24/06/2006

Esforços em vão

O ritmo da representação teatral evidenciava a descarga nervosa do exame terminado havia poucas horas. As personagens sucediam-se umas às outras; as entradas em cena, velozes, poupavam à protagonista o esforço do improviso, tão necessário ao entretenimento do público, enquanto o actor se prepara para o desempenho de mais uma personagem. Representava-se o Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente, auto que fora estudado e amado, como o provava a adesão de toda a turma ao projecto, desenvolvido e levado a cabo com poucas ajudas.

Nunca um frade me pareceu tão cómico, nunca a sua amante, um travesti apimentado, me fez rir tanto! Nos bastidores, enquanto assegurava a entrada ordenada das personagens, ia respondendo com um sim, sincero e entusiasmado, à pergunta: "estive bem?"

O pano fechou-se e voltou a abrir-se, porque havia mais um julgamento, imprevisto para todos menos para os actores. O diabo desfiou o rosário dos pecados do morto, destacando o principal:

Ensinou-me, vejam bem, o que é essa coisa horrenda da democracia!

O resto não importa. Quanto a mim, reforcei a convicção de que, enquanto formos capazes de ensinar aos jovens o que é a democracia, a velhacaria sairá derrotada. Bem-hajam eles!Muitos há que se esforçam por alcançar outras coisas, mas o seu esforço é em vão.

23/06/2006

Ainda o exame de Língua Portuguesa

As perguntas de interpretação sobre o poema de David Mourão-Ferreira eram interessantes: pediam que se explicasse, interpretasse e justificasse. De cruz, apenas cinco questões, todas elas referentes ao artigo da PROTESTE.

Quanto à gramática, é de estarrecer:

1 - nove palavras para agrupar "de acordo com a posição da sílaba tónica", estando os grupos devidamente identificados: agudas / graves / esdrúxulas.

2 - classificar como transitivos ou intransitivos os verbos da frase: "No final da aula, a Camila arrumou a mochila; depois, enquanto lanchava, trocou apontamentos com uma colega e foi estudar."

3 - transformar discurso directo em discurso indirecto.

4 - distinguir substantivo de adjectivo;

5 - identificar, numa lista de seis palavras, quais as que são compostas e quais as que são derivadas, sem ser necessário classificá-las.

E foi tudo. Tudo, que se resume a um conhecimento gramatical ao nível da escola primária (perdão: primeiro ciclo).

A prova de aferição do sexto ano era muito mais exigente do que esta prova de exame! Uma, e só uma, é a conclusão a tirar: dificulta-se a primeira, porque serve para avaliar os professores, para provar que não prestam; transforma-se a segunda em sopa rala, para que não haja reprovações.

Os caminhos ínvios hão-de, forçosamente, desembocar no abismo.


Continuo a prantear-me por estes dois!

21/06/2006

Exame de Língua Portuguesa

Camões? Ná!
Gil Vicente? Abrenúncio!

Nem Camões, nem Gil Vicente, segundo os altos critérios de quem realiza as provas de exame de Língua Portuguesa para o 9.º ano, têm dignidade bastante para que, sobre eles, se pergunte qualquer coisa. Qualquer coisinha, o nome que seja! Que importância têm os dois, comparados com artigos da revista da DECO e com a entrada "combatente" do Dicionário Huaiss? Se Brízida Vaz e Onzeneiro; Velho do Restelo e Adamastor fossem nome de alguma ONG ou se pudessem ser reduzidos a verbete, talvez merecessem figurar no exame. Mas não podem e, por isso, não mereceram a distinção.

O início prometia: um poema de David Mourão Ferreira fugia do óbvio. Mas depressa sobressaiu a aridez.

18/06/2006

Álvaro Cunhal

Acabei de ler num blog, a transcrição da carta de Álvaro Cunhal que, a seguir, se reproduz. O contexto era a sua ausência clandestina em Moscovo e a morte do pai e do cunhado. A irmã de Cunhal, destinatária da carta, nunca a recebeu. As mãos ávidas da PIDE desviaram-na.



Moscovo, 1 de Março de 1966

Minha muito querida irmã:

Terríveis notícias me chegaram nos últimos tempos: o suicídio do Fernando, a Morte do Pai. Que te posso dizer das lágrimas que chorei e choro, e de todas as razões delas, e das mil inquietações para que não tenho resposta? Por via indirecta, recebi as duas notícias. Secas, sem qualquer referência a mais. Nada mais sei, a não ser o que suponho.

