23/02/2007

Zeca

Hoje vou tentar cantar as tuas cantigas
embora saiba que hoje, sobretudo hoje,
aquele nó na garganta
toldará a minha voz
- e as tuas trovas exigem a perfeição do cristal!

Hoje, só de ti terei saudades;
não do tempo da promessa
nem da jovem que me ajudaste a ser.

Hoje, como em todos os dias de quebranto,
ouvir-te-ei a ti,
que é a forma que tenho
de encontrar forças
e prosseguir de queixo erguido.

Hoje não me insurgirei contra quem disser que são do povo
cantigas que sei escritas por ti!

Hoje será para ti que canto: tudo quanto escreveste
porque tudo sei de cor!


E porque "o velho se quer levantar", hoje, como todos os dias, tua voz há-de acompanhar-me na denúncia.


11/02/2007

É tão fácil ajudar!



Casa da Criança Madre Maria Clara
orfanato em Moçambique


apadrinhe uma criança

Esta casa acolhe mais de 100 meninas, dos 1 aos 18 anos. Quase todas são órfãs de pai e mãe, devido à guerra ou a doenças e muitas estavam abandonadas na rua e em situação de risco.Estas crianças têm vivido graças à solidariedade de pessoas como você!Sim! Você pode apadrinhar uma criança em Moçambique!
Após a inscrição, ser-lhe-á enviada uma nota biográfica e fotografia da sua afilhada.
Você acompanhará o desenvolvimento da sua afilhada, através dum relacionamento por carta, aconselhando-a, incentivando-a, e ela sentirá que é amada e respeitada.
Não existe nenhum compromisso legal com a sua afilhada.

Você estará a ajudar activamente esta gigantesca missão, que é reconstruir o tecido humano e social, nesta sociedade moçambicana do pós-guerra!
Veja como é simples:Caso você pretenda apoiar mensalmente a sua afilhada, será mais prático inscrever-se em
PaisProtectores.com.


É este o texto que se pode ler na apresentação desta autêntica casa refúgio de muitas crianças.


Veste-se de dificuldades a normalidade dos dias destas crianças e dos adultos que as acompanham. Neste momento, no entanto, a situação agravou-se muito devido às cheias provocadas pelas chuvas diluvianas. O apelo chegou-me e sinto que é meu dever dar dele conhecimento:
os alimentos armazenados estragaram-se com as chuvas;
as crianças estão a ser vítimas de diarreias e malária e perderam-se os medicamentos.


A maioria das crianças é órfã das vítimas da sida. São tragédias a mais para tão pequenos corpos e tão curtas idades.

Bem-haja, pois, quem possa e queira ajudá-las!

09/02/2007

Mulher e menoridade

O estudo do aparelho reprodutor feminino e do aparelho reprodutor masculino integram o currículo nacional de Ciências Naturais, disciplina obrigatória no ensino básico, também ele obrigatório. As escolas, em parceria com os centros de saúde, multiplicam-se em sessões de esclarecimento sobre sexualidade e meios contraceptivos, enquanto nas bibliotecas das escolas existe literatura abundante sobre o assunto, adequada à idade adolescente. Ou seja: a informação existe! Já nenhum adolescente acredita que os meninos são trazidos pela cegonha. Porque se engravida, então, sem querer? Só há uma resposta possível: descaso das consequências!

Enfatizo a pergunta anterior: porque se engravida? Mulher alguma engravida sozinha e ela e o parceiro sabem que um acto sexual sem protecção pode originar gravidez. Mesmo assim não se importam. Não são coitadinhos, são inconsequentes. Estes garotos arranjam dinheiro para o tabaco; arranjam dinheiro para as primeiras drogas, mas falta-lhes dinheiro para preservativos! Como pode ser? Aos jovens adultos vemo-los gastar somas consideráveis em noites de discoteca e bebedeira, mas não usam o preservativo. Não me importam para nada os argumentos que usam em defesa de semelhante comportamento, mas importa-me a leitura que, inevitavelmente, se tem que fazer dele:

homem que se não protege e não quer ser pai, faz da mulher instrumento de prazer ao seu serviço;
mulher que se não protege e não quer ser mãe reduz-se, a si própria, a objecto de prazer;
mulher que se não protege porque vai na cantiga do parceiro está a aceitar uma canga.

É, em qualquer caso, um retrato de menoridade, porque de submissão, voluntária ou imposta. Onde estão as feministas?

Em vez de mais educação; de acesso gratuito aos meios contraceptivos e de responsabilização do homem, o Estado Português propõe que se liberalize o aborto. Não se caia no sofisma de que despenalizar não é liberalizar porque, quando o Estado deixa de contar determinado acto como crime, está a dar-lhe licitude, a dizer que, praticá-lo, não está errado! E a mulher lá continua, submissa e menor; ainda mais só e desprotegida se for maioritário o voto “sim” no referendo ao aborto.

Não é só com o aborto clandestino que se deve terminar. É com o aborto ele próprio! E porque se não acaba com o alcoolismo encontrando solução médica para a ressaca, não é legalizando o aborto que se combate tal flagelo. Mas a novilíngua reinante não quer saber disso para nada. Tratou de inventar um eufemismo perifrástico para dourar a pílula. A novel expressão ignora o feto; finge que ele não existe - aliena consciências! Mas quem interrompe voluntariamente uma gravidez está, de facto, a abortar, que é o nome que o dicionário dá ao crime de matar um ser antes do nascimento. Tudo o resto é desamor à mulher e descaso pela vida!

06/02/2007

Vida humana

“Banhamo-nos e não nos banhamos sempre no mesmo rio” é um dos aforismos de Heraclito que mais me fez pensar e gosto de o aplicar à pessoa humana e à sua condição. Quantos milhares de células perdemos por dia e quantos milhares cria de novo o nosso corpo? Todo o corpo vivo sofre revoluções diárias e, no entanto, a essência permanece de tal modo que somos capazes, a cada instante, de dizer: sou eu; és tu!

