01/12/2009

1640 e mais Fialho

Esta manhã, de nevoeiro e chuva, está de feição para nos trazer o Encoberto. Verdade, verdadinha, ele já chegou na pessoa de D. João IV. Quem o afirma é o jesuíta Padre António Vieira, e eu acredito mais nele do que em mim própria (será que a sanha antijesuítica se deve à lucidez dos seus membros?).

Volvidos 369 anos sobre a manhã refundadora da liberdade pátria em 1640 (outras existiram!)que povo somos nós? Seguidores acríticos da propaganda republicana que repetimos como papagaios, sem lhe conhecer a origem, atiramos mancheias de lama sobre 270 anos de História, o tempo da IV dinastia. À História de Portugal exigimos que cumpra a impossibilidade de se manter eternamente no apogeu, enquanto todos aceitamos a inevitabilidade da queda dos impérios, em sinal do devir histórico. E que fazemos por nós, para não soçobrarmos de todo? Em vez de delinearmos o futuro, atiramo-nos como cães raivosos a quem nos não dá a vida de lordes a que julgamos ter direito. Lá está: "a quem nos não dá", como se não fosse obrigação de cada um suar para conseguir o próprio sustento. Acusamos a Pátria da quimera sebastianista e não reconhecemos nesse "não nos dá" o nosso contributo pessoal para a alimentar. Acusamos todo o mundo, menos a nós.

É muito interessante este trecho do Fialho:


Como se todos tivessem nascido para destinos de príncipes, o menor contratempo desilude esses inermes (...). À preguiça que lhes deu o clima, juntam o fatalismo sorna que a tradição histórica lhes deu, e a cobardia física, vinda da dependência estrangeira e da esmoplante miséria em que Portugal tem vivido, desde o senhor D. João IV. Nenhum país possui, sob esse ponto de vista, mais autómatos. A iniciativa particular escandaliza a nossa inércia. Qualquer vontade medianamente enérgica nos faz medo E daqui dois males graves. O primeiro é aguardarmos toda a vida, por um fundo sebastiânico da raça, esse protector misterioso que numa manhã de névoa há-de vir pôr-nos a mesa, arranjar-nos o emprego, mobilar-nos a casa, casr-nos rico, e que não vindo nunca, constantemente nos impede de ganhar a vida por um trabalho sólido e higiénico. O segundo é estarmos aptos a sofrer constantemente o jugo dum subalterno audaz que qualquer golpe de mão leve ao pináculo, e que uma vez sagrado chefe, chicoteie a seu gosto a caterva de humildes pulhas que nós somos. Estes dois males ponte-vistam a história de todas as nossas misérias e de todas as nossas subserviências, internas ou externas, quaisquer que sejam (...).

E o que mais confrange é esta abdicação, no Estado como no indivíduo, ser feita de indolência estúpida, de desgoverno insólito, de falta de brio cívico. Não nos cerceia a miséria filha dum estancamento completo de recursos; cerceia-nos o desleixo, derivante dum descaminho de força, e de uma aplicação viciada e de predilecções e faculdades. (...) O resultado é este:em cima, o País gozado por dez ou doze charlatães, de parceria com dez ou doze bandidos, o todo fazendo permutaç~oes d'infâmias e jigajogas de negociatas, que lhes permite aguentarem-se alguns meses mais no tombadilho; em baixo a massa avulsa, morrinhenta, sórdida, sem força, desiludida de tudo, irrespeitosa de tudo, insultando-se como os cães, vendo passar as afrontas indiferente, e deixando-se cair alfim no próprio vómito, onde a letargia a açovaca, té que uma chicotada nova a faça outra vez estrebuchar!

(...)De sorte que o salve-se quem puder não deve exprimir-se no momento actual, por este grito: «quem nos livra dos ingleses!» mas por este outro - quem nos livra de nós mesmos!

In: Os Gatos, 31 de Agosto de 1890


Em 2009 damos por nós um vintém, ou vendemo-nos por um vintém?

5 comentários:

Mare Liberum disse...

Cara MPS

É fácil criticar os outros, censurá-los pelo que não fazem mas esquecemo-nos de que somos co-responsáveis pelo estado deplorável a que se chegou. Não só é necessário lutar pelo nosso próprio sustento como contribuir urgentemente para a melhoria desta sociedade de que somos sócios vitalícios e da qual não nos podemos nem devemos auto-excluir.

Bem-haja!

Um abraço fraterno pleno da mais pura gratidão. Estou a melhorar e a si muito devo.Bem-haja, hoje e sempre.

Meg disse...

Amiga MPS,

Entro e saio, leio e releio, deliciada com o excerto do Fialho.

Fialho e Eça... seriam visionários?
Porque me esqueço que escreveram há mais de um século!
E sorrio, com um sorriso amarelo, claro, porque o mundo já devia ter mudado. E pouco ou nada mudou, a não ser os ingleses...

Um bom fim de semana.
Um abraço

Mare Liberum disse...

Cara MPS

Venho desejar-lhe um Santo e Feliz Natal, passado em família, condimentado com os frutos da solidariedade, amor,fraternidade, tolerância, amizade...
Por aqui o frio já chegou mas por enquanto não nos podemos queixar dele.

Bem-haja!

Um abraço fraterno

Meg disse...

Querida MPS,

Eu sei, mas não me atrevo a dizer que imagino...
Amanhã vou lembrar-me muito de si, e com muita ternura e carinho.
Um Natal com muita paz no coração, é o que esta amiga lhe deseja.

Um bom Natal... quanto possível.

Um abraço

Jofre Alves disse...

Venho, quase envergonhado, desejar-lhe um Bom Natal, crente que, embora o meu desejo seja sincero e sentido, talvez seja temporão, mas que seja pleno de Paz e harmonia dentro do seu grande coração. Um abraço.