
Apresentação
D. Sebastião e Miguel Leitão de Andrada nasceram em datas muito próximas. Deana Barroqueiro faz dessa coincidência o início e o pretexto do romance: “D. Sebastião e o Vidente”. O vidente é, naturalmente, Miguel de Andrada, o autor da “Miscelânea”, obra que reúne vários poemas, lendas, etc. e uma bela descrição da batalha de Alcácer Quibir na qual o autor participou.
É um livro muito longo que termina na página 629 com o latino “Finis”. Ao longo dessas páginas, a autora dá mostras da muita e árdua pesquisa que fez e que lhe serviu para descrever bem os ambientes e situar correctamente as personagens e os factos históricos. Para mim terminam aí as virtudes do livro.
Estilo
Há pouco a dizer sobre o estilo de Deana Barroqueiro, a não ser que não escreve capítulos maiores do que três ou quatro páginas facto que, só por si (porque se trata de artimanhas para prender o leitor), já é um insulto ao próprio leitor, insulto que vai repetindo pela voz do narrador com tiradas parecidas com isto: haverá já muitos leitores que estão de garras de fora para criticarem; esses que parem por aqui. A autora saberá (e quem a leu, também) que obras tomou por modelo quando começou a recear a crítica!
O romance está escrito numa prosa escorreita e certinha, pouco entusiasmante como uma linha recta. Ali não há rasgos literários e não se encontra uma frase em que o leitor se possa deter para a saborear melhor.
Toda a gente sabe de quem é o verso "amor é fogo que arde sem se ver". As normas da escrita ordenam, no entanto, que se utilizem aspas ou itálico e, naturalmente, se faça referência ao autor. Frequentemente, Barroqueiro não faz uma nem outra coisa. Mas faz mais: quando cita (percebe-se que é citação porque surge em itálico) não indica a fonte, o que, além de irritante, está errado. Ainda sobre citações, faz aparecer alguns poemas em contexto algo que, sendo exercício interessante a realizar com alunos, me parece de pouca valia para a literatura, tanto mais que faz parecer que os poetas não pensam os poemas e que os não trabalham, surgindo-lhes prontos e perfeitos.
Enredo
1 – A ideia não me parece má para um romance: uma criança nasce em data próxima do nascimento do rei Desejado e começa, desde menino, a ter visões terríveis. O romance, para fazer sentido (e jus ao título), deveria ter aproximado as duas personagens, mas a verdade histórica, a que a autora quer ser fiel, impede tal aproximação. Os dois falam-se, apenas, uma vez, durante o périplo de D. Sebastião pelo Algarve. E é por essa distância que o enredo não faz sentido, já que as visões de Miguel Leitão de Andrada nunca chegam ao conhecimento do Rei nem, coisa estranha, advertem o vidente dos perigos que o seu rei irá correr. Pelo contrário, ao longo da trama, apesar das visões, Miguel mostra-se um defensor acérrimo do Desejado e um entusiasta da conquista de África.
2 – A autora quer, a todo o custo, explicar a aversão de D. Sebastião pelo casamento. Para isso, lança mão da tese, (contestadíssima pelos historiadores) segundo a qual, o rei sofria de gonorreia. Não é a verosimilhança da doença que aqui se contesta. O que não posso tolerar é o ferrete lançado sobre uma figura real: Cristóvão de Moura.
Para quem se não lembra, Cristóvão de Moura, fidalgo português, partiu para Espanha integrando a casa da princesa D. Joana, mãe de D. Sebastião que, pouco tempo depois de ver o filho nascido, regressou ao seu país, tendo ajudado o irmão Filipe na governação e assumido, por algumas vezes, o cargo de regente. Cristóvão de Moura tem o seu nome manchado entre os mais férreos patriotas portugueses que o acusam de traidor porque, desde sempre, se assumiu fiel de D. Filipe, tendo-lhe sido muito útil nos meandros da compra do voto da nobreza portuguesa. Não vem ao caso defendê-lo nem atacá-lo, antes, estranhar como é que alguém, sem provas concretas, o acusa de acto profundamente maquiavélico e ignóbil. Segundo a autora, Cristóvão de Moura, de conluio com os próceres do rei menino (então com onze anos), terá feito com que uma prostituta infectada com gonorreia seduzisse o donzel, tendo como único objectivo impedir que o rei viesse a ter filhos e assim, quando D. Sebastião morresse, Filipe II alcançaria a almejada união ibérica. É uma acusação medonha que escamoteia os conselhos que Filipe II deu ao sobrinho, no sentido de evitar que se lançasse na loucura africana!
3 – De novo, a questão do vidente. O livro chega ao fim com o desenlace da batalha de Alcácer Quibir cuja descrição é das poucas páginas com interesse. Tendo em conta a importância da personagem, seria de esperar que, ao menos em breve resumo, nos fosse contado o resto da vida de Leitão de Andrada, até porque a autora nos deixou suspensos dos seus amores com a prima Beatriz que enviuvara muito antes da batalha. Ora, em termos amorosos, a biografia do cronista de Alcácer Quibir diz-nos que, regressado ao reino após o cativeiro em Fez, se casou em primeiras núpcias com D. Inez de Atouguia e, só depois da morte desta, logrou casar-se com sua prima Beatriz de Andrada. Enfim, fios que ficaram por tecer, dando origem a uma urdidura frouxa e pouco cativante.
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Nota: o livro já recebeu, pelo menos, o prémio Máxima de Literatura, de 2007