19/03/2007

Vamos por partes (IV)



O senhor ministro da economia subscreveu uma campanha alarve palavra que, caso o senhor ministro não saiba, significa selvagem, rude, indelicado e ignorante. Caso também não saiba, o adjectivo vem do árabe al-‘arab e, enquanto substantivo, tem ainda a acepção de salteador. Isto nos nossos dias porque, originariamente, era usada no plural e significava, simplesmente, os povos árabes. Chamamos evolução semântica ao fenómeno.

Tal como alarve, também Algarve vem do árabe e quer dizer o Ocidente (de al-garb). Ora, o senhor ministro da economia decidiu subscrever uma campanha cujo título é ALLGARVE para, diz ele, associar a ideia de “total” (do inglês all) ao Algarve! E o senhor ministro considera a ideia interessante! E o senhor ministro não tem vergonha de o dizer!

Alterar a etimologia das palavras é assaltar uma língua. Quem suprime um bem a outrem está a praticar um assalto. Ao aceitar suprimir a etimologia de uma palavra portuguesa, o senhor ministro está a assaltar o património nacional! Fá-lo por alarvidade! Não a tem, mas devia ter vergonha (do latim verecundia: reserva, pudor, respeito por alguém ou por alguma coisa).

Tudo isto, no entanto, tem um sentido: a supressão do ser nacional que se traduz na transformação dos cidadãos em seres vazios de memória que é o mesmo que dizer: ocos de conhecimento. Não me refiro, apenas, à campanha do senhor ministro da economia que facilmente passaria por tonta, se não fosse o contexto em que vivemos.

O contexto em que vivemos é o seguinte:

- ataque ao sistema de ensino de modo a que nada seja possível ensinar: as novas gerações de professores terão formação científica em coisa nenhuma. As gerações saídas do novo sistema serão um nada sobre o qual os governantes poderão inscrever qualquer coisa e o seu contrário;

- ataque ao conceito de direito das populações alegando os direitos das maiorias. Este está plenamente alcançado, vendo-se o povo do interior do país completamente só na luta pela manutenção em funcionamento das suas escolas, centros de saúde, maternidades, hospitais, postos de correio, etc.

- criação de novo código linguístico, dividindo-se este em duas versões. A primeira traduz-se na adopção de eufemismos de modo a que a realidade jamais transpareça das palavras (veja-se o faltar à verdade; a interrupção voluntária da gravidez, etc.). A segunda versão consiste em reduzir o léxico em número e elegância, enquanto se recheia o discurso de palavras estrangeiras para que não haja muitos cidadãos capazes de o decifrar. Porque se reduz o léxico, é imperioso que muitos significados sejam acrescentados às palavras que sobreviveram: o significado que importa a quem fala, que não é senão aquele que tem o poder. Só neste caso se compreende como é que o senhor primeiro-ministro tem sido classificado de “tribuno” pelos media obedientes e ignaros.

Quem leu 1984 de Orwell sabe bem do que estou a falar. Na novilíngua imposta aos cidadãos – o INGSOC – o Ministério da Verdade tem o seguinte lema: Guerra é paz / Liberdade é escravidão / Ignorância é força. Por todo o lado, fotografias gigantescas do Grande Irmão afiançam que ele vela por ti. Ah! É verdade: também o nome das terras foi mudado!

11 comentários:

Anónimo disse...

O senhor 'Menistro' é um 'pallerma'...

Um Xi da Porca

MPS disse...

Indeed!

Ah!Ah!Ah!Ah!Ah!

Jorge P. Guedes disse...

Não entro no grupo dos revoltados.

O homem apenas aprovou um slogan que pretendia dizer "todos ao Algerve", como poderia ser "todos ao circo", por exemplo.

Culpá-lo de insultar algarve, algarvios, Portugal, parece-me excessivo. O homem sabia lá que m slogan tão apelativo, tão pra frentex, e simplex ao mesmo tempo, haveriade causar tal celeuma?!

O homem sabe de números, coitado, conhece lá ele as palavras!

Um abraço.

Anónimo disse...

Se a moda pega vai ser um problema.
Espero bem que que as autoridades idanhenses com responsabilidades no turismo raiano não queiram este ano festejar a senhora do ALLMURTÃO, que se festeja agora, 15 dias depois da Páscoa.

MPS disse...

Jorge:

que bem te fica a ironia! O senhor ministro saberá o que faz e até deve ter números que demonstram que os portugueses entendem melhor o inglês do que o português, porque só assim se compreende a inclusão da campanha "ALLgarve" nos jornais portugueses! Ou, melhor ainda, deduz que os anglófonos lêem a imprensa portuguesa! Deus o abençoe por tamanha fé. Eu, que não sou Deus, é que lhe não perdoo o assalto à minha língua!

MPS disse...

Chanesco

Ah!Ah!Ah!Ah!Ah!

Pois!... Mas depressa arranjaríamos novos trovas:

Senhora do ALLmurtão
Ó minha linda raiana
virai costas ao ministo
mandai-nos algum andana!

Senhora do ALLmurtão
mandai sol que vai chover:
se o ministro cá vier
nada terá p'ra beber!

Senhora do ALLmurtão
Eu p'ró ano Vos prometo
se afastardes o ministro
ensino-lh'o alfabeto!

Olha a rosinha
que secou, secou,
do cimo do monte
o vento a levou!


Um abraço!

MPS disse...

Jorge

De tão empolgada, esqueci-me do mais importante:

UM ABRAÇO!

Anónimo disse...

A seguir vai ser Portugall...

[PQosP]

Um Xi da Porca

MPS disse...

Cara PV: subscrevo o seu "PQosP".

Ontem, no Expresso, a Inês Pedrosa sugeriu que Portugal se chamasse PortuGOAL, para lembrar a importância do futebol!

E cá vamos "cantando e rindo"...

Um abraço

Anónimo disse...

Querida 'mps':

Estou preocupada. Ainda de férias, ou o entusiasmo esmoreceu?

O 'Brègancês', pelo menos, não pode morrer! Já consegui reunir mais uma dezena de termos que um dia deste lhe vou enviar por mail.

Dê notícias!

Um Xi da Porca

Anónimo disse...

Obrigada pela preocupação e interesse. Também por mail já lhe escrevi a justificar-me.

Um abraço