É preciso sair deste arrepelar os cabelos, deste só reparar no que está mal. Por isso mesmo, quero falar de coisas boas. Começo pelos meus alunos.
Os meus alunos são uns heróis e ninguém pense que isto é falácia.
De manhã, respondem com um sorriso aberto ao meu sorriso rasgado e brincam comigo: “A s’tora vem sempre com uma pica!...” Umas vezes aguentam-me hora e meia de enfiada, outras vezes três quartos de hora e, sem intervalo, ainda eu não acabei a aula de História e já a professora de Matemática entrou na sala, para me render. Os coitados nem têm tempo de sacudir a cabeça para arrumar as ideias. Mesmo assim, lá vem outro sorriso aberto e o trocar de cadernos e de livros sem demora. Depois de outros três quartos de hora virá o intervalo. Comem, vão à casa de banho, jogam à bola, conversam. Conseguem fazer tudo isso em quinze minutos. Abençoados!
Os horários deles são mais longos do que os de muitos trabalhadores. Se forem bons alunos têm trinta e cinco horas de aulas semanais. Se tiverem dificuldades, às trinta e cinco horas acrescentam-se mais uma série de apoios que, tudo somado, dá para assustar qualquer um. Todos têm que cumprir, ainda, horas de estudo em casa e quando chegam de manhã à escola, vêm carregados com muitos quilos de livros e de cadernos. De que nos espantamos, de que nos queixamos se, por vezes, não fazem os trabalhos de casa ou não trazem o manual?
Bastaria isto para já os considerar heróis. Mas heróis a valer, aqueles que provam ter capacidades humanas extraordinárias são os bons alunos e os bem-educados. Eles sabem que nada acontece aos seus colegas que não estudam, que faltam às aulas, que são violentos para os condiscípulos e insolentes para com os professores. Mesmo assim, têm brio em ser bons alunos, pedem que o professor lhes explique o mundo e os ajude a compreender e mantêm uma delicadeza extrema. Acredite-se, ou não, há garotos destes em todas as turmas. Tão resistentes para não sucumbirem à tentação da facilidade, tão corajosos!
Quase todos nos aproximam da família. Trazem-nos fotografias dos avós, dos irmãos… De outros, somos a única família verdadeira, porque só de nós recebem a atenção, o afecto e o conselho que merecem. Quantas vezes, o alimento!
É por estas razões que me confunde ouvir falar mal da garotada. Também eu tenho alunos malandros, daqueles que merecem um bom par de estalos; também me passam marginais pelas mãos. Mas estes plurais podem contar-se pelos dedos de uma mão e todos os outros não merecem a desconsideração de serem confundidos com eles.
Enquanto preencho papéis insanos e redijo relatórios para que conste, sinto saudades dos meus garotos, os únicos que dão sentido, alegria e beleza ao meu trabalho.
13 comentários:
Ó Stôra
Admiro a sua fantástica subtileza para falar tão delicadamente, de coisas tão difíceis, e reconheço isso pelo facto de ter duas netas, uma no 3º ano, outra no 4º,que são o exemplo verdadeiro do que acaba de descrever neste seu post, uma pela positiva,a outra nem tanto!
Reconheço nas suas palavras o quanto falta fazer, para que o ensino e o estudo se torne um prazer para quém ensina e para quém aprende!
Obrigado por este seu contributo tão valioso para uma reflexção, que algum dia alguém pretenda fazer!
Eu ainda acredito que isso possa acontecer!...E a Stôra?
Abraço
Pena que os que estudam e trabalham com afinco, autênticos heróis, como muito bem diz, sejam cada vez em menor número e se vejam cada vez mais injustiçados pelas políticas erradas de cosmética estatística da governação cor-de-rosa.
Um Xi Grande
Caro Manangão
Fico-lhe muito grata pelas suas palavras tão gentis.
O debate de que fala vai-se fazendo nas escolas, muito embora as orientações superiores e as estruturas impostas o tentem impedir. Acredito, ainda, que tal debate se fará, um dia, a nível nacional - até porque nenhuma teria pedagógica é eterna e não é provável que a cadeira do Ministério da Educação volte, tão cedo, a ser ocupada por uma equipa tão malfazeja quanto esta.
