Está muito bem organizada e completa a exposição que o Museu do Chiado dedica a Columbano. Quem lá for pode ver ao vivo grande parte das obras que fazem de Columbano um dos nomes maiores da pintura portuguesa. Aí estão os grandes escritores por si retratados – Antero (justamente em destaque, porque tal obra parece prenunciar a tragédia próxima, de tal modo Antero se assemelha mais a um espectro do que a um corpo vivo) mas também um Guerra Junqueiro sem aquela barba de rabi com que nos habituámos a identificá-lo; Oliveira Martins, Fialho de Almeida, Batalha Reis, Ramalho Ortigão, etc. Pode ver-se, também, o célebre Grupo do Leão; as obras dedicadas a Camões; o Convite para a Dança; o Concerto de Amadores, etc., etc.
São, no entanto, três pinturas pequenas aquelas que mais me fascinaram e que gostaria de conhecer melhor. Demorei-me tempo quase inconveniente em frente de cada uma delas porque são admiráveis.
Na primeira, o jovem sobrinho do pintor ensaia freneticamente qualquer peça para piano e quase parece querer coser-se com o instrumento. As folhas da partitura, de tão manuseadas, estão com os cantos dobrados e levantados. É impossível não rir.
A segunda (e não sigo a ordem pela qual estão apresentadas) é um José das Dornas totalmente saído da imaginação de Columbano, inspirado na personagem de Júlio Dinis. Mais do que o Português, representa o minhoto folgazão, segurando um copo de vinho branco que, quero crer, só pode ser um bom verde. A satisfação lê-se no sorriso, nas bochechas rosadas e no brilho intenso do olhar. É a menor das três pinturas.
Mas é a terceira que me deixa quase sem palavras, tal a mestria com que foi feita. Como quase sempre, o uso de tons escuros obriga os nossos olhos a habituarem-se à pouca luz e a descobrir, aos poucos, cada pormenor da cena. Uma senhora segura uma chávena de chá que, pela cor e por o serviço ser da companhia das Índias, apetece pedir-lhe que faça o favor de nos servir um também. O gesto dela é gentil e percebe-se isso pela pequena inclinação do líquido no interior da chávena. Olhando atentamente, descobre-se um samovar por entre o fundo escuro. As mãos da senhora são magras. Columbano pinta as mãos como poucos o sabem fazer, tão reais como se fossem mãos verdadeiras aquelas que vemos ali! Mas os cabelos! Ah! Os cabelos! Como dizer que Columbano nos permite sentir-lhes a macieza e apreciar cada curva que desenham ao enrolar-se em carrapito? O vestido da senhora é muito escuro (à boa maneira da pequena burguesia de fins do séc. XIX), mas não tão escuro que nos impeça de perceber os contornos da cadeira onde se senta e que, por sua vez, se distingue bem do fundo, sem luz, da pintura. Esta mestria em conseguir distinguir entre tons de escuro é maravilhosa e rara. E eu que não conhecia esta obra!
Quis comprar o catálogo, mas não foi possível porque apenas se fizeram 20 exemplares. É esse o motivo pelo qual não posso reproduzir aqui nenhuma das obras que referi. Espero que o erro se possa remediar. Apeteceu sair dali e seguir directamente para os Passos Perdidos da Assembleia da República, para continuar a ver Columbano!
São, no entanto, três pinturas pequenas aquelas que mais me fascinaram e que gostaria de conhecer melhor. Demorei-me tempo quase inconveniente em frente de cada uma delas porque são admiráveis.
Na primeira, o jovem sobrinho do pintor ensaia freneticamente qualquer peça para piano e quase parece querer coser-se com o instrumento. As folhas da partitura, de tão manuseadas, estão com os cantos dobrados e levantados. É impossível não rir.
A segunda (e não sigo a ordem pela qual estão apresentadas) é um José das Dornas totalmente saído da imaginação de Columbano, inspirado na personagem de Júlio Dinis. Mais do que o Português, representa o minhoto folgazão, segurando um copo de vinho branco que, quero crer, só pode ser um bom verde. A satisfação lê-se no sorriso, nas bochechas rosadas e no brilho intenso do olhar. É a menor das três pinturas.
