A guerra civil de Espanha está bem presente na memória dos espanhóis e dos portugueses raianos. O extraordinário é que, desse conflito medonho, sobrou para a eternidade uma obra maior da pintura de sempre: Guernica, de Pablo Picasso. Como resistir a fazer a comparação entre ela e Os Fuzilamentos de 3 de Maio, de Goya?
Em ambas, uma luz estranha de candeeiro. Essa luz não está lá para servir a pintura, porque não se projecta segundo as leis da óptica. Essa luz, por um lado, identifica os assassinos (em Goya, os soldados franceses a quem não vemos o rosto; em Picasso, o céu de onde caíram as bombas alemãs) e, por outro lado, faz sobressair do conjunto aquilo que mais importa: as vítimas da barbárie, umas tombadas já, outras no último instante antes da queda. Dos tombados resta o sangue e os despojos. Os rostos dos que vão morrer gritam de estupefacção, de dor e de medo. Nós somos capazes de lhes ouvir os gritos, tal é a intensidade que os dois pintores conseguiram conferir ao conjunto e esses gritos fazem de nós testemunhas do crime. Mais testemunhas, ainda, do que aqueles dois grupos que ladeiam a cena principal. Em Goya, horrorizados, os homens cobrem o rosto para não ver; em Picasso, desesperadas, as mulheres erguem o rosto identificando os assassinos. Ninguém pode dizer que não viu e ninguém tem o direito de esquecer.
Assim é a guerra e a maldade humana! Aquela luz são os olhos de quem se recusa a não ver!
1 comentário:
Sem comentários, mas com memória.
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