Primeiro, o barulho de um vaso a cair no chão; depois, o som inconfundível de algo a esvoaçar; a seguir o silêncio e a consciência de que aquela agitação teria de ser provocada por ave de algum porte.
Os meus passos sorrateiros fizeram-me demorar a descoberta. No chão, o vaso pequeno do rebento da begónia que insisto em que há-de crescer: a terra espalhada, o rebento intacto, haja Deus. Por toda a parte, penas castanhas com bolinhas brancas. Sobre os ladrilhos, a mancha clara dos raios de sol é interrompida pelo contorno da sombra do armário... e de algo mais. A suspeita confirmava-se. Receei que o movimento da minha cabeça o assustasse, mas eu tinha que ver. Erecto, impávido, soberano, o mocho castanho fizera poleiro em minha casa. Seja bem-vindo! Que fique ou que saia, seja feita a sua vontade!
Não pode ser o mesmo mocho, porque já se passaram muitos anos (embora não saiba quanto tempo vive Minerva!) mas este acontecimento trouxe-me outro à memória. Um rapaz meu vizinho viera pedir-me fio de pesca porque, de regresso do Alentejo, achara magoado, na berma da estrada, um mocho jovem. Queria o fio para lhe atar a pata, para o impedir de voar. Fui ver o animal e, aliviando a mãe do rapaz, trouxe-o para minha casa. Por alguns dias, as portas e as janelas da varanda mantiveram-se fechadas porque, naquele tempo, a soberana do lar era uma gata tão curiosa quanto doce.
Foi muito fácil tratar da ave ferida: ligaduras e soro fisiológico na pata, carninha para o bico. Nunca se mostrou hostil e também nunca me pareceu assustada. Ao fim de alguns dias achei-a capaz de se manter em liberdade. Peguei nela, que se agarrou ao meu dedo com toda a força, e levei-a ao eucaliptal que existe por detrás do prédio em que habito. Lá, elevei o braço e incentivei-a a voar. Ela voou. Deu uma volta de reconhecimento e voltou, em voo rasante sobre a minha cabeça, como que a despedir-se.
Nunca mais vi o mocho que habitou a minha casa, mas hoje lembrei-me dele. Como não?
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1 comentário:
Bonito episódio !
É como te dizia há dias...eles conhecem-nos bem melhor do que os conhecemos.
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