A grande distância, o não ter visto mais o Pai, o não ter podido dizer-lhe um último adeus e uma última palavra, são dores irreparáveis. Sofreste mais de perto, querida irmã, mas não isto. E o que ele terá sofrido. Esforçado e paciente decerto, mas decerto também inconformado e profundamente triste. Perdemos a pessoa que mais nos amava, que melhor nos compreendia e a quem devemos elevadas lições de honestidade e isenção pessoal. Por isso não perdemos tudo. Apenas lamento, se ele o não sabia.

Chorando os mortos, penso nos vivos, querida, muito querida irmã. Penso em ti, na mãe cega, nos teus filhos, na vossa situação. Que posso eu fazer por vós? Eu sei (e é necessário que tu saibas também) que algo posso fazer. Continuo a ser o teu irmão infinitamento amigo, o teu irmão de sempre. Conta comigo, querida irmã.

À nossa pobre mãe, diz que vos escrevi algumas linhas, que sofro por não vos ter dado o muito que gostaria de dar-vos e que por isso me perdõem, se é coisa de perdoar. Diz-lhe mais, atribuindo-me a mim, todas aquelas palavras que entendas que a podem auxiliar. Do coração to agradeço, a ti a quem coube o leme de tão amargas situações.

Neste momento, quero dizer-te alguma coisa mais: olha para o futuro! Não descreias da vida e da alegria! Tem forças para recomeçar, se de recomeçar se trata!

Peço-te, querida irmã, que procures escrever-me algumas palavras, se não do que se passou (por te ser demasiado penoso) ao menos do que se passa. Eu não sei se esta carta te chegará às mãos, dada a pessoa que a escreve, dado o país de onde vai e dado que nem certo estou dos endereços para onde a envio (que em tempos me disseram ser o teu e o do Pai). Tenho porém uma certa esperança em que a venhas a receber. E, se a receberes, tenta escrever-me. A direcção é simples:
URSS - Moscovo 132
Hotel
Álvaro Cunhal

É o bastante e, tratando-se como se trata, de questões familiares e questões desta natureza, pode ser que a tua carta me chegue.

Querida, muito querida irmã: um grande, grande abraço, aquele que gostaria de poder dar-te neste momento de profunda tristeza.

Repito ainda: não desanimes, olha em frente, olha para a vida e confia.

Com a imensa ternura do teu irmão

Álvaro




Poucas acções repugnarão tanto como o acto vil de quem, lendo estas palavras plangentes, arrecadou a carta e a subtraiu ao destinatário.

Poucas palavras serão tão belas como as desta carta.

Pardal

Nem queria acreditar!

O som surdo, de qualquer coisa leve a pisar o chão de madeira, despertou-me da concentração imposta pelo trabalho.

Pousei a esferográfica e desviei o olhar, procurando o culpado. Descobri-o no acto de pular para o tapete. Era um pardal!

De geração recente, mostrava-se destemido como convém que sejam todos os jovens. Sorri para dentro e mantive-me queda, por não querer assustá-lo. Os seus pezinhos (que me perdoem se não escrevo patas) continuaram a pular até que a curiosidade quis. Depois saiu e eu percebi, enfim, porque é que não gosto de janelas fechadas.

17/06/2006

Maldito futebol

Queremos trabalhar,
Precisamos de trabalhar,
O tempo urge,
Escasseia o tempo.

Impera a necessidade do silêncio
Mas silêncio é tudo quanto nos recusam.
Recolhimento sem silêncio não é possível!

Maldito futebol!
Malditos gritos e buzinadelas do futebol
Pelo futebol
Pela expectativa do futebol
Pela esperança do golo
Que não foi golo
Pelo golo que o foi
Pela jogada do adversário
Pela falta do adversário
Pela vitória
Pela derrota!

Maldito futebol que inunda a minha casa,
Mesmo calafetando portas e janelas!

Maldito futebol que me rouba o silêncio!

16/06/2006

Toxicidade

A não perder, no DN, este artigo de Miguel Pina e Cunha.
Não deve ser necessário sugerir que, onde se lê empresa, se pode ler Portugal e cada um dos seus ministérios. Que os ministros leiam, meditem e saibam inferir consequências.

