09/02/2007

Mulher e menoridade

O estudo do aparelho reprodutor feminino e do aparelho reprodutor masculino integram o currículo nacional de Ciências Naturais, disciplina obrigatória no ensino básico, também ele obrigatório. As escolas, em parceria com os centros de saúde, multiplicam-se em sessões de esclarecimento sobre sexualidade e meios contraceptivos, enquanto nas bibliotecas das escolas existe literatura abundante sobre o assunto, adequada à idade adolescente. Ou seja: a informação existe! Já nenhum adolescente acredita que os meninos são trazidos pela cegonha. Porque se engravida, então, sem querer? Só há uma resposta possível: descaso das consequências!

Enfatizo a pergunta anterior: porque se engravida? Mulher alguma engravida sozinha e ela e o parceiro sabem que um acto sexual sem protecção pode originar gravidez. Mesmo assim não se importam. Não são coitadinhos, são inconsequentes. Estes garotos arranjam dinheiro para o tabaco; arranjam dinheiro para as primeiras drogas, mas falta-lhes dinheiro para preservativos! Como pode ser? Aos jovens adultos vemo-los gastar somas consideráveis em noites de discoteca e bebedeira, mas não usam o preservativo. Não me importam para nada os argumentos que usam em defesa de semelhante comportamento, mas importa-me a leitura que, inevitavelmente, se tem que fazer dele:

homem que se não protege e não quer ser pai, faz da mulher instrumento de prazer ao seu serviço;
mulher que se não protege e não quer ser mãe reduz-se, a si própria, a objecto de prazer;
mulher que se não protege porque vai na cantiga do parceiro está a aceitar uma canga.

É, em qualquer caso, um retrato de menoridade, porque de submissão, voluntária ou imposta. Onde estão as feministas?

Em vez de mais educação; de acesso gratuito aos meios contraceptivos e de responsabilização do homem, o Estado Português propõe que se liberalize o aborto. Não se caia no sofisma de que despenalizar não é liberalizar porque, quando o Estado deixa de contar determinado acto como crime, está a dar-lhe licitude, a dizer que, praticá-lo, não está errado! E a mulher lá continua, submissa e menor; ainda mais só e desprotegida se for maioritário o voto “sim” no referendo ao aborto.

Não é só com o aborto clandestino que se deve terminar. É com o aborto ele próprio! E porque se não acaba com o alcoolismo encontrando solução médica para a ressaca, não é legalizando o aborto que se combate tal flagelo. Mas a novilíngua reinante não quer saber disso para nada. Tratou de inventar um eufemismo perifrástico para dourar a pílula. A novel expressão ignora o feto; finge que ele não existe - aliena consciências! Mas quem interrompe voluntariamente uma gravidez está, de facto, a abortar, que é o nome que o dicionário dá ao crime de matar um ser antes do nascimento. Tudo o resto é desamor à mulher e descaso pela vida!

4 comentários:

Anónimo disse...

Como me revejo neste teu texto! Hoje já não posso dar opiniões porque estamos no período de reflexão...mas teria muito a dizer sobre educação sexual. Mas sempre digo: há uma palavra que deixou de fazer parte do nosso léxico - castidade. Com ela se evitariam muitas desgraças.Vamos ter o aborto livre e já temos o amor livre, sem quaisquer restrições até de idade!

Anónimo disse...

Não sei, e não quero julgar ninguém, mas parece quanto mais informação temos, mais corremos para o abismo, situação deveras difícil de entender.

Por exemplo, estatisticamente, os homens bebem menos do que bebiam, mas em contrapartida as mulheres, os jovens e adolescentes bebem muito mais do que anos atrás, incomparavelmente!

Apesar de tudo, temos a segunda maior taxa europeia de gravidez precoce e na adolescente, logo a seguir ao Reino Unido! Como entender isto na era na informação, da proliferação do preservativo, dos meios anticoncepcionais?

Tudo isto levante complexas questões de diversa natureza, sendo que alguns dirão ser fruto do hino ao sexualismo consagrado pelos novos valores sociais.

Tudo é diferente, não sei se para melhor ou pior, e como bem diz no texto, já ninguém quer saber disto para nada. Até o velho e popular “desmancho” surge encoberto num eufemismo pseudo-liberal: interrupção voluntária da gravidez.

Agora, o palavreado é bonito e pomposo, mas as questões eternizam-se, e o dilema societário persiste, com pesada herança para o futuro.

MPS disse...

Luísa

Apesar de ontem ter sido dia de reflexão e, hoje, dia de votar - já o fiz! - a lei impõe silêncio nesses dias às campanhas e aos órgãos de comunicação social. Este meu artigo não é campanha nem a urzeira é jornal, pelo que nenhuma de nós viola a lei ao trocar ideias numa conversa que pouco mais é do que privada.

Obrigada pelas suas palavras e um abraço.

MPS disse...

Jofre

Também eu constato a mudança que me deixaria feliz se fosse apenas no sentido da liberdade.

Entrei para o liceu em Outubro de 1974, com a revolução da liberdade a preencher todas as nossas conversas adolescentes. Perfilhei, para a vida, aquela máxima tão banal na época mas que agora anda esquecida: "a minha liberdade termina exactamente onde começa a liberdade dos outros". Com essa máxima aprendi que a liberdade não é um absoluto; que ela tem que levar os outros em consideração, ou seja: a liberdade tem que ser responsável, caso contrário é libertinagem porque isenta de sentido social.

Ora, é precisamente o sentido social que estamos a ignorar. Vemos crianças com comportamentos malcriados e não os repreendemos; pior, se alguém tiver a ousadia de o fazer, corre o risco de ser insultado pelos pais delas; vemos as mesmas crianças e jovens a assumirem comportamentos pré-criminosos e culpa-se os professores e a escola; diz-se-lhes que tudo tem que ser divertido e desbarata-se o esforço e o trabalho, etc. As crianças e os jovens aprendem que tudo é lícito porque sempre fizeram tudo sem serem castigados e a satisfação imediata dos seus desejos um direito inquestionável. Quando chegam à idade da sexualidade, porque é que há-de ser diferente?

Resumindo, Jofre, não tenho dúvidas quanto ao motivo dos comportamentos que tão bem refere: é a cultura da irresponsabilidade. O mais triste disto tudo é que, individualmente, estes seres perderam a consciência do que é a liberdade. Eles são mais subjugados do que nós fomos antes de Abril!

Um abraço e obrigada pelas suas palavras tão gentis, mesmo discordando de mim.