06/08/2008

Amores

Antes de ir de férias, e sem comentários, deixo aqui esta pérola de D. Dinis, provando-se que Trás-os-Montes foi e será terra de amores, furtivos ou nem tanto.

Em nome de Deus amen. Conheçam quantos esta carta virem e leer ouvirem que eu dom Deniz pella graça de Deus Rey de Portugal e do algarve com ho infante dom Afomso meu filho primeiro herdeiro dou e outorgo a vos Branca Lourenço a minha villa de Mirandella com todos seus termhos velhos e novos, dereictos e dereicturas, rendas, padroados e com todo o dereito e jur reall que eu ey e de direicto devo a aver em essa villa e em seus termhos velhos e novos e que vos ajades e possoyades em toda vossa vida. E se Deus tiver por bem que eu aja de vos filho ou filha ou filhas a vossa morte fique a dicta villa com todos seus termhos velhos e novos e pertenças e com todo dereyto reall ao filho ou filhos, filha ou filhas se ho eu de vos ouver. E mando e outorgo que aquel ou aquelles que dese filho ou filhos filha ou filhas se ho eu de vos ouver decenderem de dereicta linha liidimamente aja ou ajam a dicta villa com seus termhos velhos e novos e direictos e padroados como dicto he. E se esse filho ou filhos, filha ou filhas se o eu de vos ouver ou aquelles que delles descenderem de dereicta linha liidimamente morrerem sem filhos liidimos a sobredicta villa com seus termhos, padroados e dereictos torne-se aa coroa do Regno com todos seus melhoramentos livremente e sem embargo nenhum.

E esto vos faço por compra de vosso corpo
. E todollos Reys de Portugal que depos mi veerem que aguardarem e manteverem esta doaçam que eu faço e nunca contra ella veerem em todo nem em parte ajam a beençam de Deus e a minha pera todo o sempre; e se alguns dos Reys de Portugal que depos mim veerem nom aguardarem e manteverem esta minha doaçam e contra ella veerem em todo ou em parte aja a maldiçam de Deus e a minha pera todo o sempre. E por esta doaçam seer firme e mais stavel e nunca viir em dovida dei a vos Branca Lourenço esta minha carta sellada do meu sello do chumbo.

Feita em Lixboa viinte e oyto dias de Joynho. El-Rey o mandou. Afomsso Martins a fez era de mil trezentos trinta nove annos. [Para os mais distraídos: 1301 da era de Cristo.]

In Francisco Manuel Alves, Abade de Baçal, Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança, Tomo IV, p 443, ed. Câmara Municipal de Bragança, 2000
___


Borges de Figueiredo, ao interpretar o túmulo de D. Maria Afonso presente no mosteiro de Odivelas deduz que esta monja será a filhas nascida destes amores de D. Dinis. Teria vindo ao mundo cerca de 1302 e morrido com 18 anos de idade. Ganhou fama de santidade. Deve ter saído à madrasta!

11 comentários:

Anónimo disse...

Caríssima MPV

Isto é;como muito bem diz, uma pérola!
Não me admira que, assim fosse, por alguma razão aquela maneira de o Rei ser dono de tudo acabou.
Não quero com isto dizer que a forma actual seja perfeita.
Estou certo de que:-para o Rei, dar Mirandella ou Freixo de Espada á Cinta, era o mesmo, pois devia prevalecer o critério da interiorização, como castigo ou para não dar nas vistas, se é que esse preconceito, existia na altura.
Gostei da ironia da sua última frase.
Boas férias minha amiga, faça os possíveis por descansar e divertir, dentro das suas possibilidades.
Um abraço

Isamar disse...

O que não faz um homem em nome do amor! A D.Branca Lourenço coube a vila de Mirandela e se filha do rei houvesse, tê-la-ia herdado de sua mãe. Assim constava na carta de doação.
"Fruta" de amor adúltero, morreu cedo apesar da fama de santa. Como a madrasta!
Um excelente post, como de costume.
Boas férias, por terras serranas de que tanto gosto.
Saudações para os amigos da sua terra.

um abraço

Meg disse...

Cara MPS,

Sem comentários mesmo.
Umas óptimas férias.
Um grande abraço

Anónimo disse...

Nas minhas deambulações pela genealogia – a minha paixão – estudei e publiquei um artigo acerca esta D. Branca Lourenço de Valadares, que era uma minhota certamente lindíssima e roliça, filha do fidalgo Lourenço Soares de Valadares, abastado proprietário em Monção, Caminha e Arcos de Valdevez, conselheiro régio de Dom Afonso III, tenente de Riba Minho e rico-homem, e de sua segunda mulher D. Sancha Nunes de Chacim.