A primeira identificação que se faz de alguém é a identificação biológica e mesmo que uma pessoa que conhecemos comece a ter comportamentos diferentes do habitual continuamos a chamar-lhe o mesmo nome, porque, de facto, não o sendo, é da mesma pessoa que se trata! Qual é, então, o seu verdadeiro eu? Aquele que conhecemos primeiro ou aquele que observámos depois? O que é que faz com que digamos que alguém é um ser humano? O seu comportamento? A sua biologia?

Responder a estas perguntas é encontrar a resposta para outras duas: o que é um ser humano? Quando começa a vida humana? Alguém, em completa honestidade, pode responder?

Sei que um óvulo não é vida humana e que um espermatozóide também não. Ambos são células humanas e nada mais. Mas um ovo, que é um óvulo fecundado por um espermatozóide, é muito mais do que a união de duas células, uma masculina e outra feminina. Por isso se chama ovo e a sua análise química traduz a existência de um novo indivíduo. Humano? Não sei responder, mas interrogo-me e inquieto-me porque não sei definir o que é a vida humana. A criança que fomos é a mesma pessoa que somos? Sim e não, de novo! Sei que se a criança que fomos tivesse morrido, as pessoas que somos não poderiam existir porque só daquele conjunto de células poderia resultar o conjunto de células que hoje somos. Do mesmo modo, a criança que fomos só pôde acontecer porque um espermatozóide do nosso pai fecundou o óvulo da nossa mãe. A única certeza que se pode extrair daqui é que a vida é um processo contínuo e cumulativo.

Há quem argumente que só se pode falar de vida humana depois de dez semanas de gestação, altura em que começa a formar-se o sistema nervoso central. Confesso que esse argumento me faz reflectir mais do que qualquer outro. Mas… Quem acompanhou pessoas que sofrem de esclerose ou da tremenda doença de Alzheimer dá-se conta de como vão perdendo capacidades porque o seu sistema nervoso central vai morrendo até que a pessoa chega ao ponto de ser incapaz de identificar quem mais ama e vai deixando, mesmo, de saber quem é – até o próprio nome! Aquele ser deixou de ser pessoa? Há cientistas que admitem que sim e até defendem que devem ser utilizadas em experiências científicas. Não perfilho tal opinião. O sistema nervoso pode fazer de nós pessoas brilhantes ou limitadas, pessoas boas ou perversas mas, sozinho, não chega para definir alguém enquanto ser humano. Poderíamos dizer que, neste caso, há um passado a ter em conta…

O feto de dez semanas poderá não ter sistema nervoso, mas há um futuro que deve ser levado em conta! Tudo o resto resvala perante este modo de ver e só quem não considera a vida como um direito absoluto e inviolável pode defender a liberdade de abortar!

02/02/2007

O senhor ministro da economia

Alcântara, quinta-feira à tarde, junto a um contentor de lixo que serve as docas de barcos de recreio:

- O senhor está a olhar muito para mim, mas olhe que eu não despejo no chão os sacos em que mexo!

O homem, que teria à volta de cinquenta anos, foi desfiando o seu rosário:

- Aqui encontra-se comida muitas vezes e quase sempre em bom estado. É com isso que me vou alimentando. No Verão é melhor porque há mais pessoas a sair com os barcos e quando voltam despejam aqui a comida que lhes sobra. No Inverno… olhe, já fico contente se, ao menos, puder fazer uma refeição diária!

O homem exprime-se correctamente. No tom e na atitude são invisíveis quaisquer marcas de revolta ou de auto-complacência. O seu interlocutor é que vai remoendo o que ouve e nem sabe o que há-de dizer.

- Vivo ali, debaixo das arcadas – prosseguiu – e não gosto de pedir. Só pedi uma vez, porque em dois dias só tinha comido uma maçã e já não me aguentava em pé.

- Venha comigo! – Convidou o interlocutor a quem a voz, finalmente, se soltou. Dinheiro não lhe dou, mas pago-lhe o almoço.

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Este homem (e quantos mais?) aceitaria, certamente, trabalhar algumas horas por dia em troca de almoço e jantar. Tem razão, pois, o senhor ministro da economia ao referir os baixos salários nacionais como factor de estímulo ao investimento estrangeiro em Portugal. O que eu não sabia e me surpreendeu nas suas declarações, foi o facto de sua excelência considerar que os nossos baixos salários podem competir com os miseráveis salários da China!

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Face às reacções dos sindicatos, nada mais ocorreu ao senhor ministro do que apodá-los de "forças de atraso". Confesso-me, de novo, rendida à sabedoria de sua excelência! Tem toda a razão! Não fora a corja sindical e o mundo do capital estaria muito mais rico por não ser obrigado a pagar salários que garantam algo mais do que a sobrevivência estrita! O mundo do capital seria muito mais dinâmico se pudesse continuar a empregar crianças de seis e de quatro anos em vez de despender dinheiro a inventar soluções mecânicas que possam substituir os seus dedos pequenos! Não fora a corja sindical, os conceitos de férias, segurança social, pensão de reforma, escolaridade obrigatória e sufrágio universal estariam para o nosso tempo como a vida está para Marte! Não fossem essas “forças de atraso” e os capitalistas generosos continuariam a poder dar-se ares de filantropos, permitindo generosamente que as mães de filhos pequenos os amamentem e lhes fiquem eternamente gratas em vez de exigirem a aplicação dos seus direitos legais.



Tem toda a razão, senhor ministro! Não fossem as forças sindicais, a riqueza de uns quantos seria muito maior do que é!