Não vou usar eufemismos: os garotos de agora têm uma vida lixada. São, pelo menos, 35 horas de frequência obrigatória na escola (entre o 7.º e o 9.º ano) o que, dividido por cinco dias úteis, dá uma média de sete horas diárias a que têm que somar-se as necessárias para cumprir toda a panóplia de exercícios, relatórios, fichas, etc. que cada professor lhes vai pedindo. Ou seja, se são esforçados e cumpridores, estes miúdos trabalham, no mínimo, nove horas por dia. É possível aprender bem com esta sobrecarga? Duvido!
Garotos de 12 anos precisam de brincar. Em que tempo o poderão fazer? O horário escolar tolhe a infância. São sete horas por dia encafuados em buracos sombrios ( a maior parte das salas de aula não passa disso mesmo) onde o ar se não renova porque as persianas da janelas têm de estar corridas para que o sol não frite as cabeças e a luz exterior não impeça a utilização do quadro preto (quem desenhou estas escolas devia ser obrigado a aprender nelas)! Onde é que estas crianças gastam as energias e soltam raivas e frustrações, se até perderam o direito aos intervalos entre aulas? A escola está a transformar-se numa fábrica de infelizes e inadaptados.
Nas trinta e cinco horas semanais aprende-se, de facto, o que é importante? Duvido de novo. As 35 horas semanais são divididas entre:
L. Portuguesa
L. Estrangeira I
L. Estrangeira II
Matemática
História
Geografia
C. Naturais
F. Químicas
E. Visual
E. Tecnológica (ou outra)
E. Física
E. Acompanhado
A. Projecto
F. Cívica
ou seja, 35 horas a dividir por muitas disciplinas dá quase nada a cada uma. Esclarecendo melhor: os professores de Inglês, Francês, História, Geografia, C. Naturais e F. Químicas têm, conforme os anos, entre 90 e 135 minutos semanais para ensinarem tudo o que é preciso. Hora e meia ou duas horas e um quarto! Parafraseando Matilde Rosa Araújo, é "uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma". Tudo se agrava se atendermos à organização dos tempos lectivos em blocos de 90 minutos, o que significa que a miudagem, boa parte das disciplinas, tem-nas uma vez por semana. De que se lembra cada um quando chega à aula na semana seguinte? E se faltou? Não há aprendizagem efectiva quando o assunto só volta a ser tratado muito tempo depois, se se não relembra e se não treina.
Há ideias que nascem de geração espontânea, pegam de estaca e medram mais do que erva regada. É aqui que se incluem as áres curriculares não disciplinares que só existem pelo gosto, óbvio, que quem as criou tem pela perífrase. Tais áreas integram a Área de Projecto; o Estudo Acompanhado e a Formação Cívica. Para que existem e para que servem? Para nada, a não ser maçar os garotos, roubar-lhes horas preciosas do seu dia e tempo às disciplinas, ou seja, ao saber. Eis o único motivo pelo qual os professores foram mandados avaliar "competências" em vez de saberes. Foram transformados em amestradores.
A tudo isto some-se a dispersão a que os professores são obrigados: têm que, na sua disciplina, agarrar no programa nacional e fazer dele adaptações sucessivas: umas são "adaptações a" e outras são "adaptações segundo". As "adaptações a" são as que se fazem ao meio escolar; a cada uma das turmas que lecciona (que podem chegar a 11!) e, dentro destas, ao desenvolvimento e interesses de cada um dos alunos. As "adaptações segundo" são as que são feitas para respeitar e integrar os seguintes projectos: "projecto educativo de escola"; "projecto curricular de escola"; projecto curricular de turma (um por cada turma que lecciona) e projecto da "Área de Projecto". Alguém que conte o disparate que é o número de projectos existentes numa escola!
É de doidos! A senhora ministra quer fazer o favor de me explicar como é que tem cara de assacar aos professores a responsabilidade pelos maus resultados dos exames nacionais? Exames nacionais?! A lógica, a continuar a do parágrafo anterior, exige um exame por aluno!
Alguém ainda se lembra do seu horário escolar? Eu conservo os meus porque não fui ensinada a odiar a escola.
Eram tão longas as tardes! Tão cheias de liberdade!
