As árvores enxertadas dão todas o mesmo fruto, mas os frutos, apesar de serem da mesma casta uns dos outros, têm textura e sabor diferentes. Assim, por exemplo, um cerdeiro enxertado frutifica em cerejas, mas as cerejas dele nascidas tanto podem ser vermelhíssimas como discretamente tingidas, rijas como macilentas.
Os nossos pais são como árvores enxertadas e, por isso, dão origem a duas classes de descendentes: os filhos e os herdeiros.
Os filhos amam os pais pelas pessoas que são. Dedicam-se-lhes e provam essa dedicação, pautando as suas vidas pelos mesmos padrões éticos que lhes seviram de exemplo. Os filhos aprendem dos pais as atitudes e as palavras e sabem que será essa a maior riqueza que receberão. Por isso os filhos sonham a impossível perpetuação dos pais, mas, quando estes dão sinais de estarem incapazes de tomar conta de si, amparam-nos e sentem que chegou a vez deles de servirem de colo. Os filhos não fazem isto como um peso, fazem-no com a naturalidade do amor.
Os filhos, em lágrimas, cantam canções de embalar aos pais. Os filhos rezam, à noite, as orações que os pais já não sabem dizer.
Os herdeiros nascem de um enxerto invisível. Os herdeiros traduzem a relação biológica numa operação matemática: "quanto me poderá render o nascimento?"Os exemplos e as palavras que fizeram proveito aos filhos são, para os herdeiros, inaceitáveis e de tudo fazem tábua-rasa. As acções dos pais, em gritante contradição com as suas, vêem-nas como insultos. E afastam-se para não serem comparados. São amados, apesar de a sua ausência os privar de receberem carinho. Nos escassos reencontros a conversa deixa de fluir, por isso se resume a um "então mãe / pai, como está"?
Quando os pais deixam de ser capazes de tomar conta de si próprios, os herdeiros reagem com desagrado e são rápidos a alijar a carga. A incapacidade dos pais é sentida, por eles, como um atentado contra o próprio bem-estar, mas como não gostam que se façam comparações, tentam convencer os filhos a comportarem-se como eles. Se a situação se arrasta, os herdeiros começam a manifestar pública pena pela condição dos pais. Dizem que já não é vida e que a morte seria uma bênção. No seu íntimo, vão sonhando com isso, não vendo a hora de deitar a mão àquilo que consideram ser seu por direito. Os herdeiros consideram que os filhos, seus irmãos, os obrigam às únicas operações que detestam fazer: divisão e subtracção.
Quando a hora chega, ai dos irmãos! Querem chorar a perda, mas a matilha não lhes larga os calcanhares: há que fazer partilhas. Então, os herdeiros deixam cair a máscara!
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
4 comentários:
"A gratidão é um fruto de grande cultura; não se encontra entre gente vulgar "
Samuel Johnson
Um abraço M.
É exactamente assim!...
Raramente um momento de partilhas decorre em paz e respeito por quem morreu. Os herdeiros querem herdar, nada mais!
Um abraço
Jorge
É verdade, Miguel, mas é tanta é a gente vulgar e "tão poucos os Homens!" E vamos assistindo a isto, vezes sem conta.
A vida vai-se encarregando de nos dar conhecimento disso, não é assim, Jorge?
Enviar um comentário