22/08/2006

Günter Grass

Há gente que já nasceu velha e, por causa disso, não faz a mínima ideia do que é ter dezassete anos. Andam por aí, a sujar os noticiários e as estantes de quem lhes compra o que escrevem, igual, agora, ao que escreveriam com 17 anos ou que escreverão aos cem se lá chegarem.

São caras de cu à paisana. À paisana por fora porque, por dentro, vestem a farda da perfeição que os impede de errar. Os seres perfeitos não mudam de ideias nem hesitam e é por isso que não sabem o que é o conflito de cada um consigo próprio. Arvoram-se em juízes do mundo e acirram-se mais quando constatam que aqueles a quem estenderam tapetes de flores, afinal, não integravam as hostes dos senhores da perfeição.

Somos tão tontos quando temos 17 anos! Como era ter 17 anos em 1945, ser de nacionalidade alemã e ser convocado para a guerra? Que pensa da guerra um garoto de 17 anos amante da sua pátria? Não sei responder a estas perguntas, mas anseio pela tradução portuguesa do Descascar a Cebola porque me há-de esclarecer. Sem resposta ficam as minhas perguntas àqueles que, tendo ultrapassado em muito os anos da adolescência, teimam em encontrar explicações para os crimes do Pol Pot as revoluções culturais maoistas, etc. ou, do outro lado, as ditaduras sangrentas dos Pinochets deste mundo. Mas eles são perfeitos! Cá por mim prefiro alinhar com aqueles que, sentindo vergonha, vestem-se de coragem e têm a suprema honradez de o confessarem.

O Tambor continuará a honrar a minha estante.

6 comentários:

Jorge P. Guedes disse...

Publiquei já, e nem todos o terão lido, um artigozinho sobre a confissão de Günter Grass.
Ele próprio refere que se tratava de uma confissão que lhe oprimira o peito ao longo de tantos anos.
Fui reler esse artigozinho.
Nele, confirmo-o agora, limito-me à tradução de uma pequena parte da longa entrevista, que li em italiano.
Tradução sem comentários.
Assim. Para pura reflexão.
Ao ler o teu artigo, achei por bem comentar as palavras de Grass.
A vida é feita de opróbrios e de medalhas.
Aos 78 anos e com uma obra digna e vasta, não necessitaria Grass de qualquer golpe publicitário promotor, tantas vezes, dos medíocres - mesmo os de alta-roda e largas vendas!
O escritor apenas sentiu a urgência de dar conhecimento por voz própria de algo de que nunca se poderia orgulhar.
Fê-lo também, talvez, como exemplo de que a verdade deve sempre nortear os homens embora expondo-se à condenação dos que nunca tiveram 17 anos e uma família rígida e opressora.
"Il tamburo di latta" terá o título que vier a ter em Portugal.
Já tem, seguramente, um lugar na prateleira de cima da minha estante.

Obs:Não entendi o "Descascar da Cebola". Mea culpa est!

MPS disse...

Começando pelo fim, claro que é gralha minha, pois o título da autobiofrafia de Grass tem vindo a ser traduzido por "Descascando a Cebola".

Li o artigo que publicaste sobre o assunto e entendi-o, precisamente,da forma como acabaste de o descrever e foi por isso que comentei,limitando-me a dar a minha opinião acerca da notícia terminando, salvo erro, dizendo que a confissão elevava o autor aos meus olhos. Mas depois disso muitas vozes se ergueram, enxovalhando quem não merece ser enxovalhado, chegando ao ponto de exigir que lhe seja retirado o prémio Nobel!

Foi esta campanha que inspirou o artigo que escrevi, campanha promovida por gente que lhe inveja a obra mas que não tem unhas para escrever nada que se lhe compare. Por serem pessoas sempre prontas a ferrarem o aguilhão é que lhes chamei 'perfeitas': nada podem ter nas suas vidas que lhes possa ser apontado, para serem tão lestas a apontarem os pecados dos outros. Cristo chama-lhes 'raça de víbora's e 'túmulos caiados', mas eu não sou Cristo para conhecer o coração dos homens, por isso me curvo perante a sua perfeição mas escolho o lado dos que erram e sentem a culpa dos seus erros. Porque eu também erro!

Jorge P. Guedes disse...

Muito bem!
Quanto às vozes de...
deixa que elas não chegarão ao céu!

MPS disse...

Mas ferem os ouvidos terrenos!

MeMyself&I disse...

Nunca gostei do Grass, mas, contudo, não obstante, todavia (está bem temperado de adversativas?) isso não significa que condene, seja por que meios for, a atitude do homem. Quem nunca sentiu no peito a opressão das palavras escondida ou é hipócrita ou analfabeto.

Abraço

MPS disse...

Adorei o tempero, Miguel!