28/08/2008

Os Velhos

Um dia também nós ganharemos a aparência etérea dos velhos. O corpo dos velhos parece que perde consistência e balanceia submetido a forças que nós não sentimos. Talvez seja por isso que os seus pés quase não pisam o chão e o seu caminhar se torna oscilante, como se flutuassem. O andar dos velhos é o primeiro sinal de que eles se despedem de nós.

Depois são os olhos, afundados por cataratas de vento. Em que momento perderam o brilho e a cor, como se já não houvesse vida dentro deles nem vida fora deles que possa ser olhada e transmitida do mesmo modo que antes? A cor esbatida dos olhos dos velhos conduz-lhes o olhar para lugares inacessíveis a quem não tem a idade deles.



O mundo dos velhos está todo guardado em recordações. Um dia, também eles hão-de desejar ser recordação. E o nosso coração aperta-se por nós, que os queremos abraçar sempre.

06/08/2008

Amores

Antes de ir de férias, e sem comentários, deixo aqui esta pérola de D. Dinis, provando-se que Trás-os-Montes foi e será terra de amores, furtivos ou nem tanto.

Em nome de Deus amen. Conheçam quantos esta carta virem e leer ouvirem que eu dom Deniz pella graça de Deus Rey de Portugal e do algarve com ho infante dom Afomso meu filho primeiro herdeiro dou e outorgo a vos Branca Lourenço a minha villa de Mirandella com todos seus termhos velhos e novos, dereictos e dereicturas, rendas, padroados e com todo o dereito e jur reall que eu ey e de direicto devo a aver em essa villa e em seus termhos velhos e novos e que vos ajades e possoyades em toda vossa vida. E se Deus tiver por bem que eu aja de vos filho ou filha ou filhas a vossa morte fique a dicta villa com todos seus termhos velhos e novos e pertenças e com todo dereyto reall ao filho ou filhos, filha ou filhas se ho eu de vos ouver. E mando e outorgo que aquel ou aquelles que dese filho ou filhos filha ou filhas se ho eu de vos ouver decenderem de dereicta linha liidimamente aja ou ajam a dicta villa com seus termhos velhos e novos e direictos e padroados como dicto he. E se esse filho ou filhos, filha ou filhas se o eu de vos ouver ou aquelles que delles descenderem de dereicta linha liidimamente morrerem sem filhos liidimos a sobredicta villa com seus termhos, padroados e dereictos torne-se aa coroa do Regno com todos seus melhoramentos livremente e sem embargo nenhum.

E esto vos faço por compra de vosso corpo
. E todollos Reys de Portugal que depos mi veerem que aguardarem e manteverem esta doaçam que eu faço e nunca contra ella veerem em todo nem em parte ajam a beençam de Deus e a minha pera todo o sempre; e se alguns dos Reys de Portugal que depos mim veerem nom aguardarem e manteverem esta minha doaçam e contra ella veerem em todo ou em parte aja a maldiçam de Deus e a minha pera todo o sempre. E por esta doaçam seer firme e mais stavel e nunca viir em dovida dei a vos Branca Lourenço esta minha carta sellada do meu sello do chumbo.

Feita em Lixboa viinte e oyto dias de Joynho. El-Rey o mandou. Afomsso Martins a fez era de mil trezentos trinta nove annos. [Para os mais distraídos: 1301 da era de Cristo.]

In Francisco Manuel Alves, Abade de Baçal, Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança, Tomo IV, p 443, ed. Câmara Municipal de Bragança, 2000
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Borges de Figueiredo, ao interpretar o túmulo de D. Maria Afonso presente no mosteiro de Odivelas deduz que esta monja será a filhas nascida destes amores de D. Dinis. Teria vindo ao mundo cerca de 1302 e morrido com 18 anos de idade. Ganhou fama de santidade. Deve ter saído à madrasta!