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11 comentários:
Olá!
Este meu comentário está publicado em "O Sino da Aldeia".
Saúde e um abraço.
Jorge
Provavelmente falhei o objectivo do artigo: pretendia demonstrar que a escola devia servir para ensinar e não para fingir que ensina, sobrecarregando o horário da garotada com coisas que não lembram ao diabo. Pior: disciplinas que deveriam ser espaço exclusivamente destinado à destreza física e gestual (?) (E.Física e E. Tecnológica) estão a transformar-se em mais aulas teóricas, desviando-se da função única que deveriam exercer na preparação integral dos indivíduos.
Caro Jorge:
afinal antecipei-me e a tua resposta veio depois, no artigo irónico que acabei de ler. Soltei uma gargalhada, o que tem sido difícil nestes dias preparat
orios do ano escolar.
O teor do artigo reflecte aquilo que muitos de nós pensamos. É verdade tudo o que dizes. Por outro lado, tenho que defender um pouco as NAC, pelo menos no que diz respeito à sua concepção pelo falecido Paulo Abrantes. Sei que a sua ideia não era a "teorização" absurda a que temos assistido, nomeadamente no Estudo Acompanhado e na Área de Projecto. A Formação Cívica parece-me óbvia e simples de "utilizar" (no sentido lato de "tornar útil"). Cabe-nos a nós reformular as nossas aulas de EA e AP.
Abraço
Bom regresso, Miguel! Confesso que sentia a tua falta.
Olha, eu, das denominadas áreas curriculares não disciplinares, conheço apenas aquilo que chegou às escolas, ou seja, dois parágrafos ocos para cada uma delas. Sobre a sua concepção nada sei. Sobre a formação cívica tenho a firme convicção de que uma só aula de História é mais eficaz do que aqueles 45 minutos semanais. O problema é que, ao retirar-se (tanto) tempo ao ensino da História se inviabilizou a sua essência que é a da formação de cidadãos conscientes e intervenientes, porque conhecedores do país, do mundo e dos seus meandros. Digo-te mais: uma criteriosa selecção dos manuais das línguas, particularmente do da Portuguesa, permitiria com grande eficácia a abordagem de temas essenciaias. Nenhum assunto é descabido quando se analisa um texto durante a aula.
Quanto às outras duas sei apenas o que é que eu faço: promovo a leitura e a escrita para que, ao menos comigo, aquele tempo não seja desperdiçado.
A ideia das áreas não disciplinares não me desagrada se for entendida como uma oferta da escola para suprir as dificuldades individuais dos alunos. Pessoalmente gosto de lhes oferecer o teatro (gosto muito e sinto-me à vontade). No teatro aprende-se a disciplina e tem-se a noção exacta de que a falta de empenho individual resulta em perda para todos; o trabalho em grupo é efectivo, etc. Estou certa que os meus alunos de teatro (voluntários eles e eu)aprenderam muito sobre o que é construir um projecto, sobre as tentativas que se fazem e que não resultam, sobre querer tanto que uma coisa dê certo que não nos importamos que o protagonismo não seja nosso, sobre a alegria que é, no fim, ter sido capaz.
Eu penso assim e mantenho-me firme na convicção de que o ensino ganharia muito se as escolas oferecessem teatro, música, dança, carpintaria, lavores, etc. (a título voluntário). Ganharia estudantes entusiasmados e com amor pelo saber. Como está tem alunos aborrecidos que se divertem a descobrir o melhor modo de destruir as aulas e o material sem serem descobertos.
Uma nossa colega, igualmente minha amiga e professora no FMH, trabalhou com o Paulo Abrantes aquando da concepção dos modelos teóricos. A Gestão Fléxivel do Currículo é uma proposta muito interessante, mas completamente desvirtuada pelo anterior governo. Este não faz melhor. Estamos a entrar num campo muito complicado que se relaciona imenso com as aptidões pessoais e profissionais de cada um. Por outro lado, estamos a entrar no domínio dos recursos humanos e será aqui, na minha opinião, que a suína dá uma volta ao apêndice traseiro (politicamente - ou estupidamente - falando). E porquê? Ora se (vamos supôr que todos somos profissionais - sem qualquer adjectivo, o que já me satisfaria) qualquer um pode ministrar AP, EA ou FC, o mesmo não acontece com o teatro, a música, a dança, etc. Ou seja, isso implicaria o recrutamento de novos recursos, o que está, de todo, inviabilizado à partida pela actual política educativa. Mesmo que aches na escola professores com vontade, o actual regime de horas não lectivas, que, como sabes, inclui actividades com as que acima referiste, desmotiva qualquer um.