15/06/2006

O Sono do João

O João dorme... (Ó Maria,

Dize àquela cotovia

Que fale mais devagar:

Não vá o João acordar...)

Tem só um palmo de altura,

E meio metro de largura:

Para o amigo orangotango,

O João seria ...um morango!

O João dorme... Que regalo!!

Deixá-lo dormir, deixá-lo!

Calai-vos, águas do moinho!

Ó mar, fala mais baixinho!...

E tu, Mãe! E tu, Maria!

Pede àquela cotovia

Que fale mais devagar:

Não vá o João acordar...


António Nobre

Por causa deste poema, não descansei enquanto não vi uma cotovia e descobri o seu canto.

A cotovia soube tirar proveito da labuta dos homens,aproveitando-lhes as lavras para fazer o ninho. Os homens afastam os ratos e as cobras dos seus ovos e ela encanta-lhes os dias com seu canto matinal. Passeia-se pelas terras e alimenta-se das sementes que ficaram por cobrir, passada que foi a grade pelo chão semeado. Sobre a terra fofa, até que o vento as varra, ficam-lhe as pegadas.

E tu, Mãe! E tu Maria!
Pede àquela cotovia
Que não deixe de cantar
Até o João acordar!

D. António

Ó D. António! Cão de fina raça,
Acho-te digno do meu nome, sim!
Dando-te Dom, concedo-te uma graça,
Que El-Rei, meu amo, não concede a mim...

...............................

Tens ar, inteligência, coração!
Por isso é que eu te presto uma homenagem:
Tirar as luvas e apertar-te a mão!


António Nobre

09/06/2006

PUREZA

Se a podridão alastra
procuro encontrar sinais de que a vida é maior!
Busco os sinais em tudo quanto, para mim, signifique verdade, pureza e essência.
Procuro e acho e, achando, encontro-me neles.

 
 
 
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FARISEUS

Jesus falou depois ao povo e aos seus discípulos desta maneira: "Os doutores da Lei e os fariseus têm autoridade para explicar a Lei de Moisés. Vós deveis, por isso, observar tudo o que eles mandam, mas não deveis seguir os seus exemplos. É que eles dizem uma coisa e fazem outra. Impõem leis difíceis de cumprir e obrigam os outros a suportá-las, mas eles próprios nada fazem para as cumprir. Tudo quanto fazem não passa de um espectáculo para os outros verem. Reparai naquelas frases religiosas que trazem na testa e nas mangas do vestuário. Notai como eles gostam de franjas largas nas capas! Gostam de ocupar os lugares mais importantes nos banquetes e os assentos de mais destaque nas casas de oração. Também gostam muito de que os cumprimentem com grande respeito nas praças públicas e de que o povo os trate por Mestres. (...)

(...) Ai de vós, doutores da Lei e fariseus fingidos! Limpais a parte de fora do corpo e do prato, mas a parte de dentro está cheia de roubos e violências. (...)
Ai de vós, doutores da Lei e fariseus fingidos! Sois semelhantes a túmulos caiados. Por fora parecem muito bonitos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e de toda a espécie de podridão. Assim sois vós: por fora pareceis muito boas pessoas aos olhos dos outros, mas, por dentro, estais cheios de fingimento e maldade.

(...) Serpentes! Raça de víboras! Como haveis de escapar à condenação do inferno?"

Evangelho segundo S. Marcos, 23-24


Para o meu amigo Fernando, vítima da condenação das víboras.
Para todas as vítimas dos fariseus e doutores da Lei de agora.

06/06/2006

ROSA BRAVA







Não é o vento que te cresta
nem é o sol que te murcha.
Murcham-te as vozes que clamam
contra os picos do teu pé,
crestam-te a mãos que te mondam
e te calcam pelo chão.

05/06/2006

MINISTRA DIXIT

Não tenho dúvidas: vai ser a frase do século (mesmo considerando que, este, ainda não tirou os cueiros)!
É uma máxima tão eloquente que nem me atrevo a comentá-la!

Ei-la:

A burocracia tem enorme vantagem: protege-nos a todos!"

