01/04/2008

Um livro



Apresentação

D. Sebastião e Miguel Leitão de Andrada nasceram em datas muito próximas. Deana Barroqueiro faz dessa coincidência o início e o pretexto do romance: “D. Sebastião e o Vidente”. O vidente é, naturalmente, Miguel de Andrada, o autor da “Miscelânea”, obra que reúne vários poemas, lendas, etc. e uma bela descrição da batalha de Alcácer Quibir na qual o autor participou.

É um livro muito longo que termina na página 629 com o latino “Finis”. Ao longo dessas páginas, a autora dá mostras da muita e árdua pesquisa que fez e que lhe serviu para descrever bem os ambientes e situar correctamente as personagens e os factos históricos. Para mim terminam aí as virtudes do livro.

Estilo

Há pouco a dizer sobre o estilo de Deana Barroqueiro, a não ser que não escreve capítulos maiores do que três ou quatro páginas facto que, só por si (porque se trata de artimanhas para prender o leitor), já é um insulto ao próprio leitor, insulto que vai repetindo pela voz do narrador com tiradas parecidas com isto: haverá já muitos leitores que estão de garras de fora para criticarem; esses que parem por aqui. A autora saberá (e quem a leu, também) que obras tomou por modelo quando começou a recear a crítica!

O romance está escrito numa prosa escorreita e certinha, pouco entusiasmante como uma linha recta. Ali não há rasgos literários e não se encontra uma frase em que o leitor se possa deter para a saborear melhor.

Toda a gente sabe de quem é o verso "amor é fogo que arde sem se ver". As normas da escrita ordenam, no entanto, que se utilizem aspas ou itálico e, naturalmente, se faça referência ao autor. Frequentemente, Barroqueiro não faz uma nem outra coisa. Mas faz mais: quando cita (percebe-se que é citação porque surge em itálico) não indica a fonte, o que, além de irritante, está errado. Ainda sobre citações, faz aparecer alguns poemas em contexto algo que, sendo exercício interessante a realizar com alunos, me parece de pouca valia para a literatura, tanto mais que faz parecer que os poetas não pensam os poemas e que os não trabalham, surgindo-lhes prontos e perfeitos.

Enredo

1 – A ideia não me parece má para um romance: uma criança nasce em data próxima do nascimento do rei Desejado e começa, desde menino, a ter visões terríveis. O romance, para fazer sentido (e jus ao título), deveria ter aproximado as duas personagens, mas a verdade histórica, a que a autora quer ser fiel, impede tal aproximação. Os dois falam-se, apenas, uma vez, durante o périplo de D. Sebastião pelo Algarve. E é por essa distância que o enredo não faz sentido, já que as visões de Miguel Leitão de Andrada nunca chegam ao conhecimento do Rei nem, coisa estranha, advertem o vidente dos perigos que o seu rei irá correr. Pelo contrário, ao longo da trama, apesar das visões, Miguel mostra-se um defensor acérrimo do Desejado e um entusiasta da conquista de África.

2 – A autora quer, a todo o custo, explicar a aversão de D. Sebastião pelo casamento. Para isso, lança mão da tese, (contestadíssima pelos historiadores) segundo a qual, o rei sofria de gonorreia. Não é a verosimilhança da doença que aqui se contesta. O que não posso tolerar é o ferrete lançado sobre uma figura real: Cristóvão de Moura.

Para quem se não lembra, Cristóvão de Moura, fidalgo português, partiu para Espanha integrando a casa da princesa D. Joana, mãe de D. Sebastião que, pouco tempo depois de ver o filho nascido, regressou ao seu país, tendo ajudado o irmão Filipe na governação e assumido, por algumas vezes, o cargo de regente. Cristóvão de Moura tem o seu nome manchado entre os mais férreos patriotas portugueses que o acusam de traidor porque, desde sempre, se assumiu fiel de D. Filipe, tendo-lhe sido muito útil nos meandros da compra do voto da nobreza portuguesa. Não vem ao caso defendê-lo nem atacá-lo, antes, estranhar como é que alguém, sem provas concretas, o acusa de acto profundamente maquiavélico e ignóbil. Segundo a autora, Cristóvão de Moura, de conluio com os próceres do rei menino (então com onze anos), terá feito com que uma prostituta infectada com gonorreia seduzisse o donzel, tendo como único objectivo impedir que o rei viesse a ter filhos e assim, quando D. Sebastião morresse, Filipe II alcançaria a almejada união ibérica. É uma acusação medonha que escamoteia os conselhos que Filipe II deu ao sobrinho, no sentido de evitar que se lançasse na loucura africana!

