Nos tempos pós-modernos (ainda é assim que se escreve?), o príncipe deve saber, antes de mais, que algumas máximas de Maquiavel estão desactualizadas: já não interessa parecer virtuoso, importa parecer. Apenas parecer, parecer qualquer coisa (corajoso, obstinado, trabalhador, bem vestido...).
Para conservar o poder, o príncipe deve:
1 - Escolher um alvo a abater. Um de cada vez, porque abrir várias frentes de guerra pode conduzir à derrota. Esse alvo pode ser dividido em vários alvos menores, para parecer que a luta é dura. Quanto mais duro parecer o combate, mais corajoso parecerá o príncipe.
2 - Considerar como essencial que o alvo escolhido para abatimento deve ser composto por gente com pouca capacidade de combate.
3 - Antes de iniciar a guerra, o príncipe precisa de preparar o "terreno", semeando mentiras que pareçam verdades. Algumas das mentiras podem ser verdades parciais. Por exemplo, generalizar a todo o grupo as más práticas de alguns, ou mostrar como esse grupo goza de privilégios a que mais ninguém tem acesso. Com este exercício, o príncipe conseguirá:
a) semear a discórdia entre os membros do grupo a abater e encontrar apoiantes, até, entre aqueles que quer arrasar;
b) o aplauso de todos aqueles que ainda não são os alvos a abater. A melhor prova de que a estratégia teve sucesso surgirá quando, aqueles que ainda não são os alvos a abater, começarem a rotular os membros do alvo a abater de preguiçosos, parasitas, etc.
4 - Preparado o terreno, o príncipe pode responsabilizar o alvo a abater de todos os males da república. Nessa altura, os membros do alvo a abater estarão tão fragilizados que, mesmo que consigam falar, os apupos da populaça não permitirão que sejam ouvidos ou, sendo-o, serão acusados de apenas quererem manter os seus privilégios e de não se importarem com o bem comum. O príncipe nem precisará de falar.
5 - É preciso que pareça que o príncipe trabalha muito. Ele deve parecer a antítese do alvo a abater. O príncipe deve comparecer a muitas reuniões, a maioria das quais aos fins-de-semana, chamar as televisões e aproveitar a oportunidade para divulgar mais algumas meias-verdades.
6 - É preciso que pareça que o príncipe se sacrifica, a si e à família, em prol do bem comum. As reuniões de fim-de-semana, feriados, etc. para isso contribuirão também. Com isto, o príncipe conseguirá envergonhar os membros do alvo a abater. Por esta altura, alguns membros do alvo a abater já se sentirão, de facto, privilegiados, e disponíveis para receber, de braços abertos, a sentença que o príncipe vier a decretar.
7 - Os membros envergonhados do alvo a abater serão apresentados como prova de que o príncipe tem razão. Serão instrumentos utilíssimos na guerra inter-pares que convém espicaçar. A autofagia provará a vitória do príncipe.
8 - Destruído o primeiro alvo a abater, o príncipe escolherá o próximo alvo a abater. A estratégia a seguir será exactamente a mesma. Os membros do alvo abatido engrossarão as fileiras dos que apoiarão as medidas que o príncipe tomar contra o alvo a abater no momento.
9 - Demagogia, populismo e fascismo serão palavras que alguns escreverão ou dirão, mas serão muito poucos. A esses, se não lhes conseguir tocar, o príncipe deve chamá-los às franjas do poder: eles iluminarão os seus salões e provarão que o príncipe é pessoa que aprecia a crítica e gosta de ouvir. Contribuirão para a aparência.
10 - O príncipe deve ter sempre em mente que o seu objectivo não é governar bem, é manter o poder. O poder só pode ser mantido se for exercido sobre súbditos submissos.
26 comentários:
Amiga MPS
Estes seus dez mandamentos ,em relação aos do discipulo do demónio, são mais suaves,no entanto não deixam de não ser preocupantes, porque reais.
Felismente que não somos todos subditos, existem ainda alguns cidadãos de corpo inteiro.
