António Barreto já tinha escrito, no Público, um artigo sobre o afã legislativo do Ministério da Educação. Que digo eu? Barreto não escreveu; transcreveu um punhado de decretos, correcções dos decretos, explicações dos decretos, aditamentos às correcções e aditamentos às explicações, despachos normativos, explicações e correcções dos despachos normativos que, a toda a hora, brotam do Ministério da Educação como erva má em terra boa.
Grande parte das decisões legislativas vem do Parlamento e hoje deparou-se-me este primor: a Lei n.º 11/2008 de 20 de Fevereiro cujo intróito reza assim:
Lei n.º 11/2008 de 20 de Fevereiro
Procede à primeira alteração à Lei n.º 53/2006, de 7 de Dezembro, torna extensivo o regime de mobilidade especial aos trabalhadores com contrato individual de trabalho, procede à vigésima sexta alteração ao Decreto Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, que consagra o Estatuto da Aposentação, procede à segunda alteração à Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, procede à primeira alteração à Lei n.º 52/2007, de 31 de Agosto, e cria a protecção no desemprego de trabalhadores da Administração Pública.
Este assunto merece ampla reflexão, mas agora fico-me pela primeira, que é a da crescente subordinação do poder Legislativo ao Executivo. É do conhecimento público o mecanismo da produção legislativa, desde há alguns anos a esta parte: o governo quer, o governo propõe ou, se o não faz directamente, fá-lo através das instâncias partidárias da maioria; estas apresentam a proposta e a maioria no parlamento aprova. Tudo isto sem verdadeiro debate, porque debater implica ouvir os outros e implica, naturalmente, que quem faz a proposta tenha, ao menos, lido o que se propõe. Mas não! Os textos, parece, foram escritos à pressa, sobre o joelho, como quem tira notas enquanto alguém dita depressa de mais. Surgem as ideias e, sem qualquer maturação, imediatamente se fazem leis; como se não ouve quem as contradiz, o resultado é este absurdo legislativo de que a lei citada é exemplo flagrante e eloquente.
Tamanha incompetência é fruto da crescente falta de qualidade e preparação dos deputados. Os deputados, lembremo-nos, são eleitos em listas partidárias e escolhidos a dedo pelos partidos políticos. Grande parte dos nossos deputados a única coisa que fez na vida foi ser militante do partido. Ser militante tornou-se modo de vida, aquilo que põe o almoço na mesa e é por isso que eles não ousam, ou não sabem, pensar sem ser pela cabeça do chefe.
o partido da maioria, porque tem maioria, funciona como parido único;
quem legisla, de facto, é o Governo e o Parlamento limita-se a dizer que sim.
Onde é que eu já vi isto?
11 comentários:
Amiga MPS
Toda esta gente escreve para pensar, em vez de pensar para escrever, depois acontecem estes remendos com bocadinhos de lei!
Só nos falta o Alegre na Presidência, para termos Um Presidente, uma maioria, uma ditadura, perdão uma, democraCIA!
Belo texto, bom reparo, quém sabe, sabe.
Abraço
José Manangão
OLÁ!
Hahahahahaha! Este intróito é mais um EnTERRóito, já que sepulta uma longa série de outras disposições e mandados.
Fantástico!
Com o dinheiro que o estado gasta em papel nas disposições, contra-disposições, leis e contra-leis, emerdas e contra-emerdas, suplementos e complementos, convocatórias, moratórias e outras oratórias dispositórias supositórias, circulares, quadradas e triangulares...ufa!... bem podiam poupar e dar mais uns euritos aos funcionários. Mas não, nem sequer sabem "puxar ao voto"! Isto é que é ser mesmo...
Mas, por (não)falar em burros, há agora uma nova classe dirigente, melhor, dirigível, que acena com as orelhas enquanto lê as gordas dos jornalitos à borla nos belos aposentos da AR, antes da soneca da ordem de trabalhos.
Jogador de futebol não é para todos. Político, sim, poderá ser!
A única coisa exigida é uma cega obediência ao mestre que pica a burra!
Um abraço, que até me desgraço!
Jorge
P.S.(salvo seja!) - Quem removeu a mensagem anterior fui eu, incorrigível no defeito de não reler o que escrevo. É que, desde que amilu entrou ao serviço a minha dislexia tem sido galopante!
"...a MILU", apre!...
AH! E AINDA...
Grande texto o teu!
E adorei aquele lapsus da penúltima linha.
Mas que bem ficou!! O partido da maioria funciona, REALMENTE, como parido único!...
Hahahahaha! Fez-me lembrar quando escrevi que o cherne regressa sempre à sua.... lembras-te?!
Caro José Manangão
Obrigada pelas suas palavras.
Sabe, penso que há quem já tenha desaprendido de como se lê e se escreve, por isso assina de cruz!
Quanto ao Manuel Alegre (apesar de me entristecer alguma decrepitude de que vai dando mostras), penso que seria osso duro de roer para a actual maioria, ao contrário do actual Presidente que, tenho a certeza, vê o Primeiro Ministo como um filho dilecto.
Um abraço
Caro Jorge
Ah!Ah!Ah!Ah!Ah!Ah!Ah!Ah! Agora foste tu que me fizeste rir! Há cada lapso mais certeiro! Pois em tua homenagem ficará assim mesmo!
A do cherne? então não havia de me lembrar? Só é pena que não haja urzes no mar profundo!
Excelente metáfora, essa do "enterróito"!
Obrigada pela visita e palavras
Um abraço
A crescente subordina�o do poder legislativo ao executivo? Mas onde � que eu j� ouvi falar disto? Estou a viajar no tempo!
"E o que faz falta � avisar a malta do que faz falta."
Em dia de saudade, amiga, lembrei-me que a tua m�sica preferida � a do Zeca. A minha tamb�m e a dos seus amigos, Fausto, Adriano, S�rgio Godinho...
Quanta saudade! Quanta dor! Estaria com 79 anos! E tem-nos feito tanta falta!
Beijinhosssss
Cara Sophiamar
Excelente memória, a sua. Bem-haja por se lembrar.
Na adolescência, como hoje, continua a parecer-me o mais belo de todos os hinos, quando ele canta, e eu com ele:
"De não saber o que me espera
Tirei à sorte a minha guerra
Recolhi sombras onde vira
Luzes de orvalho ao meio-dia".
Um abraço
Amiga
Proponho-te um desafio, Estou a avisar-te de véspera, Escrever um post onde destacas doze palavras que são importantes na tua vida. Doze palavras integradas num texto onde deixes perpassar parte daquilo que és.
Pode ser?
Beijinhossssss
Cara Sophiamar
Eu agradeço que se tenha lembrado de mim, mas tenho que declinar o convite por dois motivos. O primeiro é o da relutância, por lhe não entender o alcance, de participar em correntes blogosféricas. O segundo é o da absoluta incapacidade de fazer de mim sujeito da minha própria narração. Não me leve a mal, por favor.
Um abraço
Enviar um comentário