3 – De novo, a questão do vidente. O livro chega ao fim com o desenlace da batalha de Alcácer Quibir cuja descrição é das poucas páginas com interesse. Tendo em conta a importância da personagem, seria de esperar que, ao menos em breve resumo, nos fosse contado o resto da vida de Leitão de Andrada, até porque a autora nos deixou suspensos dos seus amores com a prima Beatriz que enviuvara muito antes da batalha. Ora, em termos amorosos, a biografia do cronista de Alcácer Quibir diz-nos que, regressado ao reino após o cativeiro em Fez, se casou em primeiras núpcias com D. Inez de Atouguia e, só depois da morte desta, logrou casar-se com sua prima Beatriz de Andrada. Enfim, fios que ficaram por tecer, dando origem a uma urdidura frouxa e pouco cativante.

*****
Nota
: o livro já recebeu, pelo menos, o prémio Máxima de Literatura, de 2007

16 comentários:

Anónimo disse...

Amiga MPS
Cheguei...Li, e pensei, mas que comentário,mais completo e mais competente!
O livro não vou ler,pois não sinto interesse pela vida dos monarcas, exceptuando alguns que foram defacto competentes e importantes casos de D. Afonso Henriques, D. Diniz, D. ManuelI, D. JoãoIV,
Agora o D. Sebastião, faz-me lembrar o Durão Barroso da Républica, só que este tudo leve a querer que vai voltar.
Não sei qual a importância do prémio Máxima, mas lendo a sua crítica, penso que não irá mais longe(o livro).
Abraço
José Manangão

MPS disse...

Caro José Manangão

Grata pelas suas palavras.

À sua lista eu acrescentaria alguns mais, mas seria muito injusta se, aqui, não mencionasse D. Afonso IV; D. João I; D. João II e D. José. Do meu ponto de vista, claro!

De D. Manuel, se lhe interessa, existe, agora, uma excelente biografia de João Paulo O. Costa.

Voltando à importância dos reis: se essa importância se medir pelas marcas que deixam para o futuro, então D. Sebastião é dos nossos mais importantes, porque nos moldou o ser até aos nossos dias. Continuamos todos à sua espera!

Um abraço

Jorge P. Guedes disse...

Não é que tivesse ideia de o ler, mas agora... não me interessa mesmo!

Um abraço.
Jorge P.G.

Chanesco disse...

Cara MPS

Por certo que esta literatura estará dirigida a pessoas que náo possuem o douto sentido de crítica da minha amiga.
Por este seu sábio desmontar de argumentos, o prémio a receber só poderá ser o "Mínima".
O MAXIMA, à Tia Maria já ninguém lho tira.

Abraço

MPS disse...

Caro Jorge

Não era minha intenção diminuir o número de leitores do livro em causa, mas como já não tinhas intenção de o ler...

Creio que já te disse uma vez que, quando criei o blog, o meu propósito era mais o de dar alguma organização... aos meus papeis. Tenho um problema gravíssimo com eles: escrevo-os e arrumo-os tão bem que, depois, não os encontro. Ou não os arrumo e depois também não sei deles. A blogosfera, porque procura por mim, tem essa enorme vantagem de nada perder. Os (poucos) leitores que fazem o favor de vir aqui dão, normalmente, um contributo que reputo como muito importante, na medida em que, frequentemente, acrescentam informação - preciosa ajuda! É esse, também, o motivo pelo qual gosto de uma boa "discussão" porque é da troca de argumentos que o conhecimento se acrescenta. Mas este é o meu ponto de vista e nada mais!

Um abraço para ti.

MPS disse...

Caro Chanesco

"Douto" é bondade sua. Mas concordo consigo na atribuição do prémio à tia Maria, que é uma figura e tanto!

Um abraço

Porca da Vila disse...

Estranho como se atribui um prémio a uma obra com tamanhas falhas! Fico a pensar se o júri terá lido o livro até ao fim, ou se terá seguido os conselhos da autora...

Xi Grande

Anónimo disse...