Felicito-a pela utilidade deste seu trabalho de reflexão.
Bem haja
José Manangão
Objectivo �nico do pr�ncipe:manter o poder!
Excelente dec�logo como nos acostumaste. A subservi�ncia, atenta ao poder, tudo far� para o servir, custe o que custar.
Beijinhossss
Iria jurar que havia comentado este escrito, tão bem me lembro dele!
Afinal, só por lá passou um "muçulmano" (muslim) que escreveu: "Nice blog." hehehe!...
Pois então, comento desta vez, e ainda não compreendo como me escapou na altura.
Mas vou dizer o quê? Tutto è vero e bene trovato!
Achei já na altura um texto engraçadíssimo, mordaz e premonitório.
Hoje, continuando a pensar da mesma forma quanto ao humor e à mordacidade, vejo-o como uma verdade histórica, incontestável.
E mais não digo porque não sei.
Um abraço e parabéns pela oportunidade de voltares à liça com o feliz texto.
Caro José Manangão
Gostei da sua reacção à utilização do termo "súbdito" e que soubesse, muito bem, pô-lo em oposição ao de "cidadão", conceito tão caro às repúblicas.
O conceito de "príncipe" é sinónimo de governante (qualquer que ele seja) e o de "súbdito" é sinónimo de governado, independentemente do sistema político dos países. Os revolucionários franceses (re)introduziram o conceito de cidadão (nascido na Grécia Antiga), nos nossos dias essa diferença não existe. Olhemos bem e pensemos quem será mais súbdito: o britânico e o espanhol ou o venezuelano e o norte-coreano?
Um abraço
Cara Sophiamar
Pois é, há sempre muitos mosquitos à volta de qualquer luz, por muito artificial que ela seja.
Um abraço
Caro Jorge
Também tu te riste! Foi, exactamente, por sentir a ironia, que não apaguei aquele comentário.
Obrigada pelas tuas palavras. Às vezes dar-nos-ia muito prazer que estivessemos enganados. Tristemente não é o caso.
Um abraço
Ora cá esta ela!
Eu sabia que um dia iria encontrar a famigerada cartilha pela qual se regem todos os políticos, sejam eles defensores de que doutrina forem.
Encontrei-a agora aqui, para mais, explanada com a clareza dos iluminados.
Um abraço
Caro Chanesco
Tem razão: todos lêem pela mesma cartilha. O resto serve para inglês ver.
Belíssima, a sua imagem de apresentação!
Um abraço
Meus caros amigos!
Que todos possam ler pela mesma cartilha -aceito com reservas,mas, que todos siguam as instruções da mesma, é um conceito generalista que não posso aceitar!
Eu amo a democracia, por tal facto tenho que aceitar os políticos, e fazer a escolha mais acertada!
"A felicidade está em cada um contentar-se com aquilo que consegue" "Leão Tolstoy"
Abraço para ambos
José Manangão
Caro José Manangão
Admiro o seu reparo e a convicção com que o fez, pelo que mostra de devoção a uma causa e de confiança em algumas pessoas. Pela minha parte, gostaria de ser capaz de continuar a acreditar e seria feliz, mesmo que nada tivesse a ver com a definição de Tolstoi.
Um abraço
Li e pensei de imediato em Nicolo Maquiavel, embora a socrática Corte (estou a pensar em paço, mas também em cortelho), dizia, não tenha de modo algum o esplendor da dos Bórgia, e esta gentalha não tem nenhuma grandeza ética da e na governança.
Dizia Maquiavel que um príncipe devia «ter grande cuidado em que não lhe saia da boca uma só palavra que não esteja cheia de qualidades», o que não é o caso do bacharel Pinto de Sousa, mas também duma classe politica decadente e desprestigiada que tem vindo sistematicamente a desprezar o sentido da virtude (virtus).