Maria de Lurdes Rodrigues, ministra de Educação de Portugal, em entrevista ao programa Diga lá Excelência na RTP 2 hoje, dia 4 de Junho de 2006 (afinal, segundo me informa o relógio, já foi ontem)

03/06/2006

DECÁLOGO DO TIRANO PRINCIPIANTE

Nos tempos pós-modernos (ainda é assim que se escreve?), o príncipe deve saber, antes de mais, que algumas máximas de Maquiavel estão desactualizadas: já não interessa parecer virtuoso, importa parecer. Apenas parecer, parecer qualquer coisa (corajoso, obstinado, trabalhador, bem vestido...).

Para conservar o poder, o príncipe deve:

1 - Escolher um alvo a abater. Um de cada vez, porque abrir várias frentes de guerra pode conduzir à derrota. Esse alvo pode ser dividido em vários alvos menores, para parecer que a luta é dura. Quanto mais duro parecer o combate, mais corajoso parecerá o príncipe.

2 - Considerar como essencial que o alvo escolhido para abatimento deve ser composto por gente com pouca capacidade de combate.

3 - Antes de iniciar a guerra, o príncipe precisa de preparar o "terreno", semeando mentiras que pareçam verdades. Algumas das mentiras podem ser verdades parciais. Por exemplo, generalizar a todo o grupo as más práticas de alguns, ou mostrar como esse grupo goza de privilégios a que mais ninguém tem acesso. Com este exercício, o príncipe conseguirá:

a) semear a discórdia entre os membros do grupo a abater e encontrar apoiantes, até, entre aqueles que quer arrasar;

b) o aplauso de todos aqueles que ainda não são os alvos a abater. A melhor prova de que a estratégia teve sucesso surgirá quando, aqueles que ainda não são os alvos a abater, começarem a rotular os membros do alvo a abater de preguiçosos, parasitas, etc.

4 - Preparado o terreno, o príncipe pode responsabilizar o alvo a abater de todos os males da república. Nessa altura, os membros do alvo a abater estarão tão fragilizados que, mesmo que consigam falar, os apupos da populaça não permitirão que sejam ouvidos ou, sendo-o, serão acusados de apenas quererem manter os seus privilégios e de não se importarem com o bem comum. O príncipe nem precisará de falar.

5 - É preciso que pareça que o príncipe trabalha muito. Ele deve parecer a antítese do alvo a abater. O príncipe deve comparecer a muitas reuniões, a maioria das quais aos fins-de-semana, chamar as televisões e aproveitar a oportunidade para divulgar mais algumas meias-verdades.

6 - É preciso que pareça que o príncipe se sacrifica, a si e à família, em prol do bem comum. As reuniões de fim-de-semana, feriados, etc. para isso contribuirão também. Com isto, o príncipe conseguirá envergonhar os membros do alvo a abater. Por esta altura, alguns membros do alvo a abater já se sentirão, de facto, privilegiados, e disponíveis para receber, de braços abertos, a sentença que o príncipe vier a decretar.

7 - Os membros envergonhados do alvo a abater serão apresentados como prova de que o príncipe tem razão. Serão instrumentos utilíssimos na guerra inter-pares que convém espicaçar. A autofagia provará a vitória do príncipe.

8 - Destruído o primeiro alvo a abater, o príncipe escolherá o próximo alvo a abater. A estratégia a seguir será exactamente a mesma. Os membros do alvo abatido engrossarão as fileiras dos que apoiarão as medidas que o príncipe tomar contra o alvo a abater no momento.

9 - Demagogia, populismo e fascismo serão palavras que alguns escreverão ou dirão, mas serão muito poucos. A esses, se não lhes conseguir tocar, o príncipe deve chamá-los às franjas do poder: eles iluminarão os seus salões e provarão que o príncipe é pessoa que aprecia a crítica e gosta de ouvir. Contribuirão para a aparência.

10 - O príncipe deve ter sempre em mente que o seu objectivo não é governar bem, é manter o poder. O poder só pode ser mantido se for exercido sobre súbditos submissos.

02/06/2006

Vazio

A vertente cultista do barroco literário nunca me seduziu: palavras somadas a palavras falando sobre nada e dizendo coisa nenhuma.

