28/08/2008

Os Velhos

Um dia também nós ganharemos a aparência etérea dos velhos. O corpo dos velhos parece que perde consistência e balanceia submetido a forças que nós não sentimos. Talvez seja por isso que os seus pés quase não pisam o chão e o seu caminhar se torna oscilante, como se flutuassem. O andar dos velhos é o primeiro sinal de que eles se despedem de nós.

Depois são os olhos, afundados por cataratas de vento. Em que momento perderam o brilho e a cor, como se já não houvesse vida dentro deles nem vida fora deles que possa ser olhada e transmitida do mesmo modo que antes? A cor esbatida dos olhos dos velhos conduz-lhes o olhar para lugares inacessíveis a quem não tem a idade deles.



O mundo dos velhos está todo guardado em recordações. Um dia, também eles hão-de desejar ser recordação. E o nosso coração aperta-se por nós, que os queremos abraçar sempre.

9 comentários:

Meg disse...

Cara MPS.
Espero que tenha tido umas
óptimas férias.
Como me comoveram estes olhares -tristes. Num país que despreza os seus velhos, em que a própria família rejeita os seus velhos, não posso deixar de compreender essa tristeza e apreensão.
E não posso deixar de me lembrar de outros povos (atrasados?) para quem os velhos têm a última palavra, em que a velhice é um posto em que são mesmo venerados. E fico ainda mais comovida.

Um grande abraço

MPS disse...

Cara Meg

Atrasados são os povos que desprezam os velhos e a sua sabedoria de acumulação de experiência. Os avós davam-se aos netos que neles tinham refúgio e tempo certo de carinho e fantasia. Hoje as crianças (quase só) convivem com outras crianças, criando elas próprios as leis pelas quais se regem, sem ninguém que lhes diga o que está bem e o que está mal. Ao desprezarmos os nossos velhos porque dão trabalho e despesa, estamos a criar um mundo horrendo, provavelmente à semelhança de "O Senhor das Moscas" de William Golding, alegoria que se tornou num dos meus medos.

E são as famílias - sobretudo as famílias. Não me falem do Estado! Os filhos é que foram criados pelos pais e o seu primeiro dever é para com eles, a par dos próprios filhos. Diabos levem a geração de 60, que é quem está a fazer esta maldade tão grande!

Um abraço

Anónimo disse...

Minha amiga
O egoismo, é a doença da actualidade;eu que sempre pensei, e disse "a terra é que me criou, a terra é que me há-de comer", e não é que já mudei de opinião, irei ser cremado, pois fico com a certeza de que serei mais respeitado.
Seria longo o comentário se eu divulga-se, os conhecimentos que tenho sobre a matéria, adquiridos por enerência do meu desempenho profissional, é que o problema abrange todos os extratos sociais, é minha convicção, que os humanos são os piores animais da Terra.
Levar a mãe ou o pai ao hospital dando a morada errada!
Não vou dizer mais nada senão fico a pensar nisto e já não durmo.
Amiga não pense nisso, viva o seu dia a dia.
Abraço

Isamar disse...

Um post que me deixa comovida.A partida dos nossos progenitores é um dos aspectos mais dolorosos da nossa vida. E o seu andar balanceado,os olhos fundos e baços, o sorriso cada vez menos frequente são indícios de que a sua despedida está a aproximar-se. Filha única,sempre vivi com os meus pais e tal como eles fizeram com os meus avós, a sua opinião foi sempre tida em conta,respeitada, a sua vontade foi sempre satisfeita. Assim me ensinaram assim estou a ensinar.
Um abraço apertado

MPS disse...

Caro Manandão

Eu não sei se é maior o egoísmo ou se é menor a censura social. Sei que é de arrepiar e de enraivecer o tratamento a que são sujeitados muitos dos nossos velhos, por filhos malvados que pagam com o abandono a criação e os carinhos que deles tiveram.

Acredito que a sua profissão tenha feito de si o confidente de muitas dores, talvez o único ser humano que não considera desperdiçado o tempo gasto a escutar e a dar amparo a quem dele precisa. Bem-haja por eles.

Um abraço

MPS disse...

Cara Sophiamar

Não sei se isto lhe diz muito, mas para mim é a melhor forma de dizer o que sinto: Deus a abençoe!

É interessante ver o rumo que os comentários imprimem a um artigo. A minha intenção era, tão-só, mostrar os sinais de que a velhice está instalada no corpo e no espírito das pessoas. Fui-os constatando à medida que amigos meus iam caminhando na idade. Curiosamente, não fui capaz de ver nenhum deles nos meus pais: é bem verdade que o amor é cego!

A Isabel veio repor o tema original e, à minha lista, acrescentou o sorriso. Fez bem. Também eu me lembrei-me dele, ainda trabalhei as fotografias, mas não fui capaz de o incluir no artigo, tal era a amargura que transparecia de alguns. Mas que é um aspecto a prestar atenção, não resta a menor dúvida.

Obrigada pelas suas palavras.

Um abraço

Anónimo disse...

Hoje que a minha cabeça está alva das cãs, vejo os nossos velhos, em especial para os velhos aldeões, com olhos de ternura, guardiães dum saber milenar e duma capacidade de resistência e inteligência peculiar. Cada vez que um velho morre, arde uma biblioteca de Alexandria... Mas o mundo dos velhos está guardado no meu coração, pois com eles aprendi mais do que em qualquer banco de universidade. Boa semana com tudo de bom.

MPS disse...

Meu caro Jofre

Aqui há meses, enquanto esperava a minha vez numa repartição pública, uma garoteca perguntou-me: "porque é que os teus cabelos são cinzentos?" Respondi-lhe que os cabelos das pessoas vão ficando brancos à medida que elas envelhecem. Quis provar-lho, sugerindo-lhe que olhasse à volta. A não ser a minha, nenhuma cabeça confirmava o que eu dissera!

Escondemos a nossa velhice e escondemos a velhice de nós (já nem ensinamos as crianças a tratar os mais velhos por senhor), por isso é tão raro encontrar quem seja capaz de se referir aos velhos do modo como o fez o meu amigo. Eu acrescento: cada vez que abandonamos um velho, é como se fossemos nós a atear o fogo que consumiu a Biblioteca de Alexandria!

Um grande abraço

Anónimo disse...

Olhos de sabedoria e de desencanto em tantos rostos que vemos à porta dos lares, nos hospitais onde são depositados com moradas falsas, nos bancos de jardins, à espera que a morte lhes retire o sofrimento.
Nas nossas aldeias a sofrer de solidão, com os filhos a morar longe!
Eles e os filhos sofrem, pois estes também não são capazes de os arrancar às suas raízes.
Onde nos levará esta sociedade que só vê ganância.
Que será dos desempregados que com mais de quarenta anos são considerados velhos?considera velha!
Desabafos meus mas que me vão torturando...
Um abraço