11/12/2006

O mestre e os discípulos



Li um livro que me foi emprestado. Gosto de ler livros emprestados, simplesmente, porque gosto de ler e comprar todos os livros que a minha ânsia exige seria incomportável. Assim, as bibliotecas e os amigos fazem o favor de permitir que sacie a minha sede. Eles nem sabem o tamanho do meu bem-hajam!

A Senhora Sócrates, de Gerald Messadié é um excelente romance aparentemente policial. Entenda-se: a Senhora Sócrates é Xantipa, esposa do filósofo Sócrates, ateniense do séc. V a.C. O texto é um excelente retrato de Atenas, mãe da democracia, aquela que excluía as mulheres de qualquer participação na vida da pólis. O autor propõe-se narrar toda a história segundo um ponto de vista feminino, ou seja, segundo a interpretação de Xantipa, pessoa de quem, na História, apenas conhecemos o nome. Claro que tudo resulta num relato crítico, mas esclarecido e correcto.

Sócrates foi mestre de Péricles, o homem que consolidou a democracia, nomeadamente acabando com o patronímio que, queiramos ou não, é sempre motivo de distinção social, pela positiva ou pela negativa. Atenas pagou a Péricles acusando-o do roubo de bens da cidade, mesmo usufruindo de todos os edifícios que se construíram a seu mando durante os 15 anos em que, sucessivamente, foi eleito estratego e devendo-lhe a derrota dos persas.


Os tempos a seguir à morte de Péricles foram conturbados: Alcibíades, seu protegido, foi eleito estratego. Alcibíades fora, desde menino, discípulo de Sócrates, nas suas andanças peripatéticas. Era belo, encantou o filósofo e ambos tornaram-se amantes. A par de Alcibíades (no estudo, entenda-se) outros discípulos rodeavam Sócrates, sendo Platão aquele que, no nosso tempo, mais destaque merece. Mas Alcibíades conduziu Atenas a uma guerra imperialista para a qual não tinha vocação. Julgado e condenado, fugiu e foi oferecer-se a Esparta, a maior inimiga da democracia que não perdeu tempo a voltar à guerra e a perpetrar pesadas derrotas a Atenas. Eu só não sei como é que ele, amante do luxo, conseguiu tragar o caldo dos espartanos, mas enfim… A verdade é que não respeitou a hospitalidade e envolveu-se amorosamente com a rainha. Apanhado, fugiu novamente e foi oferecer-se aos persas, ou seja: Alcibíades foi responsável por muitos anos de guerra mas, acima de tudo, é um grande traidor. Ainda regressará a Atenas, mas o seu ser não dá descanso a ninguém. Atenas, cansada da democracia, regressa a uma forma de tirania onde pontuam outros discípulos de Sócrates.

Ora, é aqui que bate o ponto, pois parece-me Gerald Messadié deixa uma acusação a Sócrates: foram os seus ensinamentos e os seus conselhos que formaram estes homens que são traidores ou tiranos ou defensores da tirania. Deixo no ar a mesma questão: é o mestre responsável pelos actos dos seus discípulos?

6 comentários:

Anónimo disse...

Penso que não. O filho de um pai assassino não tem de ser assassino também! Mas o que te quero dizer é que adorei o teu post, pois fez-me voltar aos meus tempos de Liceu em que estas matérias eram estudadas primeiro em História e depois em Filosofia. Agora um Ipod, um computador, um tele de 3ª geração é muito mais importanto do que tudo o resto. As novas tecnologias têm virtudes, mas sabermo-nos situar no tempo e no espaço, o agora e o antes é muito importante. A história não começa connosco já começou há muitos seculos e há que transmiti-la.
Bjokas, adorei

MPS disse...

Inteiramente de acordo contigo, Janicas... é peso a mais para a palavra e o exemplo!

Obrigada pelas tuas palavras tão gentis e um abraço.

Anónimo disse...

É e não é. Pode ser e pode não ser.
Tal como um pai será e não será responsabilizável pelos actos de um filho.
Bom, para mim fica a "coscuvilhice" da história...embora não seja grande adepto do género.Mas é giro saber-se destes episódios!

Um abraço,mana.
P.S. - desde que mudaste para o Beta que não consigo comentar a não ser como anóni ou como outro. Que raio de coisa que esses "morcões" arranjaram! É irritante.

MPS disse...

Tem lá paciência, Jorge, mas não escrevi aqui uma únia coscuvilhice!

Discordo de ti pelo simples facto de que exijo de cada indivíduo a assumpção plena dos seus actos: quem aje livremente fá-lo na plena posse das suas faculdades; é por isso que os menores, os mentecaptos e os escravos não podem ou não devem ser responsabilizados. Não nego influências mas exijo a escolha consciente delas! Ora, se o pai é responsável pelos actos do filho, o avô é responsável pelos actos do pai... e se seguirmos para trás ainda havemos de chegar a Adão e Eva, ou à Lucy, como queiras, donde será forçoso concluir que o ser Humano não é livre, antes, marioneta de alguma entidade. Recuso-me a aceitar semelhante tese.

Nota: embora sem te ter presente - essencial para o caso - tentei servir-me da técnica da maiêutica, algo que Sócrates me ensinou. Mas eu sou uma democrata!

Um abraço

P.S. Pois, essa do blogger não a entendo mesmo. Tem lá paciência (começo com ela e acabo com ela! Irra!)

Anónimo disse...

Estimada MPS:
Estou em Braga a fim de fazer uma investigação no Arquivo da Universidade, e vim agora de fugida a um posto privado de acesso à Internet para espreitar o seu blogue, tudo muito condicionado pelo motivo expresso, mas sempre com agrado.

MPS disse...

Que inveja me faz, Jofre: a disponibilidade de tempo para andar encafuada em arquivos e bibliotecas é a única inveja que tenho de alguém. Depois há-de dar-nos conta das investigações que fez, não é assim?

Um abraço