Como rainha parida
Varejada, vindimada,
Já cumpriu a sua vida.
No travesseiro de folhas
Há manchas tintas de mosto
E o povo baila com gosto
Por ter o pão que merece
Mas nada perturba o rosto
Da rainha que adormece
Magnífica e sozinha
Miguel Torga
O Torga que me perdoe se houver enganos nesta transcrição, mas cito-o de cor. De memória sim, mas também do cor que é o coração!
A memória funciona, para mim, como instrumento de preguiça: sei que sei e não me dou ao trabalho de ir verificar, mesmo que me baste levantar da cadeira e esticar o braço. Nem preciso de olhar, porque sei qual é o lugar dos amigos mais queridos; conheço-os pelo tacto e pela espessura da lombada.
Há, neste poema, uma ironia enorme, na comparação inicial que determina o desfecho: a rainha parida que já cumpriu a sua vida: acabaram-se-lhe as dores e a função; pode descansar ela e sossegar o reino, que a descendência está assegurada como o pão para a boca e o vinho para o deleite.
A tarde desemboca na noite. Será a noite da rainha sinal de fim? Ou será, cumprido o dever, a possibilidade de descansar dele e de destinar o resto do tempo ao sonho?
Varejada, vindimada,
Já cumpriu a sua vida.
No travesseiro de folhas
Há manchas tintas de mosto
E o povo baila com gosto
Por ter o pão que merece
Mas nada perturba o rosto
Da rainha que adormece
Magnífica e sozinha
Miguel Torga
O Torga que me perdoe se houver enganos nesta transcrição, mas cito-o de cor. De memória sim, mas também do cor que é o coração!
A memória funciona, para mim, como instrumento de preguiça: sei que sei e não me dou ao trabalho de ir verificar, mesmo que me baste levantar da cadeira e esticar o braço. Nem preciso de olhar, porque sei qual é o lugar dos amigos mais queridos; conheço-os pelo tacto e pela espessura da lombada.
Há, neste poema, uma ironia enorme, na comparação inicial que determina o desfecho: a rainha parida que já cumpriu a sua vida: acabaram-se-lhe as dores e a função; pode descansar ela e sossegar o reino, que a descendência está assegurada como o pão para a boca e o vinho para o deleite.
A tarde desemboca na noite. Será a noite da rainha sinal de fim? Ou será, cumprido o dever, a possibilidade de descansar dele e de destinar o resto do tempo ao sonho?
6 comentários:
Difícil é comentar aqui tão belo poema.
Fácil é gostar da serena beleza das imagens que o enquadram.
A entrada na noite, o aproximar do fim desta tarde da vida, é inexorável. Há que aceitar a sua chegada de forma serena e grandiosa, quando os que cá ficam têm motivos para festejar na longa tarde que ainda lhes resta.
Todo o sofrimento que possamos ter tido, todo o sangue que tenhamos derramado , terão valido a pena (serão "manchas tintas de mosto")se "o povo baila com gosto por ter o pão que merece".
Pode, então, chegar o fim da vida
(o cair da tarde)que nada perturbará o ´solitário descanso de quem morre.
É desta forma que leio o poema, no qual Torga - muito a seu gosto - associa Homem e Natureza de uma forma admirável.
Este ser-se terra e entender-se húmus sempre me seduziu em Torga e é por isso que a tua interpretação do poema me parece certeira.
"Certeira" como a pontaria de quem acertou em cheio no alvo?
"Certeira" porque adequada, correcta ?
"...e é por isso que a tua interpretação do poema me parece certeira" significa que é só por isso ?
Será "certeira" o adjectivo certo, tendo tu sido "certeira" na opção pela palavra?
Foste "certeira" como a pequena e direita escopeta ao fazer fogo contra o alvo?
Que rol de interrogações à roda de uma simples palavra!
Certeira a tua interpretação, porque atingiu o cerne do poema. Isso quer dizer que puseste a luz certa sobre as palavras do poeta, devolvendo-lhe a dignidade que a minha, quase, brincadeira lhe sonegava.
Certeira a minha escolha? A pólvora da escopeta não pode ser disparada, simplesmente,como forma de saudação?
Claro que pode, claro que pode!
Pum! Pum! Pum!
Foi uma salva!
Desculpem, mas não resisto jorge - depois desses "pum" todos, só falta dizeres "Morra o Dantas! Pim".
Perdoem-me, ehehehehe.
Enviar um comentário