01/02/2008

Regicídio

O CAÇADOR SIMÃO
(a Fialho d'Almeida)

Jaz el-rei entrevado e moribundo
Na fortaleza lobrega e silente ...
Corta a mudez sinistra o mar profundo ...
Chora a rainha desgrenhadamente ...

Papagaio real, diz-me, quem passa ?
_É o princípe Simão que vae à caça.

Os sinos dobram pelo rei finado ...
Morte tremenda, pavoroso horror !...
Sae das almas atónitas um brado,
Um brado immenso d'amargura e dor ...

Papagaio real, diz-me, quem passa ?
_É el-rei D. Simão que vae à caça.

Cospe o estrangeiro affrontas assassinas
Sobre o rostro da pátria a agonisar ...
Rugem nos corações furias leoninas,
Erguem-se as mãos crispadas para o ar !...

Papagaio real, diz,me, quem passa ?
_É el-rei D. Simão que vae à caça.

A Pátria é morta ! a Liberdade é morta !
Noite negra sem astros, sem faroes !
Ri o estrangeiro odioso à nossa porta,
Guarda a Infamia os sepulchros dos Heroes!

Papagaio real, diz-me, quem passa ?
_É el-rei D. Simão que vae à caça.

Tiros ao longe n'uma lucta accesa!
Rola indomitamente a multidão ...
Tocam clarins de guerra a Marselheza ...
Desaba um throno em subita explosão !...

Papagaio real, diz-me, quem passa ?
_É alguém, é alguém que foi à caça
Do caçador Simão ...

(Vianna do Castello, 8 d'abril de 1890.Guerra Junqueiro)

O caçador Simão era Carlos Fernando Luís Maria Víctor Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis José Simão: o rei D. Carlos. Guerra Junqueiro apela, inquestionavelmente, ao regicídio!


Formalmente, como todos os de Junqueiro, este é um poema magnífico. Mas é o conteúdo que agora me importa.

Nas duas primeiras estrofes acusa-se D. Carlos de ser mau filho, aludindo-se à sua ausência perante a agonia do pai. A ausência é real, mas D. Carlos fora enviado ao estrangeiro, numa daquelas viagens tão necessárias à educação dos príncipes reais. O príncipe cumpria o que lhe estava destinado!

As estrofes seguintes referem-se ao ultimatum britânico. “A Pátria morta; a liberdade morta”! A verve de Junqueiro é portentosa e a História contada por meio dá-lhe razão: Portugal recuou; os Braganças são os coveiros da grandeza Pátria! Mas isto é confundir, voluntariamente, a putrefacção do segundo rotativismo (esse sim, responsável pelas desditas nacionais) com o regime monárquico! Alguém, nos nossos dias, é capaz de responsabilizar a Presidência da República pela incapacidade dos partidos políticos enquanto governo e oposição?

D. Carlos foi um homem de bem, um homem da ciência e das artes. Na imprensa era ridicularizado (Eça, por exemplo) e apresentado como um ser vazio que apenas gosta da caça e da pintura. A demagogia tem destas coisas e o recurso à calúnia esteve sempre à mão de muitas campanhas políticas. É bom lembrar que escritores e caricaturistas tinham acesso livre à imprensa e também é bom lembrar que o Partido Republicano teve deputados eleitos no tempo de D. Carlos!

Matou-se o rei e D. Luís, o príncipe real. Dois anos depois implantava-se a República. Na primeira lei eleitoral da República retirou-se o direito de voto aos analfabetos. Na segunda retirou-se, explicitamente, o mesmo direito às mulheres. Qual o regime mais tacanho?

A democracia que agora somos devia ser capaz de prestar a devida homenagem a D. Carlos. Infelizmente, hoje como ontem, os demagogos estão a levar a melhor. Quem preza a justiça e a verdade não pode silenciar-se. Como republicana senti que tal responsabilidade me pesava mais.

13 comentários:

Chanesco disse...

Cara MPS

Rei morto, presidente posto!

Não tenho opinião quanto ao voto de pesar a aprovar pelos deputados (se sim, se não), mas penso que a Assembleia deveria não ser tão faxiosamente republicana e respeitar um pouco mais a história de Portugal.

Um abraço

MPS disse...

Prezado Chanesco

Na I República, o Presidente era eleito por via indirecta: os já tão escassos eleitores não eram tidos nem achados, pois eram as duas câmaras do Congresso (adoptara-se o bicameralismo)que, de entre os seus membros, escolhiam o Presidente. Desse modo, o Presidente esteve sempre refém do Parlamento. Mas esta é outra história.

Quanto ao voto de pesar. Pouco importam para o caso os votos de pesar do Parlamento: ao contrário do que afirmou Fernando Rosas (que a sabe toda, caso contrário não teria usado tal argumento), um voto de pesar representa simplesmente o desgosto por uma vida ceifada antes do tempo; jamais poderia ser uma tentatativa de reescrita oficial da História! (Ainda tenho que ver se o Bloco de Esquerda nunca votou no Parlamento um voto de pesar pela morte de ninguém!)

Francamente, o que mais me dói nisto tudo é o significado de tal recusa, porque ela implica ver no assassinato de D. Carlos o acto fundador da República, em vez de o colocar no 5 de Outubro! E isso é trágico porque pressupõe que há ainda quem defenda que existe o direito de matar em nome de uma ideologia. É a defesa mais perturbadora das tiranias que tenho ouvido nos últimos tempos. E mais perturbadora porque feita na casa da democracia!