Um abraço
Caríssima PV
Usou o termo certo: estes jovens são "injustiçados". Pior: o poder dá argumentos aos preguiçosos e parasitas, oferecendo-lhes todas as armas para que possam gozar com aqueles que teimam em ser bons alunos. E depois dizem-se preocupados com o Bullying! A vergonha assentou arraiais bem longe da 5 de Outubro!
Um abraço
Boa tarde,
Serão esses o alento indutor da "pica" que transmite quando lecciona?
E ao invés do que por vezes se diz, temos que tirar o chapéu aos professores e fazer um strip de chavões gastos quando se olha a pauta duma turma de 10º ano numa escola pública de província que em 23 alunos vemos uma reprovação, vários entre o 14 e o 16, 7 ou 8 com médias entre os 18 e os 19 valores e pelo menos DOIS VINTES!!!
Obrigado professores
Cara Amiga e Colega
Gostei muito do seu post. À semelhança do que sempre acontece.
Todos os meninos nos dão alento para continuar aquilo que nos propusemos há mais de trinta anos porque,posso afirmá-lo em termos de primeira pessoa do plural, enveredámos com gosto por esta profissão. Outra ou outras poderíamos ter escolhido visto que o acesso aos restantes cursos não obedecia a quaisquer numerus clausus. Se uns constituem um desafio maior porque a escola não era o caminho que pretendiam seguir,outros são uns verdadeiros heróis porque não se deixam soçobrar por aqueles que tudo fazem para que uma aula não decorra dentro do que planeámos. Para uns e outros, procuramos estratégias, ensino diferenciado, apoios, enfim tudo quanto temos ao nosso alcance para que o sucesso seja conseguido através do conhecimento adquirido com solidez e motivação adequada. Também tenho alunos muito bons, que me apresentam a família apesar de não ser sua directora de turma e que muitas vezes manifestam, aos irmãos, primos, vizinhos mais novos o desejo de que eu seja sua professora. É isto que, ao fim e ao cabo, neste momento me dá força para continuar apesar de mergulhada num mar de papéis que pouco tem a ver com aquilo que eu gostaria de estar a preparar para o próximo ano lectivo.
Mas eu quero continuar neste barco!
Um abraço
Lápeç de Piedra
Obrigada!
Com essas notas, em qualquer sítio é de ficar de queixo caído! Nas cidades ou vilas do interior do País, mais ainda, tendo em conta que muita da rapaziada vem das aldeias, levantando-se de madrugada e regressando tardíssimo a casa. A esses não lhes tiro só o chapéu - faço-lhes uma vénia profunda!
Cumprimentos
Cara Sophiamar
Antes de mais, obrigada pelo plural. Só me resta confirmá-lo. Se assim não fosse, nenhum de nós aguentaria os tratos de polé do Ministério da Educação. Valem-nos os garotos que (quase) tudo compensam. É por eles que vale a pena ficar. E pelos colegas mais novos que precisam de quem os oriente e lhes transmita uma ideia de Escola que fique nos antípodas da tecnocracia anti-humana que se está a tentar criar.
Um abraço
Cara amiga
Já na beira-serra, sob um sol escaldante, venho desejar-lhe, ainda que com alguma antecedência, um bom fim de semana. Espero inaugurar amanhã a minha época balnear e dar umas braçadas no mar que desde menina me acolhe. Aqui bem ao sul, à beira do Cabo de Santa Maria.
Um abraço
Amiga MPS
Foi bom, foi tão bom vir visitá-la depois desta ausência, e encontrá-la com este ensaio sobre as nossas crianças e jovens!
Acabaram-se as ausências, minha amiga, voltei a ter tempo para visitas...
Espero encontrá-la sempre com esse "astral"... precisamos tanto!
Um abraço amigo
Cara Sophiamar
Que lhe saiba muito bem ou, como nós dizemos: dê-lhe na alma!
São já as férias? Eu ainda tenho que esperar alguns dias e muitos mais para sair daqui.
Um abraço e boas férias, se for o caso
Cara Meg
Espero que este regresso se deva a algum alívio no trabalho.
É preciso olhar à volta e saber encontrar o tanto que existe de bom. Estava a sentir-me deprimida e o meu instinto disse-me que isso me fazia mal.
Um abraço e bom regresso
Minha cara MPS
Passei só para desejar um bom fim de semana e deixar
um abraço.
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