Caríssima PV

Procurei inteirar-me sobre a constituição do júri. É verdade que não me esforcei muito, mas não obtive resposta. Em todo o caso, a Máxima tem distingido textos e autores muito interessantes, por isso também estranhei este prémio.

Sublinho que escrevi, apenas, uma opinião pessoalíssima, longe de mim arvorar-me em crítica de literatura. E para ver como a minha opinião vale pouco, digo-lhe que não gostei do primeiro romance de Miguel Sousa Tavares, obra lida e aplaudida por quase toda a gente. São gostos, ou, talvez eu seja muito picuinhas.

Um abraço

Anónimo disse...

Quem confessa granjeia mil perdões, pecado confessado é meio perdoado (como diz o sapiente provérbio): sou sebastianista encartado e militante, na medida em que o mito está presente nos nossos tolhidos genes e código cultural.

Como dizia um amigo meu, anarquista dos sete costados, pleno do humor mais sublime e penetrante: «não vale a pena fazer nada, D. Sebastião volta para a semana e resolve tudo»!!!

Tremenda catástrofe é não acreditarmos na missão sebastianista de Portugal, sem a qual não temos destino e futuro evidente.

Dos monarcas, para além de Dom João II – o maior de todos, na minha óptica – sempre tive a mais profunda afeição pelos causticados do historicismo iluminado, aqueles que carregam a cruz do opróbrio, um negro fado ou trágico desenlace: Dom Sebastião, Dom João VI, Dom Miguel, Dom Carlos, Dom Manuel II.

Deste rol escaparam, por milagre, Dom Sancho II e Dom Afonso VI, pois também não posso perfilhar todos os desgraçadinhos e palonços da nossa História – sem ofensa, claro.

MPS disse...

Caro Jofre

"não posso perfilhar todos os desgraçadinhos e palonços da nossa História". Eis senão quando, sem estarmos à espera, se nos depara a mais fina ironia camiliana. Bravo, Jofre!

Confesso-lhe que a D. Miguel me liga um ódio quase figadal. Ele nada foi e nada fez que eu não abominasse! Já quanto a D. Sebastião, desgostando da figura, agradeço-lhe o sebastianismo que é a necessária dose de utopia. Colou-se-nos aos genes, como muito bem diz, mas, ao contrário dos que vêem nele a razão do nosso atavismo, eu vejo nele a crença do futuro.

Um abraço e obrigada por este bocadinho.

Anónimo disse...

Caríssima MPS... há gostos e gostos nas leituras… por isso cada um de nós escolhe o que mais se alinha com esses gostos.

Minha área é a Psicologia, e meu olhar é sempre mais para o humano, o sutil, o emocional, a leveza, as interrelações percebidas – muito mais que as factuais… também sou da arte e do espírito, me atraem os sons, as cores, as percepções, a imaginação… E, assim como aprecio a leitura, aprecio sentir como outros percebem essa mesma leitura. Permita-me pois que, da mesma forma como discorreste livremente sobre tua percepção do livro em questão, possa eu discorrer livremente sobre essa tua percepção sobre o livro.

Tua “crítica” acima, despertou minha atenção ao me revelar que não gostaste do livro que es-co-lhes-te para ler, simplesmente porque esperavas ler uma "monografia histórica" – uma monografia onde se contasse o conto como já o conhecias, interpretavas ou imaginavas… Aquilo que tencionas chamar de "crítica", soou-me mais como uma reclamação contundente à autora: "Não contaste a história como eu a contaria!" - Por que não a contaste TU, então?

Mas, apesar de todos os "reparos" que te deste ao trabalho de fazer, leste o livro até o "finis", sem que no entanto percebesses ou desfrutasses o que ele realmente se propõe a ser : um ROMANCE histórico, e, como tal, passível de todas as liberdades poéticas que fazem dos romances... romances - e não meras "biografias". Fechada em tuas expectativas e limitada por um "rigor" histórico (hás de saber, imagino, que tal coisa não existe...), não percebeste a parte fundamental da obra, que é a recriação de uma época, através dos olhares dos personagens que, são, não por acaso, em sua maioria, reais.

Dá a ti mesma o benefício de uma releitura, agora com outros olhos, e desfruta da paisagem que a autora oferece. Esquece por alguns momentos tua própria história, teus sentimentos em relação à nobreza - nobreza que já não é mais… e passeia pelo que é apenas mais uma das infinitas possibilidades da História.

