Os nossos pais são como árvores enxertadas e, por isso, dão origem a duas classes de descendentes: os filhos e os herdeiros.
Os filhos amam os pais pelas pessoas que são. Dedicam-se-lhes e provam essa dedicação, pautando as suas vidas pelos mesmos padrões éticos que lhes seviram de exemplo. Os filhos aprendem dos pais as atitudes e as palavras e sabem que será essa a maior riqueza que receberão. Por isso os filhos sonham a impossível perpetuação dos pais, mas, quando estes dão sinais de estarem incapazes de tomar conta de si, amparam-nos e sentem que chegou a vez deles de servirem de colo. Os filhos não fazem isto como um peso, fazem-no com a naturalidade do amor.
Os filhos, em lágrimas, cantam canções de embalar aos pais. Os filhos rezam, à noite, as orações que os pais já não sabem dizer.
Os herdeiros nascem de um enxerto invisível. Os herdeiros traduzem a relação biológica numa operação matemática: "quanto me poderá render o nascimento?"Os exemplos e as palavras que fizeram proveito aos filhos são, para os herdeiros, inaceitáveis e de tudo fazem tábua-rasa. As acções dos pais, em gritante contradição com as suas, vêem-nas como insultos. E afastam-se para não serem comparados. São amados, apesar de a sua ausência os privar de receberem carinho. Nos escassos reencontros a conversa deixa de fluir, por isso se resume a um "então mãe / pai, como está"?
Quando os pais deixam de ser capazes de tomar conta de si próprios, os herdeiros reagem com desagrado e são rápidos a alijar a carga. A incapacidade dos pais é sentida, por eles, como um atentado contra o próprio bem-estar, mas como não gostam que se façam comparações, tentam convencer os filhos a comportarem-se como eles. Se a situação se arrasta, os herdeiros começam a manifestar pública pena pela condição dos pais. Dizem que já não é vida e que a morte seria uma bênção. No seu íntimo, vão sonhando com isso, não vendo a hora de deitar a mão àquilo que consideram ser seu por direito. Os herdeiros consideram que os filhos, seus irmãos, os obrigam às únicas operações que detestam fazer: divisão e subtracção.
Quando a hora chega, ai dos irmãos! Querem chorar a perda, mas a matilha não lhes larga os calcanhares: há que fazer partilhas. Então, os herdeiros deixam cair a máscara!

4 comentários:
"A gratidão é um fruto de grande cultura; não se encontra entre gente vulgar "
Samuel Johnson
Um abraço M.
É exactamente assim!...
Raramente um momento de partilhas decorre em paz e respeito por quem morreu. Os herdeiros querem herdar, nada mais!
Um abraço
Jorge
É verdade, Miguel, mas é tanta é a gente vulgar e "tão poucos os Homens!" E vamos assistindo a isto, vezes sem conta.
A vida vai-se encarregando de nos dar conhecimento disso, não é assim, Jorge?
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