02/02/2007

O senhor ministro da economia

Alcântara, quinta-feira à tarde, junto a um contentor de lixo que serve as docas de barcos de recreio:

- O senhor está a olhar muito para mim, mas olhe que eu não despejo no chão os sacos em que mexo!

O homem, que teria à volta de cinquenta anos, foi desfiando o seu rosário:

- Aqui encontra-se comida muitas vezes e quase sempre em bom estado. É com isso que me vou alimentando. No Verão é melhor porque há mais pessoas a sair com os barcos e quando voltam despejam aqui a comida que lhes sobra. No Inverno… olhe, já fico contente se, ao menos, puder fazer uma refeição diária!

O homem exprime-se correctamente. No tom e na atitude são invisíveis quaisquer marcas de revolta ou de auto-complacência. O seu interlocutor é que vai remoendo o que ouve e nem sabe o que há-de dizer.

- Vivo ali, debaixo das arcadas – prosseguiu – e não gosto de pedir. Só pedi uma vez, porque em dois dias só tinha comido uma maçã e já não me aguentava em pé.

- Venha comigo! – Convidou o interlocutor a quem a voz, finalmente, se soltou. Dinheiro não lhe dou, mas pago-lhe o almoço.

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Este homem (e quantos mais?) aceitaria, certamente, trabalhar algumas horas por dia em troca de almoço e jantar. Tem razão, pois, o senhor ministro da economia ao referir os baixos salários nacionais como factor de estímulo ao investimento estrangeiro em Portugal. O que eu não sabia e me surpreendeu nas suas declarações, foi o facto de sua excelência considerar que os nossos baixos salários podem competir com os miseráveis salários da China!

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Face às reacções dos sindicatos, nada mais ocorreu ao senhor ministro do que apodá-los de "forças de atraso". Confesso-me, de novo, rendida à sabedoria de sua excelência! Tem toda a razão! Não fora a corja sindical e o mundo do capital estaria muito mais rico por não ser obrigado a pagar salários que garantam algo mais do que a sobrevivência estrita! O mundo do capital seria muito mais dinâmico se pudesse continuar a empregar crianças de seis e de quatro anos em vez de despender dinheiro a inventar soluções mecânicas que possam substituir os seus dedos pequenos! Não fora a corja sindical, os conceitos de férias, segurança social, pensão de reforma, escolaridade obrigatória e sufrágio universal estariam para o nosso tempo como a vida está para Marte! Não fossem essas “forças de atraso” e os capitalistas generosos continuariam a poder dar-se ares de filantropos, permitindo generosamente que as mães de filhos pequenos os amamentem e lhes fiquem eternamente gratas em vez de exigirem a aplicação dos seus direitos legais.



Tem toda a razão, senhor ministro! Não fossem as forças sindicais, a riqueza de uns quantos seria muito maior do que é!

7 comentários:

MPS disse...

Porca da Vila

Talvez, talvez! Embora me pareça que os ancestrais de alguns tipos nunca foram expulsos do jardim do Éden. Alopardos como este vivem, por isso, num universo paralelo ao nosso!

Alopardo! Boa entrada no Brègancês!

Um abraço e bom fim-de-semana também para si!

Jorge P. Guedes disse...

Estanão foi uma simples "boutade" à Soares ou à Bush.
Esta foi a estultícia de um ministro impróprio para consumo, interno ou externo.
E ainda vem o seu chefe defendê-lo, desvalorizando as suas asneiras, em vez de lhe destinar desde já o lugar merecido, o cesto de papéis dos objectos descartáveis.

Um abraço.

MPS disse...

Jorge:

para que lhe desse tal destino, era forçoso que o primeiro ministro discordasse do ministro. Mas ambos falam a mesma língua! O ministro, ao menos, de vez em quando, diz o que realmente pensa. é só um pouco menos cínico do que o seu chefe!

Um abraço

Chanesco disse...

Cara MPS

O que eu acho é que o sr ministo teve uma branca e se esqueceu do texto do guião.
Como falar sobre os dossiers exige algum conhecimento dos mesmos, para não ficar calado, improvisou... da pior maneira.

Saudações raianas

PS: O cartoon está excelente.

MPS disse...

Chanesco:

pois, deve ter sido isso! Mas como o senhor ministro nunca deve ter frequentado aulas de artes cénicas não aprendeu que o improviso... se treina arduamente.

O Chanesco foi a primeira pessoa a referir-se ao cartoon de que também gostei muito, pela quantidade de metáforas que congrega: a árvore do fruto proibido do Éden; a rebelião operária (vista como a rebelião de Eva); o fruto proibido (que é o capital)e, a mais evidente, a de que a união faz a força, que é como quem diz, permite a vitória.
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Então e as geadas têm sido das boas? Lá para os meus lados, na semana que passou, foram tão fortes que as pessoas ficaram sem água em casa e as ruas tornaram-se autênticos rings de patinagem! É dessas que gosto!

Um abraço

Chanesco disse...

Minha cara MPS

Gostei da forma poética como interpretou o cartoon. Aqui vou aprendendo a valer.
Tudo é verdade, mas, na parte da "união faz a força", eu vi de outra maneira, talvez mais objectiva.
Parece-me estar no topo da pirâmide um magnata como seu inevitável charuto e a sua gravata ao vento, que se aproveita do operariado para subir na vida, tentando alcançar o objectivo principal que é o capital.

Quanto às geadas? "nem o frio dá conta delas".

Um abraço raiano

MPS disse...

Quanta gentileza, Chanesco!

Entendo a interpretação qua faz, que é plausível. No entanto, continuo a ver no lugar de cima a representação da pessoa em que o operário se poderá tornar, sindicalizando-se e lutando pelos seus direitos. Explico porquê: é que o indivíduo está representado sem gordura de sobejo, nem anéis nem as inevitáveis notas a saltarem-lhe do bolso do fato costumeiramente axadrezado. Também não usa cartola. Tem um rosto normal, digamos assim, em vez da expressão ávida e maldosa que costuma ser representada por um rosto de grandes proporções onde sobressai uma enorme boca que deixa entrever uma dentadura imponente, daquelas que tudo devoram.

Mas que a sua interpretação é possível, isso é!

E se a geada é valente, então este ano, pelo menos, o fumeiro há-de ser de truz!

Um abraço