A linguagem pedagógica, classificada como "científica", faz-me lembrar o cultismo barroco: muitas palavras que leio, viro do avesso, procuro-lhes o sentido... mas nada! Aquilo nada me diz, dali nada há para sair! Atente-se nos pontos seguintes, copiados da proposta ministerial de revisão do Estatuto da Carreira Docente:

2 - O docente desenvolve a sua actividade profissional de acordo com as orientações de política educativa e no quadro da formação integral do aluno, cabendo-lhe genericamente:

a) Identificar saberes e competências-chave dos programas curriculares de forma a desenvolver situações didácticas em articulação permanente entre conteúdos, objectivos e situações de aprendizagem, adequadas à diversidade dos alunos;

b) Gerir os conteúdos programáticos, criando situações de aprendizagem que favoreçam a apropriação activa, criativa e autónoma dos saberes da disciplina ou da área disciplinar, de forma integrada com o desenvolvimento de competências transversais;

A introdução lembra que os professores são funcionários a quem compete cumprir as determinações ministeriais. Não é que isso esteja mal, mas por causa disso é que não percebo como é que é aos professores que são assacadas responsabilidades pelo descalabro da educação! Se são responsáveis, então sejam acusados de desobediência e de golpismo; movam-se processos disciplinares contra eles, exonerem-se ou encarcerem-se conforme a gravidade de cada caso! Mas se se provar que cumprem, então concluam aquilo que qualquer pessoa bem formada ou com dois dedos de testa já concluiu: as opções políticas têm sido erradas, embora correctamente cumpridas! É a política educativa que precisa de vassoura!

Depois vêm as alíneas. Alguém é capaz de me explicar o que lá está escrito? Então sou eu que vou escolher quais são "os saberes e competências-chave dos programas curriculares" (...) "adequadas à diversidade dos alunos"? Então para que servem os programas? Não são para cumprir? É que, mais adiante, no mesmo documento, um dos pontos a ter em consideração na avaliação do professor... é o cumprimento dos programas! Em que ficamos? Escolhe-se o que consideramos essencial? Ensina-se tudo? E se não considerarmos nada essencial? E para as respostas ao exame, faz-se o exame nacional à medida do professor, da turma, do aluno? Em qual das circunstâncias é que o professor será bem classificado?

E que dizer da alínea b? Fica tão bonita no papel, não fica? Mas, exactamente, que querem que se faça?

Querem exemplos de "apropriação activa, criativa" dos saberes da disciplina? Seguem alguns, retirados, com erros e tudo, de respostas de alunos meus de oitavo ano (como combinam bem com as palavras da equipa ministerial)!

O capitalismo começou a 1/12/1640 que era liderado por D. João, Duque de Bragança que peterdia acabar com o Reinado dos Felipes e trazer a independência a Portugal.

Capitalismo é a forma económica de organizar a movimentação por objectivos do lucro predominado.

Capitalismo é uma religião de judeus que tem o nome de classicismo.

Capitalismo é uma forma de digerir um reino onde existe um capitalista para comandar todas as operações.

Os novos instrumentos ao serviço do capitalismo era a Inquisição e o Index. A primeira empresa inventada foi o Index que foi onde foi traduzida pela primeira vez a Bíblia para a língua Alemã. A Inquisição era para se conseguir manter uma fé ou religião fixa em Portugal. Estes novos instrumentos vieram ajudar e bastante Portugal e também o capitalismo.

Já sei! A culpa foi minha! Quem é que me mandou considerar o estudo do Antigo Regime como "saber-chave"? Eu é que devia reprovar!

Maria José Nogueira Pinto fala com seriedade daquilo que, verdadeiramente, importa na educação. Mas ela não sabe escrever em "eduquês" (expressão feliz de Nuno Crato) e a sua sensatez não chega à altura da campainha da porta dos iluminados do Ministério da Educação. Aos professores nem lhes vale a pena dizerem ai, porque nunca são ouvidos. Eu chamo a isto autocracia, mas isto sou eu, que não fiz nenhuma apropriação activa dos saberes!

Nota: os temas da educação estão a dar aorigem a uma série de artigos, como este, também no DN (3/6/06).

01/06/2006

Não quero!

POEMA DUM FUNCIONÁRIO CANSADO

A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita

estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só

Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Porque não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Porque me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço?

Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música

São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo uma noite só comprida
num quarto só.

António Ramos Rosa, in O Grito Claro