Foi amante d’El-Rei Dom Dinis pelo menos entre 1300 e 1308, pois em 1309 estaria já casada com Martim Anes de Briteiros, rico-homem e alferes-mor do infante Dom Afonso e mais tarde alferes-mor do Reino e mordomo-mor da Casa da Rainha. Isto, se não estava já casada quando passou pelo leito régio, mas penso que seria solteira nessa altura. Deste casamento teve a dita D. Branca Lourenço pelo menos um filho e uma filha, sendo primogénito outro Martim Anes de Briteiros falecido em 1364. Dom Dinis foi magnânimo com D. Branca, pois deu-lhe várias doações em 1301, 1303 e 1306.

Outra das conhecidas amantes de Dom Dinis foi D. Aldonça Rodrigues de Telha, viúva de seu primo Paio Rodrigues de Valadares, e ainda D. Maria Rodrigues de Chacim, prima da “nossa” D. Branca Lourenço, amante do mesmo monarca antes de se casar. Portanto, estas três mulheres da mesma estirpe eram lindíssimas certamente, ou então estavam condicionadas com as estratégias familiares de ascensão social e fortalecimento de poder na Corte Régia.

Entendo, e conforme o meu estudo de há anos, que D. Branca Lourenço não foi mãe de nenhum bastardo régio, pois em 1301 ainda não tinha filhos. E a tal senhora D. Maria Afonso, freira em Odivelas, onde mandou fazer o Altar de Santo André em 1316, ou entre 1312 e 1320 conforme adianta o dr. M. Barroca, o que certamente não lhe permitira ter nascido em data posterior a 1301.

De qualquer modo o documento é muito curioso e interessantíssimo, com aquela curiosa afirmação: «pela compra de seu corpo». Em boa hora trouxe aos nossos agradados olhos, para mim um soberbo deleite. Desculpe estas divagações, fruto da minha costela de linhagista.

Meg disse...

Cara MPS,
Não fica aborrecida se lhe disser que este é um blog em que há comentários que não perco, se puder. E este de Jofre de Lima Monteiro Alves é um deles.
Continuação de boas férias.
Um abraço amigo

MPS disse...

Caro Manangão

Interessante leitura, a sua, embora na Idade Média os reis fossem pouco mais do que senhores da sua casa (isto, com algum exagero, mas não muito).

Não creio que, ao tempo de D. Dinis, houvesse o "preconceito" do interior. Mirandela era terra rica e farta, por isso D. Branca ia muito bem servida.

Um abraço

MPS disse...

Cara Sophiamar

Mirandela é terra de ares amenos (falando do Nordeste..), bons solos e abundantes frutos. A filho de rei, mesmo que bastardo não se podia oferecer menos que o bom. Aliás,por causa de D. Dinis não distinguir os bastardos dos legítimos é que o seu filho herdeiro haveria de entrar em guerra com ele, com medo que nomeasse outro sucessor.

Um abraço e obrigada em nome das minhas gentes.

MPS disse...

Meu muito caro Jofre, como lhe agradeço mais este contributo!

Onde publicou o seu estudo? Gostaria muito de o ler, se ainda estiver disponível.

Nos argumentos que apresenta, Jorge de Figueiredo reconhece que existe uma lacuna: o facto de D. Dinis, que sempre estremeceu os filhos, nunca se ter referido a esta D. Maria Afonso. Ele avança com a explicação, que me parece fraca, de a morte da jovem ter sido tão traumática (interpretando as figuras do túmulo)que o rei nem se quereria lembrar.

Mas isto deixa-nos com nova dúvida: quem é esta figura feminina sepultada em Odivelas e que ostenta as quinas no seu escudo de armas?

Quanto à carta publicada, o mérito é todo do Abade de Baçal que a incluiu no Tomo IV das suas Memórias. Por lapso, não mencionei esse facto, o que corrigirei de imediato.

Um abraço e bem-jaja.

MPS disse...

Cara Meg

Ficar aborrecida? Pelo contrário, é uma alegria que me dá! Tem muita razão em procurar os comentários do Jofre que, além de recheados de conteúdo, apresentam uma escrita que dá gosto ler. Não perca, se puder, o seu Escavar em Ruínas, com link na barra lateral.

Como vê, estou de regresso. Infelizmente, as férias estão a virar-me as costas. em breve irei visitá-la.

Um abraço

Unknown disse...

caros participantes,

a titulo de exemplo, vejam a doação que D. Dinis fez à sua filha bastarda, Maria Afonso, dos direitos e jurisdição da Terra de Jales (Chancelaria de D. Dinis, Livro III, fl. 30 v. também em "Documentação dionisina do concelho de Vila Pouca de Aguiar")

abraços e bons conhecimentos

Anónimo disse...

João

Vejo-o aqui pela primeira vez. Seja muito bem-vindo!

Obrigada pela sugestão que tratarei de seguir assim que tiver disponibilidade.

Um abraço também