O CAÇADOR SIMÃO
(a Fialho d'Almeida)
Jaz el-rei entrevado e moribundo
Na fortaleza lobrega e silente ...
Corta a mudez sinistra o mar profundo ...
Chora a rainha desgrenhadamente ...
Papagaio real, diz-me, quem passa ?
_É o princípe Simão que vae à caça.
Os sinos dobram pelo rei finado ...
Morte tremenda, pavoroso horror !...
Sae das almas atónitas um brado,
Um brado immenso d'amargura e dor ...
Papagaio real, diz-me, quem passa ?
_É el-rei D. Simão que vae à caça.
Cospe o estrangeiro affrontas assassinas
Sobre o rostro da pátria a agonisar ...
Rugem nos corações furias leoninas,
Erguem-se as mãos crispadas para o ar !...
Papagaio real, diz,me, quem passa ?
_É el-rei D. Simão que vae à caça.
A Pátria é morta ! a Liberdade é morta !
Noite negra sem astros, sem faroes !
Ri o estrangeiro odioso à nossa porta,
Guarda a Infamia os sepulchros dos Heroes!
Papagaio real, diz-me, quem passa ?
_É el-rei D. Simão que vae à caça.
Tiros ao longe n'uma lucta accesa!
Rola indomitamente a multidão ...
Tocam clarins de guerra a Marselheza ...
Desaba um throno em subita explosão !...
Papagaio real, diz-me, quem passa ?
_É alguém, é alguém que foi à caça
Do caçador Simão ...
(Vianna do Castello, 8 d'abril de 1890.Guerra Junqueiro)
O caçador Simão era Carlos Fernando Luís Maria Víctor Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis José
Simão: o rei D. Carlos. Guerra Junqueiro apela, inquestionavelmente, ao regicídio!

Formalmente, como todos os de Junqueiro, este é um poema magnífico. Mas é o conteúdo que agora me importa.
Nas duas primeiras estrofes acusa-se D. Carlos de ser mau filho, aludindo-se à sua ausência perante a agonia do pai. A ausência é real, mas D. Carlos fora enviado ao estrangeiro, numa daquelas viagens tão necessárias à educação dos príncipes reais. O príncipe cumpria o que lhe estava destinado!
As estrofes seguintes referem-se ao ultimatum britânico. “A Pátria morta; a liberdade morta”! A verve de Junqueiro é portentosa e a História contada por meio dá-lhe razão: Portugal recuou; os Braganças são os coveiros da grandeza Pátria! Mas isto é confundir, voluntariamente, a putrefacção do segundo rotativismo (esse sim, responsável pelas desditas nacionais) com o regime monárquico! Alguém, nos nossos dias, é capaz de responsabilizar a Presidência da República pela incapacidade dos partidos políticos enquanto governo e oposição?
D. Carlos foi um homem de bem, um homem da ciência e das artes. Na imprensa era ridicularizado (Eça, por exemplo) e apresentado como um ser vazio que apenas gosta da caça e da pintura. A demagogia tem destas coisas e o recurso à calúnia esteve sempre à mão de muitas campanhas políticas. É bom lembrar que escritores e caricaturistas tinham acesso livre à imprensa e também é bom lembrar que o Partido Republicano teve deputados eleitos no tempo de D. Carlos!
Matou-se o rei e D. Luís, o príncipe real. Dois anos depois implantava-se a República. Na primeira lei eleitoral da República retirou-se o direito de voto aos analfabetos. Na segunda retirou-se, explicitamente, o mesmo direito às mulheres. Qual o regime mais tacanho?
A democracia que agora somos devia ser capaz de prestar a devida homenagem a D. Carlos. Infelizmente, hoje como ontem, os demagogos estão a levar a melhor. Quem preza a justiça e a verdade não pode silenciar-se. Como republicana senti que tal responsabilidade me pesava mais.