não foi assim porque era adolescente normal e os adolescentes normais lêem outras coisas. Tornei-me sua leitora assídua desde os meus 16 anos e só parei com isso vai para quatro anos. O motivo foi a remodelação. É que o Expresso tinha uma revista extraordinária recheada de artigos bem escritos que apetecia ir lendo ao longo da semana. A Revista foi transformada na Única , não passando esta de recolha de "faits divers", daqueles que se encontram em qualquer revista tonta (digo eu que as não leio). O meu amor pelo Expresso acabou aí e, com ele, as rotinas dos sábados de manhã. Hoje, propagandeada nova remodelação, voltei a comprar o jornal, agora em formato "Berliner". O caderno principal vem reduzido a 32 páginas das quais, três são páginas inteiras de publicidade. Das restantes, 14 têm metade do espaço ocupado com publicidade. Esta só não está presente nas páginas de opinião (págs. 28 e 29) e nas duas centrais. Tudo somado: as catorze metades são sete páginas, mais as três integrais dá a bela soma de 10 páginas de publicidade compradas sem querer (falta somar todos anúncios que não contabilizei)! Quanto à Revista? Mantém-se integralmente Única, por isso, cheia de pena, continuo sem motivos para voltar a comprar o Expresso. Vou tentar o Sol, talvez me faça esquecer o nome!

6 comentários:

Jorge P. Guedes disse...

Interessante o que escreveste, eivado daquela tua ironia suave e tranquila, de quem sabe o que diz e não escreve para se rever.
Posto o intróito, não tão necessário como devidamente merecido, passemos ao "Expresso".
Quando o começaste a ler, motivada pela revista e não pela moda ou snobismo de ser visto a olhar para ele, aos sábados, entre uma bica e um olhar pretensamente discreto para ver se alguém reparava no que se lia, pois tinha eu os meus 25/26 anos, casado recentemente, acabado de sair de uma certa forma de luta política vivida por dentro, na Faculdade de Letras.
Seria natural que um jornal novo, com um conceito de jornalismo nascido da etapa democratizante que se vivia, me atraísse tamto como a milhares de outros.
Devo dizer que nunca, desde a 1ª hora, gostei do formato - um lençol de papel! Inestético, pouco funcional, requerendo espaço para a leitura.
Mas, ainda assim, o que lá vinha dentro compensava, ainda que muitos artigos - pela sua extensão - tivessem ficado por ler.
Ao longo dos anos manteve orgulhosamente só a forma de atoalhado e foi empobrecendo o conteúdo jornalístico.
Especializou-se em anúncios e deles se foi alimentando.
A revista, que bem referes ter sido um pilar de qualidade, transformou-se - igualmente referes - num magazine de sala-de-espera que se folheia para ajudar a passar o tempo.
Há anos que perdi o hábito de o comprar com alguma regularidade.
Passou de um semanário ousado e sério para ser mais um a juntar a outros de fraca memória.
Nem mesmo sabia que se renovou.
Pelo que dizes, e eu confio plenamente, não vale o que custa...e não é nada barato!

"O Sol" tem sido amplamente divulgado na TV inquestionavelmente ainda o meio mais poderoso de comunicação.
O seu director, filho do saudoso António José Saraiva, tem-se desdobrado de canal em canal para proclamar ao mundo de potenciais leitores (ou clientes?)que vem aí um jornal como nunca houve outro.
Afirma ainda que,daqui por uns quatro anos passará a dar lucro.
Ora bem!
Das suas inflamadas palavras poderão resultar duas coisas:
A novidade sempre vendeu mais e, portanto, creio que as primeiras edições se venderão de forma satisfatória.
Mas, para desalojar o "Expresso" enraizado nos hábitos de muitos há imenso tempo, objectivo mal-confessado de José António, vai ter de se mostrar de facto diferente.
Pelo que ouvi ao director, não fiquei com a ideia de que uma "bomba" esteja para estourar na redacção e na administração(!) do "Expresso".
Mas como ainda não li o 1º número, guardo para depois mais considerações.
Mas, que "não me cheira a coisa fina"...lá isso não!
Oxalá me engane!

MPS, desculpa o tamanhão do comentário!

Um abraço.
Jorge

MPS disse...

Santo Deus, preciso do velho lençol do Expresso para me limpar, de babada que fiquei com o elogio!

Tenho tanta pena! É que lia com grande prazer, mesmo discordando de muita coisa, quase tudo o que lá vinha escrito - bem escrito. Ontem depararam-se-me artigos desinteressantes (o artigo que ocupa as duas páginas centrias,sobre o tráfico de droga, mais de metade era uma enorme fotografia e ilustrações exemplificativas de modus operandi dos traficantes; e o texto, fraquinho, contava como é que duas mulheres se tinham tornado correios de droga). A secção de opinião, que era tão boa, está transformada em coisa desinteressante. Enfim, não vale a pena continuar porque, ao insistir em manter o Daniel Oliveira, o Expresso conseguiu a proeza de me fazer achar graça à verve do Pereira Coutinho: este, ao menos, é inteligente e culto, o outro só é raivoso!

Vamos lá ver o Sol: pelo menos metade da redacção do Expresso foi com o seu antigo director. Pode ser...

MeMyself&I disse...

Não li todos os clássicos até ao final da minha infância, mas li toda a colecção dos Cinco antes dos 10 anos.

Confesso que nunca apreciei muit jornais, especialmente pelo motivo que o Jorge referiu - requerem imenso espaço para a leitura. Contudo, eu e o "Diário de Notícias" criamos um pequenos pacto de mútua aceitação. Eu não o compro sempre e ele não fica chateado quando embirro com os facciosismos políticos cada vez mais recorrentes.

Quanto ao Expresso, nunca o conheci. Já sou do tempo do "Espesso".

Abraço

MPS disse...

Então e "Os Sete" ficaram na gaveta?

Os jornais ocupam o espaço que quisermos: podem dobrar-se em dois, emquatro... É sempre assim que os leio, bem dobradinhos. Mas aquelas follhas enormes abertas no meio do chão enquanto nos debruçamos sobre elas, sentados no sofá dão-nos uma perspectiva muito interessante das escolhas e dos critérios jornalísticos.

Tu gozas com o espesso, mas olha que tenho umas saudades dele que nem fazes ideia! Diariamente é o DN que me acompanha,depois da perda do Diário de Lisboa.

Que lês tu, então, para te manteres informado?

Um abraço

MeMyself&I disse...

Findada a colecção de "Os cinco" comecei a de "Os Sete", mas já não era a mesma coisa. As aventuras "dos cinco" eram mais ligadas à natureza, a tesouros. Os "sete" já eram mais urbanos. Eu era um menino do campo... queria lá saber da cidade!

E sou um tipo meio desligado da actualidade, do dia-a-dia. Assim do género de um "burgesso" averso ao mediatismo. Não obstante, vejo o SIC Notícias enquanto estou ao computador (oi oiço, melhor dizendo) uma vez que tenho placa de TV, e leio várias edições online dos jornais da nossa praça. Chega-me. O restante tempo passo-o a deambular pelo mundo virtual. Geralmente acho que o passado é muito mais interessante que o presente.

Um abraço

MPS disse...

Burgesso, tu? Que dirá de si quem, de facto, o é?!

Afinal lês (e ouves) muita coisa! A diferença entre nós é que eu tenho esta relação umbilical com o papel! É preciso que se quebre, bem sei, é preciso proteger o meio-ambiente... mas a falta que me faz o tacto, o cheiro das folhas, o poder virar a página...

Quanto aos Sete estou inteiramente de acordo contigo.

Um abraço