Deu à sola no instante em que a rapariga lhe anunciou a gravidez: a criança, afirma, tanto pode ser dele como de outro qualquer.
O tipo tem mau ar e o rosto marcado pelo vício de que não fala. A rapariga vê-se só. Só falo em rapariga porque ninguém é adulto bastante para aguentar a solidão e o sofrimento. No seu BI pode ver-se que ultrapassa em muito os trinta anos.
A criança nasceu e a mãe está desempregada. Depois de terminar o seu, compra a primeira lata de leite com o dinheiro de uma entrega prostituída. Lava-se com lixívia e percebe que não é capaz de trilhar aquele caminho. Aos três meses, entrega a menina a um casal que a recebe como uma bênção. Do acto fazem escritura notarial.
Na certidão de nascimento da menina estava escrito que era filha de pai incógnito, situação que a lei portuguesa rejeita há trinta anos. O tipo de que falei acima recusara-se a dar o nome à filha mas, como a lei exige que a mãe indique nomes possíveis, lá estava o dele como único figurante.
O tribunal convocou o tipo para que realizasse testes de ADN, mas o tipo não compareceu. O tribunal, então, mandou a GNR a casa do tipo e foi assim, de modo coercivo, que o tipo facultou a gota de sangue necessária para atestar a paternidade. Passara mais de um ano!
Entretanto, o casal que recebera a menina iniciara o processo de adopção. O tipo agora sente-se valente, requer o poder paternal, o tribunal dá-lhe razão e ordena a devolução da menina ao tipo. Os pais da menina recusaram-se a cumprir a ordem. Em nome da verdade, da justiça e da moral não se pode chamar outra coisa a este casal. Eles são os pais! A mãe vai mudando de casa enquanto o pai se apresenta diariamente no seu local de trabalho. É sargento do exército português e o tribunal, vendo nele presa fácil, acusa-o de desobediência e de sequestro. Seis anos de cadeia é o veredicto unânime dos três juízes do tribunal, acrescidos de uma indemnização de 30 000€ a pagar ao tipo que, coitadinho, tem vertido muitas lágrimas por não poder ser pai.
Da última vez que lhe vi a cara já não tinha aquele ar mau. Agora também é calhorda, tão calhorda como os três juízes que decretaram a sentença e insistem em que é do superior interesse da menina – agora quase com cinco anos – ser entregue a um tipo que a não quis e a quem nunca viu.
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3 comentários:
Cara MPS
Diz-se que a justiça é cega e é bem verdade. Eu até diria mais: que tem falta de tacto, porque a única lei que se impunha aplicar num caso destes, era a lei do bom senso.
Àlem do mais, parece-me que o calhordas não tinha esperteza suficiente para tomar a iniciativa de interpor uma acção judicial contra o casal adoptante.
Alguém lhe deve ter assoprado, que ele como pai biológico tinha direitos, a pensar numa mais que previsível indeminização e na respectiva percentagem para honorários sobre a mesma.
Um abraço e bom fim de samana
Caro Chanesco, parece que estudámos pela mesma cartilha. Aquilo que escreveu no comentário também o pensei, só não o verbalizei.
Quanto à cegueira da justiça, tenho para mim que ela deve ser cega mas não estúpida!
Um abraço
Porca da Vila:
apontou uma das grandes imperfeições da nossa democracia, que é a da inimputabilidade dos juízes: decidem o que querem, como querem, seguindo a sua interpretação da lei. A justiça, às vezes, parece que é a única coisa que lhes não importa e esgotam-se, aplaudindo-se a si próprios, em malabarismos interpretativos e argumentativos, próprios da dicussão académica mas que deveriam estar arredados dos julgamentos: porque a vida das pessoas não é uma hipótese académica!
Os juízes foram os únicos agentes de poder que escaparam ilesos ao 25 de Abril. Talvez isso justifique muita coisa.
Um abraço
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