A História quando se repete é sempre como tragédia ou comédia, e às vezes ambas as coisas em simultâneo, o que é uma farsa horripilante. Mas infelizmente não tenho vontade de rir
Quando observo a actual situação política, partidária, parlamentar (e paralamentar), e das elites deste tristíssimo País, chego a esta miseranda conclusão: quando aqueles que têm o dever de mandar perderam a vergonha por completo, os que devem obedecer perderam o respeito. E estamos nisto.
Meu caro Jofre:
olhando ao latim, eu diria que nem virtude nem talento. Temos maus actores numa farsa de mau gosto, como muito bem diz. E sim, a sua pequenez conspurca os lugares, por isso qualquer paço se transforma em cortelho. E dá raiva!
Mas para si, um enorme abraço
OLÁ!
Apostaria que andas na maratona dos testes!
Um abraço.
Jorge G
Parece que és bruxo!!!
Testes e as milhentas outras coisas que, todos os anos, juro que não volto a fazer e todos os anos me vejo a fazer de novo. Não há meio de aprender, mesmo depois de publicamente me (nos) chamarem calaceira.
Mas nem que chovam canivetes, hei-de ir à manifestação. Vou ver se ainda tenho tempo de fazer um dístico para pôr no peito, a dizer: "Eu votei PS!"
Um abraço
Então minha amiga!
Diga-me,- como foi essa manifestação, para lá do Marão?
Não é provocação...é curiosidade!
José Manangão
Caro José Manangão
A minha manifestação será, ainda, amanhã (apesar de ter nascido além Marão, rumei menina e moça para Lisboa)!
Mas amanhã, de certeza, lá estarei no alto do Parque para descer a Avenida, numa versão triste da marcha triste de Abril.
Um abraço
Um abraço de solidariedade pela vossa luta e também de agradável surpresa pela grandiosa manifestação de ontem. Foi deveras impressionante, e dá bem a ideia do grau de mobilização para mostrar a repulsa por esta política de provocação e insulto permanente. Estive lá, como uma gota, somente para levar o cisco do meu apoio, porquanto não sou professor. Afinal, resistir ainda é possível.
Caro Jofre
Muito e muito obrigada pelas sempre belas palavras que aqui deixa e pela presença afectuosa, ontem na nossa manifestação. Be-haja!
P.S. Cisco era o Jofre e era eu também, no meio de tamanha multidão
Um abraço
Um decálogo intemporal. Nicolau Maquiavel gostaria de o saber reproduzido nos dias de hoje.
Bjos
Cara Bloga Comigo
Tenho andada tão afastada destas lides, que só hoje lhe posso responder. Perdão pela demora.
Quanto a Maquiavel, não tenho a certeza que seja maquiavélico ou maquiavelano: ele interpretou o modo como se pode ascender ao poder e, depois, manter-se nele, mas não creio que gostasse daquilo que via e, mesmo, aconselhava.
Em podendo, visitarei o seu blog.
Um abraço.
Cara MPS,
Vi agora o comentário na nossa PV.
Creio poder dizer que se trata SÓ de trabalho, muito trabalho.
Espero deixá-la um pouco mais descansada.
Um abraço
Bem-haja, anónimo, seja lá quem for!
Um abraço, também.
Está visto que o sistema partidário que permite o acesso ao Poder de gente cujo mérito se resume à simples militância num qualquer partido político, não serve, e é preciso encontrar urgentemente outro caminho. Assim o Povo abrisse os olhos e tomasse consciência de que é nele que reside o verdadeiro Poder, e os tais 'príncipes' teriam os dias contados...
Um Xi Grande
Até podem vir de Espanha, mas se trouxeram de volta a minha cara PV, então são muito bons os ventos que têm soprado! Eu já estava cheia de saudades.
Perante a tirada que me deixou, só posso responder com Ary dos Santos:
"Pois quando um povo acorda é sempre cedo!"
UM GRANDE ABRAÇO.
Caríssima MPS
Quero também deixar-lhe aqui os meus votos de uma PÁSCOA FELIZ.
Quero também desejar que, como habitualmente, o folar deste ano seja melhor que o do ano passado.
Um abraço
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