É claro que é muito penalizador o facto de a História ter perdido uma hora.Aqui não há nada a dizer. Fica a pergunta: porquê a História?
Gosto da tua convicção e é ela e outras como a tua que me fazem continuar a lutar por uma profissão quase indigna. Contudo, estás a idealizar os jovens. Muitos há que sentem despertar o gosto e a paixão pelo mundo que os rodeia, mas muitos mais são os que preferem fugir da escola a sete pés, ofereça ela o que oferecer; aqueles que vivem agarrados aos video-jogos e que nada, na sala de aula ou fora dela, os consegue motivar. Dir-me-ás "Há pois!", quase certamente com razão, mas voltamos à questão dos recursos físicos e humanos - e haverá vontade governamental para suprimir eventuais necessidades?
Um abraço
P.S. A História não perdeu só uma hora: perdeu hora e meia no 7.º ano e outro tanto no oitavo (ou no 9.º conforme as escolas e as negociações com a Geografia) e não foi só a História, foram todas aquelas que mencionei no corpo do artigo: as duas línguas estrangeiras, as C. Naturais, a F. Química e a Geografia.
Estás a ver? Começo pelo post scriptum, atitude que não pretendo revolucionária mas demonstrativa do estado da educação em Portugal!
Sabes, Miguel,qualquer pessoa normal é capaz de fazer muitas coisas na vida. Partilhar o saber e o gosto deveria ser tão normal como a saudação da manhã. Dito isto, tenho a certeza de que não é preciso recorrer a mais contratações para que, querendo os professores e querendo as escolas arregimentar esses professores e os membros disponíveis das comunidades locais, as escolas poderiam ser lugares bem mais interessantes. E não, não estou a idealizar os garotos, sei é que, se nada lhes for oferecido nada têm para experimentar e as possibilidades de escolha - que são o fundamento do crescimento do indivíduo - desaparecem.
No decurso da minha vida profissional encontrei professores de Ingês que eram bailarinos, pianistas, cantores de canto lírico; encontrei professores de História que eram músicos; professores de Física que eram pintores; professores de Biologia que tocavam diversos instrumentos musicais, etc. Encontrei tudo isso e raramente a vontade de, nas suas horas de redução, se oferecerem aos miúdos, o que, confesso, me faz uma impressão enorme.
Falas-me no ambiente que se vive actualmente nas escolas e dou-te toda a razão. A decisão draconiana de obrigar os professores a cumprirem um horário infindável(em espaços que não existem e materiais que são uma miragem), a senhora ministra conseguiu aquilo que mais ninguém foi capaz: impedir o trabalho dos mais entusiastas. No que me diz respeito, conseguiu que eu, ao fim de muitos anos, fosse incapaz de apresentar as duas peças de teatro a que habituara a comunidade. Nisso tiro-lhe o chapéu pois conseguiu tornar improdutivo o meu trabalho. Que se gabe disso!
Gostei do "post scriptum". Afinal há muitos "post scriptum" que mereceriam o epíteto de "ante criptum".
Tens toda a razão e acredito que tenhas encontrado professores com imensas vocações e talentos. Eu, talvez fruto da minha inexperiência, tenho como presente uma realidade diferente. Talvez esta realidade seja fruto das incoerências que se vivem.
A irritação era tanta que me saiu canhestra a última parte da resposta que te dei. A irritação, bem entendido, era com quem manda em mim!
Gostei da ideia do "criptum" porque é numa cripta que nos estão a meter. Voltámos aos tempos das catacumbas: só falta o novo Coliseu porque o circo está montado.
Sim, e também já há leões. Porque será que não nos vejo com ares de gladiadores?
Porque será, senhores?
Também já vejo o polegar indicando a decisão!
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