Depois vem o lado da História. Investigar com pressupostos ideológicos (eufemismo para preconceitos)significa, sempre, não ser capaz de ver todos os lados do assunto, implicando uma visão distorcida e acientífica da realidade. Fernando Rosas, no Parlamento, prestou um mau serviço à História. É que, estudando a fundo o assunto, terá que se concluir que o problema político não estava na monarquia nem no rei, antes, nos partidos políticos que perderam o seu ideário e agiam conforme as circunstâncias. É disso que Rosas tem medo, que nós, hoje, compreendamos que o mal está nos partidos que temos e não no sistema. Argumenta com a História com objectivos políticos. Nesta visão estreita, retirar as trevas do retrato de D. Carlos significa retirar argumentos à República. E eu digo: ora bolas, a República tem que assumir os seus erros na exacta medida em que propagandeia os seus feitos!

Desculpe esta arenga toda, mas estou farta de ver ideologias a serem pregadas como verdade. Em todo o caso, devo dizer que não subscreveria o texto proposto para votação.

Há tanto para estudar neste assunto!

Um abraço

Bloga Comigo disse...

Uma alusão a um trágico acontecimento na História de Portugal no dia em que passou, precisamente, um século. Infelizmente, a nossa democracia, não soube, não foi capaz de prestar a homenagem devida. Assim não se escreve a História! Pela verdade, pela imparcialidade, pela justiça deveria tem sido outro o comportamento daqueles que elegemos. Afinal, caminhamos ou não para os nove séculos de história independente? A ver vamos!

Bjos

MPS disse...

Bloga comigo

Que bom, que concorda!

Tenho para mim que a melhor homenagem que se podia prestar, não apenas a D. Carlos, mas à democracia liberal moldada pela Carta Constitucional é, precisamente, o modelo constitucional escolhido com a liberdade de Abril, que pouco tem a ver com o modelo da I República. Fernando Rosas sabe disso muito bem, mas não o quer dizer!

Um abraço

Anónimo disse...

Fair Play Republicano Lusitano ?

MPS disse...

Anónimo

Não me parece muito justo meter todos os republicanos no mesmo saco. Eu própria, como disse no final do artigo, sou republicana. Convictamente republicana!

Cumprimentos

Anónimo disse...

Meus amigos
Para mim,discutir a Monarquia é o mesmo que discutir Religião, são coisas que não se discutem: aceitam-se ou não!
E depois, passados que estão 100 anos, será que: não existem coisas mais importantes para serem postas à aprovação na Assembleia da Républica? O régicidio quanto a mim é uma enferméride como outra qualquer.
Vamos tratar melhor dos vivos!
Um abraço, para todos
José Manangão

MPS disse...

Caro José Manangão

E discutir a República, pode-se?

Tenho opinião diferente da sua: questionar a forma de regime é salutar para o próprio regime. Não permitir tal discussão significa colocar o assunto ao nível do dogma. Francamente, dogmas só os da religião. E para os crentes!

Gostei, no entanto, de encontrar uma voz discordante.

Um abraço

Anónimo disse...

Minha querida amiga MPS!
A Républica pode, discutir-se porque, ela existe,ainda assim eu não discuto a Républica o que eu discuto é, a forma de gerir a Républica.
Admito até que,daquí por 100 anos Portugal possa vir a ser novamente uma Monarquia mas...se eu cá estiver, vou lutar para que isso não aconteça, assim como os Monarquicos vão lutar pela Monarquia.
Não sou dogmático, apenas penso que esta discussão não faz sentido e tambem não penso, igual ao Fernando Rosas!
É um facto que a Républica, tal como a Monarquia, ainda não resolveu todos os problemas da nossa sociedade,mas...os 800 anos de Monarquia, tambem não os resolveram, não é verdade?
Querida amiga, queira aceitar o meu repto com todo o respeito que me merece.
um abraço
josé manangão

Anónimo disse...

Querida amiga MPS
No comentário anterior, apareço como anónimo, não sei porquê,quero que saiba não ser essa aminha intensão!
Abraço
José Manangão

MPS disse...

Caro José Manangão

Acredite que gosto que discordem de mim, e o José está a fazê-lo com garbo!

Da sua intervenção destaco o seguinte:

acredita que os monárquicos lutam pela monarquia. Confesso que olho à volta e não vejo nada! A discussão do regime seria bem mais interessante se eles apresentassem alguns argumentos - um só que fosse. Mas nada, só presunções tolas!

Acredita que, daqui a cem anos, Portugal permanecerá. Nisso estamos de acordo. Incluo Portugal no nível do eterno e nada me fará desviar de tal confiança.

Quanto ao resto mantenho a minha discordância por considerar que pensar o regime contribui para que ele saia reforçado.

Um abraço

Porca da Vila disse...

Por muito que alguns queiram, o assassinato de D. Carlos e do Príncipe continuará a ser uma nódoa vergonhosa na História da República. E já era tempo, num tempo em que na Alemanha se pedem desculpas aos Judeus, que a República assumisse os erros do passado e mostrasse maior nobreza e carácter nas suas decisões.

A História não se apaga, ao contrário do que pensam Rosas e quejandos. Por isso eu sentirei sempre vergonha de que a minha República tenha matado de forma tão cobarde para se impor. E assim ficou perdida mais uma oportunidade boa para homenagear condignamente quem, para todos os efeitos, foi Rei deste país.

Um Xi Grande

[Uma valente constipação desde o último sábado teve-me praticamente arredada destas 'lides' e pouco mais fiz do que responder aos comentários que me iam deixando lá na Reserva. Suponho ter sido no Domingo que passei aqui, li o artigo, mas não consegui ter cabeça para escrever duas linhas.]

MPS disse...

Caríssima PV

Felizmente está melhor. Mas deixe que lhe diga que a constipação lhe deixou o verbo intacto. E# que verbo!

Um abraço

P.S. Agora sou eu que peço desculpa por me demorar na resposta: dias de 12 horas de trabalho deixam-me sem fôlego para nada.