17/11/2006

Neandertal

Podia passear-se entre nós. De calças de ganga, t-shirt desfraldada e boné na cabeça, ninguém daria pela diferença. Seria baixote, espadaúdo e cabeçudo, com arcadas supraciliares salientes e queixo recuado: quem não tem amigos assim?


O Homem de Neandertal, no entanto, não é um de nós. Assim ficou provado pela descodificação do seu ADN mitocondrial.

Há revelações científicas que entristecem. Esta entristeceu-me, porque me habituei a estudar os artefactos produzidos pelo Homo Sapiens Neandertalensis, a mirar-lhe os ossos, a tentar perceber-lhe o modo de vida… e a querer-lhe bem. Em tudo me convenci de que era um ancestral e que as diferenças no esqueleto se deviam a etapas distintas de evolução. Com toda a propriedade, era um sapiens, e com toda a certeza era um ser religioso porque sepultava os seus mortos, embelezando-lhes o corpo com ocre e cobrindo-os com pedras. Isso, acima de tudo, faz dele humano. Outro, que não um de nós, mas não menos que nós!



As primeiras ossadas apareceram antes de Darwin ter publicado As Origens das Espécies: primeiro na Bélgica (1833) e depois em Gibraltar (1848), mas ninguém lhes ligou meia. Em 1855 acharam-se aquelas que viriam a dar o nome à espécie, no vale (Tal) do Neander, na Alemanha, faz este ano 150 anos mas, de início, a comunidade científica interpretou-o como um ser humano deficiente. Só muito mais tarde, à medida que as teorias evolucionistas ganhavam credibilidade, é que se começou a dar-lhe importância.

Sabemos que viveu até há 30 000 anos e que o seu último refúgio foi a Península Ibérica. Pensou-se, devido à semelhança física, que se poderia ter cruzado com o Homo Sapiens Sapiens (Cro-Magnon, na Europa), e até se encontraram esqueletos que comprovavam tal hipótese, como a criança do Lapedo em Portugal e mais outros, na Croácia. Que isso não é verdade, é o que nos dizem agora os biólogos. Como contra factos não há argumentos, teremos de começar a tecer novas hipóteses para as ossadas que conhecemos, embora haja arqueólogos e paleontólogos que põem em causa as conclusões dos testes porque eles só permitiram recuar até há cem mil anos.

Não tendo havido cruzamento de espécies, o Homem de Neandertal passa a integrar o grupo dos hominídeos sem sucesso. Sobre a minha mesa pesam, agora, duas perguntas: extinguiu-se por si (por inadaptação, pelas mudanças climáticas que houve e provocaram alterações no seu habitat) ou extinguiu-se por ser incapaz de competir com a nova espécie que chegou aos lugares que ele ocupava? É verdade que a utensilagem lítica do Homem de Neandertal, sendo muito variada (lâminas, furadores, raspadores, pontas de lança, machados…) praticamente não evoluiu ao longo dos 150 000 anos da sua presença na Europa!



Tal como o Neandertal, o Sapiens saiu de África e dirigiu-se para a Ásia e para a Europa. De início, os utensílios que este fabricava eram semelhantes aos do primeiro, mas rapidamente foram aperfeiçoados e outros foram inventados, permitindo-lhe, por exemplo, caçar à distância e com maior eficácia devido ao uso do propulsor. Caçava sem se expor demasiado e, em competição, quem caça à distância não corre o risco de espantar a caça nem de ser ferido por ela. Quem não dispõe destas armas perde a capacidade de sobreviver e parte em busca de novos territórios, enquanto o mar lhe não barrar o avanço. O litoral português, sabemo-lo, foi o último refúgio do Homem de Neandertal.


Houve, afinal, segundo Génesis?

4 comentários:

Jorge P. Guedes disse...

Que hei-de comentar que não caia num resumo do texto?

As interrogações com que fico são as mesmas, afinal já pouco se sabe do que se pensava saber.

MPS disse...

Jorge:

eu não vejo isso com pessimismo, pelo contrário, encaro o assunto como um sinal da vitalidade da ciência. Agora, há que arregaçar as mangas, apontar todas as dúvidas que queremos ver esclarecidas e partir para o trabalho de campo e de laboratório. Depois se verá. E teremos a certeza de que aquilo que se vier a concluir não passará de uma verdade provisória, porque a dúvida é da essência da ciência.

No cantinho dos meus afectos, o Homem de Neandertal continuará a ocupar o lugar da primeira criação.

Um abraço.

MPS disse...

Essa é daquelas perguntas que me faço frequentemente!

Jorge P. Guedes disse...

Espero que não te importes com esta brincadeira para que fui desafiado e entres nela também.
Um abraço. Jorge

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Tinha que se dar. Mais cedo ou mais tarde a minha vez estava marcada. Quem se lembrou aqui do "Sino da Aldeia" foi a Braganzónia, que se auto-define assim:
"Reserva de índios situada no Parque Natural de Montesinho, rodeada pelas províncias de Trás-os-Montes [Portugal] e de Zamora [Castilla y León]. Nela sobrevivem ainda as 'Braganza Mothers' e outros nativos que ingenuamente teimam em resistir ao habitual desprezo do Poder de Lisboa."

Perante tais argumentos, como poderia resistir? Como demonstrar-lhe que Bragança, aqui a casa, chega e é terra de Portugal? Embora não goste nada de "correntes", sejam de que tipo forem, esta parece-me uma brincadeira engraçada e que nos dá a conhecer uns aos outros. E como, no fundo, pertencemos a uma comunidade...

Pois o desafio está aceite. Sendo obrigado, pelo regulamento, a dar conhecimento público do mesmo, aqui o têm:

REGULAMENTO
- Cada blogger participante tem de enunciar cinco manias suas, hábitos muito pessoais que os diferenciem do comum dos mortais.

- E além de dar ao público conhecimento dessas particularidades, tem de escolher cinco outros bloggers para entrarem, igualmente, no jogo, não se esquecendo de deixar nos respectivos blogs um aviso do 'recrutamento'.

- Cada participante deve reproduzir este 'Regulamento' no seu blog.