Se a obra foi premiada, merecidamente ou não (quem decide isso?...), que diferença faz? Difícil crer que um júri provavelmente formado por pessoas habilitadas, e não por amadores como nós, lhe terá concedido a premiação sem julgo do mérito, visto que assinatura famosa ela (ainda) não tem. Mas… já que isso parece te importar TANTO, saiba que uma busca simples no Google te leva a páginas com essa informação - se é que queres MESMO saber. Queres?

Se, entretanto, aceitares o convite para essa releitura, aproveita e consulta a bibliografia que se encontra nas últimas páginas do livro, pois entendo que de lá sairam as citações que também te incomodam tanto não saber página e parágrafo de onde sairam. Bem alí ao lado, a autora também lista com algum detalhe quem são os personagens reais do romance, ficando assim bem claro até onde ela se utilizou da vertente imaginativa e literária para contar uma história - não "A" História.

Boa diversão! E… não leves a vida TÃO a sério!

ps: - preferia assinar meu nome em aberto... mas... já que é TEU blog, façamos "em Roma, como os romanos"...

MPS disse...

AMS

Que pena que não tenha assinado o seu nome: assim, em vez de presumir, teria a certeza que se trata de uma senhora. Espero não me enganar.

Exercício interessante, o seu. Agradeço-lho desde já, mas tenho que dizer-lhe que parte de um pressuposto errado. Eu não divulguei o motivo que me levou a escrever esta apreciação (não é uma críca - não tenho competência para tal)e não o vou fazer, embora deva esclarecer que nada me move contra a autora, que desconheço, mas que presumo deva ser pessoa estimável.

Posto isto, devo esclarecer que sou particularmente atenta aos pormenores, pelo que jamais me poderia ter passado despercebido a evidência de que a obra é um ROMANCE histótico, logo, jamais estaria à espera de uma monografia.

Sobra a questão da forma. Uma citação é uma citação é uma citação e como ninguém conhece de cor os autores citados, é da praxe e da ética que se indique o autor e a obra citados (capítulo, página e parágrafo são dispensáveis). Se não se quer seguir tais regras, não se recorra à citação.

O rigor histórico existe, sim senhora. Exige-se aos historiadores e recomenda-se a quem escreve romances históricos. Aliás, a autora soube muito bem recorrer a tal rigor, quer do ponto de vista linguístico, quer, como afirmei no artigo, na forma como descreve os ambientes e na correcta colocação das personagens no tempo. Se bem me lembro, incluí isso nos aspectos positivos.

Se me leu com atenção, deveria ter reparado que o que mais me desagradou na obra foi a lama atirada contra Cristóvão de Moura que não está cá para se defender. A isso,a AMS chamará liberdade poética. Eu não!

Gostei pouco do livro. Referi o prémio atribuído por dar importância à verdade e, também, para dar a possibilidade, a quem me lê, de fazer a mesma pergunta que a AMS fez: "mas quem se julga ela para falar mal de um livro premiado?" Só posso responder-lhe assim: não pense que é arrogância, antes um amor imenso pela bela escrita. Se reparou, imediatamente a seguir escrevi um artigo sobre Jorge Amado, para que se percebesse melhor o que eu queria dizer quando me referi ao estilo da autora como sendo enfadonho como uma linha recta.

Não tenho que escrever outra versão da história; quem escreve e publica é que tem que se sujeitar a não ser apreciado. Foi o caso. E sim, li até ao fim, porque me irrita não o fazer, mesmo aturando uma grande estucha, mas sempre na esperança de encontrar uma ideia, uma metáfora, uma frase que resgate tudo o resto.

É evidente que a AMS leu o livro e gostou dele. Que tal dizer-me porquê? Seria interessante que trocássemos pontos de vista e argumentos. Quem sabe, talvez possa adoçar a minha opinião!

Quanto à seriedade com que levo a minha vida, sempre lhe digo que só posso viver uma e por isso procuro recheá-la daquilo que mais prezo. Por isso os livros (já tinha lido quase todos os que vêm indicados no final do romance).

Um abraço.

Anónimo disse...

Olá, MPS!

Antes de mais nada, deixa-me corrigir uma indelicadeza: não revelas teu nome, é verdade, mas informas que és do sexo feminino em teu perfil; assim sendo, é justo que saibas que não te enganaste, e que ao menos nisso temos algo em comum! Mais do que isso, só em contra-partida da tua auto-revelação! Também é justo...