Mas é a terceira que me deixa quase sem palavras, tal a mestria com que foi feita. Como quase sempre, o uso de tons escuros obriga os nossos olhos a habituarem-se à pouca luz e a descobrir, aos poucos, cada pormenor da cena. Uma senhora segura uma chávena de chá que, pela cor e por o serviço ser da companhia das Índias, apetece pedir-lhe que faça o favor de nos servir um também. O gesto dela é gentil e percebe-se isso pela pequena inclinação do líquido no interior da chávena. Olhando atentamente, descobre-se um samovar por entre o fundo escuro. As mãos da senhora são magras. Columbano pinta as mãos como poucos o sabem fazer, tão reais como se fossem mãos verdadeiras aquelas que vemos ali! Mas os cabelos! Ah! Os cabelos! Como dizer que Columbano nos permite sentir-lhes a macieza e apreciar cada curva que desenham ao enrolar-se em carrapito? O vestido da senhora é muito escuro (à boa maneira da pequena burguesia de fins do séc. XIX), mas não tão escuro que nos impeça de perceber os contornos da cadeira onde se senta e que, por sua vez, se distingue bem do fundo, sem luz, da pintura. Esta mestria em conseguir distinguir entre tons de escuro é maravilhosa e rara. E eu que não conhecia esta obra!
Quis comprar o catálogo, mas não foi possível porque apenas se fizeram 20 exemplares. É esse o motivo pelo qual não posso reproduzir aqui nenhuma das obras que referi. Espero que o erro se possa remediar. Apeteceu sair dali e seguir directamente para os Passos Perdidos da Assembleia da República, para continuar a ver Columbano!
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Depois de concluído o post, a Porca da Vila fez o favor de me enviar um endereço em que vinha reproduzida a última das pinturas a que me referi. e que está, agora, incluída no artigo. Muito obrigada PV!
6 comentários:
Columbano é, sem dúvida, um dos maiores de sempre da pintura portuguesa.
A terceira obra que refere chama-se 'Chávena de Chá' [ http://www.jokerartgallery.com/fotos/pin/pinheiro/chavena_cha_1878.jpg ], e a primeira, pela descrição que faz, penso que seja 'Um Concerto de Amadores' [ http://www.jokerartgallery.com/fotos/pin/pinheiro/Um_Concerto_de_Amadores_1882.jpg ]
Uma vergonha que o catálogo para uma exposição destas seja limitado a 20 exemplares!
Um Xi da Porca
Obrigada, Porca da Vila! Acertou em cheio na "Chávena de Chá", mas o outro não é o "concerto de Amadores" que retrata um serão em casa dos pais de Columbano (ele próprio está retratado no grupo que, no canto esquerdo, se entretém em amena cavaqueira). Esta é uma obra de grandes dimensões, também patente na exposição. Aquela a que me refiro creio que se intitula "Lição de Piano", em que Columbano pinta o seu sobrinho na posição que descrevi.
Agora, à sua conta, o meu artigo vai ficar mais bonito e a obra mais divulgada. Como agradecer-lhe a atenção se só tenho um Bem-haja?
Um abraço
mps:
Não era para agradecer. A sua descrição do quadro quase dispensava a imagem, e a inclusão desta mostra isso mesmo!
Boa semana
Um Xi da Porca
Espero que a exposição tenha muitos visitantes, mas tem sido tão pouco divulgada... O Museu do Chiado não tem, exactamente, a capacidade financeira da Gulbenkian que lhe permite fazer muita publicidade... mas os órgãos de informação deviam estar mais atentos e os cidadãos deiam habituar-se a ler os cadernos culturais dos jornais... ou a ler jornais!
Um abraço
O artigo diz tudo sobre Columbano, mestre da Arte de pintura. Aliás, esta família foi exemplo dedicado e de simbólica valia no campo das Belas-Artes.
Manuel Maria Bordalo Pinheiro, o pai, foi pintor, escultor e gravador.
Dos irmãos de Columbano, destaque para Rafael Bordalo Pinheiro (artista plástico, desenhador, caricaturista, aguarelisa e ceramista), D. Maria Augusta de Prostes Borbalo Pinheiro (pintora e decoradora), Tomás Bordalo Pinheiro (professor e desenhador).
Na geração seguinte, a terceira consecutiva, vemos Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro, filho de Rafael (desenhador e ceramista), Fernando de Aragão Bordalo Pinheiro (fotogravura e cermânica), Pedro de Aragão Bordalo Pinheiro (desenhador do histórico jornal humorístico SEMPRE FIXE), e Dinis de Melo Bordalo Pinheiro (fotogravura), todos filhos do professor Tomás Bordalo Pinheiro.
Ali na década de 1980, o Museu Nacional de Arte Contemporânea organizou uma grande exposição de Columbano, que tive o grato prazer de ver, quando ainda circulava por Lisboa. Até breve, pois, como sempre, adorei passar pela sua interessante página.
Obrigada, Jofre, por mais este contributo tão enriquecedor. Na verdade, há famílias que constituem uma espécie de dinastias artísticas. Esta, a dos Bordalo Pinheiro, é exemplo notável disso.
Recordo a exposição de que falou e que marcou o meu primeiro contacto a sério com a obra de Columbano.
Um abraço e obrigada por ser sempre tão gentil
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