Entretanto, nossas semelhanças – até aqui – não vão muito mais além: não acredito em “rigor” histórico (só em VERSÕES da História...), não me prendo ao passado, não nutro sentimentos viscerais por figuras históricas; procuro viver o presente, olhar a vida com leveza e ocupar-me dos vivos a estar a defender ou julgar os mortos.

Quanto aos comentários, não me leves a mal... longe de mim sequer pensar em exercer qualquer crítica a quem quer que seja. Discordar não é criticar – creio que nisso também concordamos. Meu propósito nunca foi o de gerar polêmica (o que eu tinha a falar sobre o livro, já o fiz) - apenas uma (talvez ingênua) tentativa de quebrar a linha contínua e monótona que permeia os diversos posts e comentários do blog, e abrir – despretensiosamente - novas perspectivas de se olhar o mundo, a vida, a História e os livros! Foi nesse sentido que eu disse que não levasses a vida TÃO a sério... Como tu mesma expressaste teu desgosto pelas “linhas rectas” na escrita – imagino que também aprecies as ondas e curvas do pensar.

"Na hora de odiar, ou de matar, ou de morrer, ou simplesmente de pensar os homens se aglomeram. (...) A opinião unânime está a um milímetro do erro, do equívoco, da iniqüidade. (...) Toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar." - Nélson Rodrigues

Eu vi, sim, o teu post sobre Jorge Amado, mas, sinceramente, pareceu-me a comparação um tanto descontextualizada, não achas?... afinal, “O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá”, por mais lírico que seja (e é), trata-se de literatura infantil...

Eu gostaria, sim, de te pedir um favor... revê o meu comentário anterior e vê que em momento algum eu disse, sugeri ou sequer “me perguntei”, como equivocadamente estás a supor: “mas quem se julga ela para falar mal de um livro premiado?" Mesmo que não o tivesses ressaltado, nota-se que és pessoa atenta aos pormenores, mas, nesse caso, desculpa... perdeste o ponto: isso, disseste-o TU.

Be happy!

MPS disse...

AMS

Antes de mais, impõe-se um esclarecimento sobre a forma como entendo a minha presença blogosfera: este blog é, para mim, lugar onde, de vez em quando, escrevo pensamentos, impressões, preocupações, etc. Digamos que, em vez de ser eu a organizar o meu ficheiro, pedi ao blogger que o fizesse por mim, tanto mais que nunca fui pessoa de escrever diários e nunca me entendi muito bem com papeis. Naturalmente que, estando no maior espaço público do mundo, o risco que corro é o de partilhar com qualquer pessoa os textos que escrevo. O risco, mas também o prazer, a alegria e a surpresa de encontrar pessoas muito interessantes e interessadas, como a AMS. Ninguém (quase) me conhece e eu não conheço (quase) ninguém, por isso, um nome próprio ou uma sigla vai dar exactamente ao mesmo: o anonimato. Quando me referi à sua assinatura foi nesse contexto, porque a AMS, no primeiro comentário, se referiu ao facto de assinar com sigla em respeito pelas “normas” da casa. Ora, apesar de eu assinar com sigla, não peço a ninguém que o faça. Se me referi ao género, foi porque me pareceu evidente, por aquilo que escreveu e pela forma como o fez, que se tratava de uma senhora e porque a língua portuguesa é muito exigente a esse respeito.

Levar a mal os seus comentários seria violentar o meu modo de ser: nasci com o gosto da dialéctica e, do mesmo modo que não hesito em expor os meus argumentos, aprecio que discordem de mim, nem que seja só pelo prazer de pesar os argumentos dos outros; porque ao fazer isso estou a enriquecer a minha própria reflexão. O facto de a AMS discordar de mim, longe de me contrariar, agradou-me, já deve ter percebido. Embora não conhecendo a frase de Nélson Rodrigues que citou, parece que leio pela mesma cartilha.

Quando introduzi o artigo sobre o “Gato Malhado” quis marcar a diferença e, para o caso, tanto servia um livro para crianças (dou esta de barato) como um livro de química. O texto de Jorge Amado, de tão belo, apetece sabê-lo de cor. Agora vou confessar-lhe um segredo: há livros que me seduzem tão profundamente que, quando acabo de os ler, só me apetece comê-los. Creio que a psicologia explica isso como a recusa inconsciente de aceitar o fim. Ora, no livro que ambas discutimos, procurei passagens que pudesse citar, mas nada encontrei digno de registo. Compreende a minha decepção?

Eis-nos chegadas à questão do prémio. A pergunta que cita fui eu que a fiz, sim! Aliás, se referi o prémio no artigo em causa, foi para dar aos meus possíveis leitores, precisamente, a possibilidade de a fazerem! Não gosto de enganar ninguém, nem que se equivoquem ou julguem mal por minha causa. Se a AMS não se perguntou isso deveria tê-lo feito, embora me pareça que sim, mesmo depois de reler o seu comentário: por que outro motivo alvitraria com a habilitação do júri?

Antes de terminar, duas notas pessoais. A primeira diz respeito à forma de encarar a vida. Diz-me que gosta de a olhar com leveza; eu gosto de a olhar com alegria e encaro as diferentes perspectivas como uma grande riqueza. A segunda nota tem a ver com as siglas com que assinamos: duas letras em comum. Curiosamente, cada vez que escrevia as letrinhas do seu nome (em textos mais longos uso o processador de texto), o computador alterava a ordem delas e ficava… MAS. Ri a bom rir porque, efectivamente, a AMS foi o único “mas” que falou comigo, quebrando, para meu agrado, “a linha contínua e monótona que permeia os diversos posts e comentários do blog”. Foi porque me agradou e porque deduzi que também gosta de uma boa discussão que lhe respondi naqueles termos. De outro modo, teria dado uma resposta lacónica e encerraria o assunto, não lhe parece?

Finalmente: as coordenadas geográficas são determinantes para a valorização que as pessoas dão, ou não, à História. Essa será, certamente, a nossa grande diferença, mas deixe que lhe diga que não acredito que não execre criaturas como Hitler e Estaline. Eu detesto muitas outras e tenho a certeza que, um dia, conhecendo-nos melhor, chegaremos à conclusão que detestamos algumas em comum. Tal não significa que alguém viva em função do passado. Pela minha parte significa, antes, que estou atenta ao futuro.

Um abraço

Anónimo disse...

Bem sabes, com certeza, que entendo perfeitamente tudo o que dizes, mas não sei se chegaste a “captar” toda a minha mensagem... deixo-a contigo, como um presente sincero de um encontro casual, que – quem sabe? – ainda volte a acontecer... a internet tem dessas coisas, e isso é o que nela me fascina!

Para encerrar essa passagem, só queria te dizer que não DESvalorizo a História... apenas olho para ela de modo relativo, ao contrário de ti, que a tratas como uma “ciência exacta”. E, não - não detesto NINGUÉM – o ódio só faz mal a quem odeia. Isso não significa que eu seja indiferente aos processos do mundo, não te enganes – significa apenas que não alimento os sentimentos negativos e prefiro transformá-los em ações efetivas de mudança, colocar o meu foco nas coisas boas, pois em presença da luz, não se encontra a escuridão.

Já fui um pouco como tu, e talvez por isso, veio-me um impulso de lançar-te um “alerta” (desculpa lá esse arroubo adolescente...). Não mais me prendo ao passado, nem olho para o futuro – ambos são meros pensamentos abstratos, não têm realidade. Prefiro me concentrar no PRESENTE, pois é nele que se vive.

No mais... Se procuras a verdade, existe uma qualidade importante que deves possuir: uma escrupulosa prontidão para admitires que podes estar errado(a). – Anthony de Mello

A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida. – Vinícius de Moraes

Foi bom te ter encontrado!

ps: não sei quanto a ti, e pouco importa... mas AMS são realmente as minhas iniciais! (sorriso)

MPS disse...

AMS

Saltando sobre a desconsideração do seu primeiro parágrafo e, também, para encerrar o assunto:

a História não existe sem o passado e se não perspectivar o futuro. O ser Humano é o único que tem História, precisamente, porque é o único ser que equaciona o tempo e reflecte sobre ele.

Equivoquei-me quando pensei que a AMS entrara aqui para debater um assunto. Mea culpa por não ter percebido que queria, apenas, dar-me conselhos. Responder a conselhos com argumentos não faz, de facto, sentido nenhum.

Talvez nos encontremos novamente, mas espero que seja em circunstâncias menos equívocas.

Até lá.

P.S. as letras MPS são, de facto, iniciais do meu nome.